30 de dezembro de 2007

Poema

Porque parece a tez do oceano
o pano da tarde estende caravelas
no fundo do poema
como se nascessem ali
onde o mundo termina.

Porque nasce no que se ausenta
o oceano se perde
no fundo do verso
como se morresse ali
onde o tempo se esvai.

Porque não se percebe
a palavra se contém
no fundo da boca
como se fosse ali
onde a alma se exclui.

Álvaro Alves de Faria, no livro "Sete anos de pastor", lançado pela editora Palimage, de Portugal.

28 de dezembro de 2007

Sorriso sem nome

Ontem um menino aprendeu a andar de bicicleta com cinco anos. Pela primeira vez na vida eu vi um menino com aquele sorriso sem nome pedalando um rosto de cinco anos. Também os pneus sorriam na calçada. E dois amiguinhos também sorriam de bicicleta. Dois amiguinhos que ajudaram a construir vento num rosto de cinco anos com bicicleta. Aquele sorriso não tinha nome, mas continha o rosto dos três. Acho que entre crianças há mais amigos. Entre adultos vai ficando bem mais longe pedalar a vitória alheia.

Lindsey Rocha, no livro "Nervuras do silêncio". Lindsey é professora de língua portuguesa, artista plástica e estudante de artes cênicas. Atualmente mora em Curitiba.

27 de dezembro de 2007

"Porque mentem estes tipos?!... O que é engraçado é não perceberem que, quanto mais mentem, mais me ajudam a apurar a verdade! Se todos dissessem a mesma coisa, induzir-me-iam em erro! A mentira de todos seria a verdade para mim! Mas cada um, por conta própria, mente, inventa, borda, aumenta - e é do confronto das mentiras de todos que a Verdade jorrará! Olarila!"

Trecho do romance "Matai-vos uns aos outros", do português Jorge Reis (1926-2005). Publicado em 1961, a história vai em torno da morte de Manuel dos Santos, um poderoso de Vila Velha. O policial Antônio Santiago é incumbido de averiguar as circunstâncias do falecimento. "Durante sete dias, o policial interroga pessoas, envolve-se na vida da cidade, especula daqui e dali e, por fim, assenhoreia-se de uma série de dados que, aos poucos, vão lhe dando conhecimento, não só das pessoas envolvidas no caso, mas também das paixões e jogos de interesses que unem - e desunem - a gente de Vila Velha." Só o prefácio de Aquilino Ribeiro já valeria os poucos tostões usados na compra da obra.

24 de dezembro de 2007

A resenha abaixo, sobre o meu romance "Espirais de outubro" foi publicada no jornal Estado de Minas ontem.

Um dedo de prosa, perto do fim
Whisner Fraga imita o fluxo caótico da cidade em narrativa de personagens em decomposição

Por Gustavo Dumas

Uma velha escritora estica o tempo pouco que lhe resta escrevendo um diário (ou sua última obra? ou a primeira obra de sucesso de outrem?) em seu apartamento, dividindo o seu espaço com coisas, quando “tudo agora se resume a uma resignada espera pela morte” (p. 9). A vida acabou e o que mora dentro dela é cidade – um transitar de vozes, um concentrar de gente que não mais se vê. Eis Aila, futura Nobel de literatura – a primeira Nobel brasileira! – em seus últimos momentos, narrando em primeira pessoa suas histórias, entre vozes de outros de sua memória. A princípio, As Espirais de Outubro (Nankin Editorial, 2007), novo livro do escritor mineiro Whisner Fraga, é um romance que reporta o diálogo de uma anciã com seus fantasmas.
Presa de si, entre as janelas fechadas de seu apartamento, Aila desfia seu evasivo passado, seu esquálido presente e seu vazio de expectativas em relação ao futuro. Lá fora, o mundo, assim como a personagem, encontra-se em um modo de “abandono mútuo” entre vivos e mortos, com as artérias da cidade em desenredo a constituírem um universo que apartou o eu de qualquer fixidez. Esse mundo de subjetividades fluidas tem em Aila um representante fidedigno.
Aila, o centro da narrativa, é a protagonista de uma história perdida, assim como todas as personagens retratadas no livro. Regina, Fabrícia, Catarina habitam uma periferia de alter egos de uma personalidade humana “maior”, em franco estado de decomposição. A cidade é o espelho que imita o curso de vida e delineia cada traço de caráter de indivíduos sem rumo. A cidade é o resultado da racionalidade que se tornou obtusa, da civilização que afundou na poeira do mercado, é a sede da desorientação diária por onde circulamos em espirais, corrediços para não chegar a lugar algum. Esta é a cidade que Aila tem dentro de si e expõe como último livro-suspiro, delírio em retirada. A cidade confunde-se ainda com o lar: os limites não se acham delimitados como no plano de divisão do romance, em que cada capítulo-dia bifurca em duas falsas pistas de decifração de um mistério supostamente interdito – quando a narrativa insiste em caminhar por uma rota que não produz nem revela esconderijos, apenas margens.A reflexão sobre a cidade se possibilita pela consciência do fim, da ausência que, antes relativa, tornar-se-á, num tempo breve, absoluta. Trata-se a vida, segundo a ótica do moribundo, de uma repetição de “melancolias pré-datadas” (p. 62), em que o agora consiste tão-somente em um “longo prenúncio de términos” (p. 61) até um desfecho inexorável. Aila aceita seu fado com resignação, diante do enfado da rotina e do desalento interior.
O espaço do pessimismo, porém, tem lá seus momentos de corrosão. A crítica que se faz busca um resgate de outros termos de relação humana, para além de “uma cultura tirânica em que a satisfação jamais é alcançada” (p. 96). Há uma crença de fundo no futuro, personificada no desconhecido Ângelo, nome significativo para se depositar uma herança. A morte constitui, nesse sentido, uma bússola para a esperança, num processo de evidente transferência que vai remeter também a Fabrícia – quiçá a verdadeira (ou principal) autora do livro dentro do livro, esta espiral sem solução, aí sim enigma de segredos tantos que temos ao final da narrativa de Whisner Fraga.
O que a literatura, neste tráfego? Para Aila, só vaidade, tentativa de nos tornarmos especiais. Aila fala mal dos escritores, para quem vale mais a morte que o esquecimento, ela que também se quer “imortal”. Nesse quesito, Fraga parece utilizar Aila, pondo-a em posição elevadíssima no plano literário, para legitimar um profundo questionamento aos padrões de reconhecimento em um meio egoísta, que constrói triunfos à custa de muitas existências tornadas banais e que está longe de “subestimar a força do comércio” (p. 116). Reflete a protagonista-autora: “A poesia [é] um magma de inutilidade e presunção” (grifo meu, p. 62).
Em suma, “As espirais de outubro” serve-se do hiper-realismo memorialista de uma protagonista trancada em seu apartamento-corpo em decadência, cujo continente compõe-se de ilusões murchadas e horizontes despedidos, para desenvolver um cenário de linhas caóticas e sentido vário. Depois de “A cidade devolvida” (7Letras, 2005), Whisner Fraga projeta, com seu novo romance, o “belo num emaranhado de concreto e penumbra” (p. 96), o lúdico em meio a uma polifonia de desenganados de que toma parte a própria literatura. O que fica de todo esse fluxo são indagações que irão acompanhar o universo íntimo de cada leitor, até uma última virada de página.

Gustavo Dumas é escritor e revisor de textos. Publicou, em 2005, assinando como Zeh Gustavo, o livro de poesias Idade do Zero, pela Escrituras Editora.
Contato: zehgustavo@yahoo.com.br

15 de dezembro de 2007

Final de ano para um professor não é uma época muito boa. Fechar diários, dar vistas de provas, confeccionar avaliações de recuperação, corrigi-las depois. Hoje soube que meu romance "As espirais de outubro" foi finalista do Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional. Este post é para contar sobre esta novidade. Mas também para dizer que a partir da próxima semana escreverei mais para este blog, indicando vários livros e filmes que considero bons, ótimos ou excelentes.

2 de dezembro de 2007

O amigo e artista Edgar Franco está lançando seu primeiro álbum na Suíça. Trata-se do trabalho "Neocortex Plug-in". Quem quiser dar uma conferida, basta ler esta descontraída entrevista.

28 de novembro de 2007

Hoje recebi uma notícia que me deixou bem alegre: meu conto "sonâmbulos", do livro inédito "Abismo poente", foi o vencedor do 17o Concurso Nacional de Contos Luiz Vilela.

25 de novembro de 2007

Não é segredo que prefiro os clássicos. E nesta palavra entendam também que isso é literatura de oitenta anos, no mínimo. Mas eu também leio contemporâneos, vocês perceberam pelos posts anteriores. Vou falar de um sujeito bem interessante: Ignacio Padilla. O escritor mexicano é dono de uma narrativa poderosa, em que se destacam histórias criativas e frases muitíssimo bem construídas, cheias de ironia e força poética.

22 de novembro de 2007

Boitempo

Entardece na roça
de modo diferente.
A sombra vem nos cascos,
no mugido da vaca
separada da cria.
O gado é que anoitece
e na luz que a vidraça
da casa fazendeira
derrama no curral
surge multiplicada
sua estátua de sal,
escultura da noite.
Os chifres delimitam
o sono privativo
de cada rês e tecem
de curva em curva a ilha
do sono universal.
No gado é que dormimos
e nele que acordamos.
Amanhece na roça
de modo diferente.
A luz chega no leite,
morno esguicho das tetas,
e o dia é um pasto azul
que o gado reconquista.

Carlos Drummond de Andrade.

8 de novembro de 2007

Vocês conhecem as agendas do PSTU? Calma, calma, este recado não tem absolutamente nenhuma conotação política. Eu compro essas agendas há uns 7 ou 8 anos, porque elas são bonitas, bem-feitas. As páginas são ilustradas com fotos e quadros famosos. Também muita poesia, trechos de músicas, de obras literárias. Ano passado eu comprei a agenda, como todos os anos anteriores, de um militante do partido. Para minha surpresa, ela trazia umas três ou quatro poesias minhas! Então eu consegui entrar em contato com os organizadores da agenda e este ano meus versos ilustram muitas outras páginas. Repito: vale a pena ter uma. Não sou militante do PSTU e de nenhum outro partido. Repartem os dias comigo outros poetas, como Carlos Drummond, Manoel de Barros, Lau Siqueira, Zeh Gustavo e por aí vai a lista.

1 de novembro de 2007

O caminho até o cemitério já era familiar. Junto à sepultura, o marido de Caroline descontrolou-se. Gustave olhava baixarem o caixão. De repente o ataúde ficou preso: a cova era estreita demais. Os coveiros seguraram-no e começaram a sacudi-lo; puxaram de um lado para o outro, sacudiram, deram pancadas com uma pá, usaram pés-de-cabra como alavanca; mas o caixão não se movia. Por fim um deles botou o pé bem em cima do ataúde, exatamente sobre o rosto de Caroline, e desceu-o à força para o túmulo.

Trecho do romance "O papagaio de Flaubert", de Julian Barnes, em tradução de Manoel Paulo Ferreira. O pedaço aí que escolhi fala sobre o enterro da irmã de Gustave Flaubert, Caroline. Flaubert, após a publicação de Madame Bovary em folhetim, sempre tentou mostrar ao mundo que não era autor de um único livro. E não foi mesmo, escreveu no mínimo outras duas obras-primas.

30 de outubro de 2007

Alguém conhece a Eloisa Cartonera? É um projeto argentino bem legal. Catadores de lixo que editam livros. No Brasil há um projeto-irmão, o Dulcinéia Catadora. Já editou livros do Manoel de Barros, do Glauco Mattoso, do Haroldo de Campos e está editando um livro meu também. Dia 30 de novembro estarei junto com a Dulcinéia e a Eloisa no SESC Pompéia em São Paulo, para um lançamento bem legal de vários livros. Quem costuma ver o programa "Entrelinhas", da TV Cultura vai assistir, no próximo domingo, dia 04 de novembro, a uma matéria sobre o projeto Dulcinéia. O programa começa às vinte e uma horas.

29 de outubro de 2007

Hoje saiu uma resenha que escrevi sobre um livro de Leonardo Sciascia no Leia Livro. Sciascia foi um escritor siciliano, que tratava em seus livros ora da Máfia ora do Fascismo. Temas interessantes nas mãos de um grande escritor. Quem não conhece, corra atrás.

18 de setembro de 2007

A gente confunde, às vezes, as insignificâncias do mundo com as ofensas do mundo.

Elio Vittorini, no livro "Conversas na Sicília", em tradução de Lucia Guidicini. Vittorini nasceu na Sicília em 1908 e faleceu em 1966. Juntamente com Italo Calvino fundou a revista de esquerda "Il menabó".

7 de setembro de 2007

Era mais um daqueles dias cinzentos de Milão, porém sem chuva, com aquele céu enigmático que não se sabia ao certo se eram nuvens ou apenas a neblina a encobrir, talvez, o sol. Ou simplesmente a caligem saída das chaminés, dos respiradouros das caldeiras de nafta, das refinarias Coloradi, dos caminhões barulhentos, dos esgotos, dos nauseabundos montes de lixo jogados nos terrenos baldios da periferia, da traquéia dos milhões e milhões - seriam tantos? - aglomerados entre cimento, asfalto e raiva à sua volta.

Trecho do romance "Um amor", do italiano Dino Buzzati (1906-1972), em tradução de Tizziana Giorgini. O livro foi lançado pela Nova Fronteira.

24 de agosto de 2007

Álvaro,

tira o demônio de dentro
e fica vazio como um poço.

Corta o cabelo
e deixa crescer mais a barba
sem motivo nenhum.

Retira o avião do céu da tua boca
e deixa calar a nuvem de teu nascimento.

Corta o celulóide da tua pele
e inventa outro mundo para viver.

Cala o calafrio da tua cara
e permanece imóvel
dentro de teu paletó.

Afasta a sombra de teus dedos
e faz o tempo parar para sempre.

Morre todos os instantes
e caminha pela rua invisível de teu ser.

Tira de ti o ferimento do grito
e pára diante da fenda do olho
onde dormem os duendes.

Fica dentro de ti,
onde não existes mais
onde te feres
e te deixas,
onde não estás.

Cala as aves
nos alpendres da manhã
entre operários feridos
a cantar o hino nacional.

Reinventa o espelho do rosto
e costura a cicatriz mais funda
para redescobrir o sangue.

Não procures
esse tesouro dos homens,
mas o anel da infância
que se perdeu.

Força a busca de ti
onde não te encontras
nem te fazes nos labirintos
em que te perdes absoluto.

Destrói o sonho
que antes sonhavas
e que não tens mais
em teu armário.

Depois acorda
e mata as palavras
para que tudo volte ao normal.

Versos de Álvaro Alves de Faria, retirados do livro "À noite, os cavalos". Álvaro teve sua obra reunida em livro pela Editora Escrituras em 2003. Desde então publicou mais dois livros em Portugal.

20 de agosto de 2007

Existe um dinossauro gorducho que está manco de três pernas e prestes a ficar sem a quarta: é o nosso correio. Como é um assunto que está relacionado a livros, quero usar algumas linhas para falar sobre ele. Se você for até uma agência qualquer para postar sua preciosa carta, pode ter algumas surpresas. Se a sua missiva tiver mais de 500 gramas, então deixa de ser missiva para se tornar pacote, mesmo não sendo um pacote. Isto é, o atendente tentará convencê-lo, de todas as cansativas formas, que você deve enviar imediatamente um sedex. Ora, sedex é um serviço especializado e, portanto, caro. Ou seja: ou você mata a sua inocente mosca com uma bomba atômica ou então volta triste para casa. Após meia hora em que enche sua cabeça de baboseiras, o funcionário dos Correios diz que você tem uma alternativa: pode remeter sua correspondência via encomenda normal. MAS, para isso terá de colocar suas “quinhentas” gramas numa caixa, “que a gente tem sim, custa só cinco reais”. Enviar um livro pelo correio? Caro. Tanto faz você mandar uma obra literária ou oito latinhas de fezes, o preço é o mesmo. Ah, o nosso correio é muito eficiente, podem argumentar alguns. Tá. Por que é que existe carta registrada? A leitura só pode ser uma: se você mandar carta simples, os Correios não garantem sua entrega ao destinatário. Como assim? Estou pagando por um serviço que não garantem prestar? Alguém acha barato postar uma carta no Brasil? Compare os preços com os de outros países e depois venha conversar comigo. E sem falar que, ao chegar em uma agência, você com aquela pressa costumeira, tem de agüentar a moça do caixa lhe oferecer tele-sena, CDs e outros mil produtos. É nisso que dá um monopólio, preços abusivos e serviço de má qualidade. Só uma dica: tente reclamar com o Ombudsman e terá uma surpresa.

15 de agosto de 2007

Devia haver uma regra absoluta, uma lei nova no código penal das relações humanas: a prescrição judicial das fodas erradas. Melhor ainda, uma lei que as fizesse desacontecer. Isso, deixarem de ter acontecido. Ao fim, por exemplo, de dois anos. Desculpe, minha senhora, mas essa foda já prescreveu. Desaconteceu. Agora vá em paz e deixe-me ir em paz.

Trecho do romance "Sem nome", do português Helder Macedo.

9 de agosto de 2007

Amanhã, dia 10 de agosto, o poeta Álvaro Alves de Faria falará sobre meu romance "As espirais de outubro", em seu programa na Jovem Pan.

6 de agosto de 2007

Engordaste e não queres que eu o descubra, por isso te precipitarás, mais tarde, para a casa de banho de onde sairás já de camisa de noite. Minha querida. Como se a ondulação contínua do meu desejo por ti pudesse crescer ou diminuir a metro. Quantos quilos de amor tens ainda para me dar, diz-me? Quantos quilómetros teremos ainda de andar para nos amarmos só com riso, sem lágrimas nem culpas, como dantes? Não foram as pregas do teu corpo o que nos afastou, o que nos empurrou para este limbo dos paraísos ocasionais. Tu dirás que foi o dinheiro. Eu direi que foi a tua incapacidade de entrega. Mas se dissermos isto acabaremos por gritar um com o outro, e depois cada um de nós dirá frases terríveis em que não acredita só para experimentar o seu poder de mágoa sobre o outro, e a rosa de sangue em que se transformou o nosso amor desmoronar-se-á em ferida absoluta.

Trecho do conto "Todo o amor", do livro "Fica comigo esta noite", de Inês Pedrosa.

4 de agosto de 2007

Já que os vejo passar assim altivos
E cheios de vanglória, como quem
Ao peito humano deu a luz que tem
E a nossos corações os lumes vivos;

Já que os vejo, assentados na cadeira
Da prudência, falar com voz segura,
Dar-se em adoração à gente escura
E doutrinar d'ali à terra inteira;

Já que os vejo, co'a mão que ata e desata,
Entre os homens partir o mundo todo
E todo o céu - e dar a este o lodo,
E àquele o reino de safira e prata;

Dizer a uns - falai! e pôr na boca
Dos outros a mordaça da doutrina;
Dar a estes a espada de aço fina,
E, ao resto, pôr-lhe à cita a estriga e a roca;

Já que os vejo fazer a noite e o dia
Com o abrir e fechar dos olhos baços;
E pretender que o sol lhes segue os passos,
E em seus sermões aprende a harmonia;

(...)

Trecho de "Pater", de Antero de Quental.

30 de julho de 2007

O Silêncio

Eugénio de Andrade

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

José Fontinhas (nome verdadeiro de Eugénio de Andrade) nasceu em janeiro de 1923, em Póvoa de Atalaia, em Portugal.

28 de julho de 2007

A noite era uma mortalha de silêncio agitado. O silêncio trazia o mar pra dentro da casa, subindo a montanha, sufocando. As coisas perdiam o contorno. Ela não queria deixar os filhos se afogarem nesse mesmo silêncio, mas não sabia falar. Vinha e voltava. Um lampião iluminando um quadro mudava tudo. Os cabelos desgrenhados da menina. Ela ou sua filha, a menina verde, não sabia.

Trecho do (belo) romance "Esse rio sem ponte", do escritor e psicanalista carioca Carlos Tamm, lançado recentemente pela 7Letras.

23 de julho de 2007

A minha rotina segue mais ou menos assim: durante a manhã eu fico escrevendo. Geralmente por duas horas, duas horas e meia. Durante este período eu consigo escrever cinco ou seis linhas, se for ficção e um texto inteiro, se for resenha. Porque conto eu prefiro ir revisando à medida que escrevo, para que a frase fique mais próxima possível do que eu quero. Então reescrevo trinta, cinqüenta, oitenta vezes. De modo que, quando termino uma narrativa eu faço uma revisão final, que consiste em outra leitura bem atenta e novas modificações. Mas procuro trabalhar assim para evitar descartar algum texto depois. Prefiro jogar fora a frase logo de cara. Logo depois do almoço eu leciono e fico fora de casa até o final da noite. Os intervalos entre as aulas eu os aproveito para ler, de maneira que antes de dormir já consegui terminar pelo menos um livro. Eu preciso deste volume de leitura por vários motivos: primeiro porque todo escritor deve ser um excelente leitor e depois porque eu sou resenhista de vários periódicos, o que me obriga a estar atualizado com os lançamentos editoriais no país e no mundo. Desde novembro de 2005 que trabalho em meu novo livro de contos, “Abismo poente”, cujas histórias têm como tema central a imigração libanesa para o estado de Minas Gerais. Vai um trecho aí do conto intitulado “I”:

quando a madrugada, abraçando o esplendor de um início de dia, decida partir. ainda é precária sua animosidade de bêbado e a minha vista por enquanto alcança somente o que não pode ver, e não vê o carvão fundido em magma, mais um ou dois êxtases de chama e depois as cinzas, nem o balé do rabo hemofílico de um gato vadio, nem o capim aspirando a espessa graxa da noite, nem a comida meio fermentada que você despejou de seu estômago aos pés de um vulto que dorme ou morre, tampouco as artérias dessa laranjeira sem forças para sumir daqui. o verde sonolento da mosca que suga os carcomas de buchos largados numa quina de grama, o rumor tardio da cerveja despejada no copo untado e solene daquele que já nem sabe por que bebe.

18 de julho de 2007

Domingo 19 de mayo

La esperé en Mercedes y Río Branco. Llegó con sólo diez minutos de retraso. Su traje sastre de los domingos la mejora mucho, aunque es probable que yo estuviera es­pecialmente preparado para encontrarla mejor, siempre mejor. Hoy sí estaba nerviosa. El trajecito era un buen augurio (quería impresionar bien); los nervios, no. Pre­sentí que por debajo del colorete, sus mejillas y labios estaban pálidos. En el restorán eligió una mesa del fondo, casi escondida. "No quiere que la vean conmigo. Mal augurio", pensé. No bien se sentó abrió su cartera, sacó su espejito y se miró. "Vigila su aspecto. Buena señal." Esta vez hubo un cuarto de hora (mientras pedimos el fiambre, el vino, mientras pusimos manteca sobre el pan negro) en que el tema fueron generalidades. De pronto ella dijo: "Por favor, no me acribille con esas miradas de expectativa." "No tengo otras", contesté, como un idiota. "Usted quiere saber mi respuesta", agregó, "y mi respues­ta es otra pregunta". "Pregunte", dije. "¿Qué quiere decir eso de que usted está enamorado de mí?" Nunca se me había ocurrido que esa pregunta existiera, pero ahí esta­ba a mi alcance. "Por favor, Avellaneda, no me haga aparecer más ridículo aún. ¿Quiere que le especifique, como un adolescente, en qué consiste estar enamorado?" "No, de ningún modo". "¿Y entonces?" En realidad, yo me estaba haciendo el artista; en el fondo bien sabía qué era lo que ella estaba tratando de decirme. "Bueno", dijo, "usted no quiere parecer ridículo, pero en cambio no tiene inconveniente en que yo lo parezca. Usted sabe lo que quiero decirle. Estar enamorado puede significar, sobre todo en la jerga masculina, muchas cosas diferentes". "Tiene razón. Entonces póngale la mejor de esas muchas cosas. A eso me refería ayer, cuando se lo dije". No era un diálogo de amor, qué esperanza. El ritmo oral parecía corresponder a una conversación entre comerciantes, o entre profesores, o entre políticos, o entre cualesquiera poseedores de contención y equilibrio. "Fíjese", seguí, algo más animado, "está lo que se llama la realidad y está lo que se llama las apariencias". "Ajá", dijo ella, sin deci­dirse a parecer burlona. "Yo la quiero a usted en eso que se llama la realidad, pero los problemas aparecen cuando pienso en eso que se llama las apariencias". "¿Qué pro­blemas?", preguntó, esta vez creo que verdaderamente intrigada. "No me haga decir que yo podría ser su padre, o que usted tiene la edad de alguno de mis hijos. No me lo haga decir, porque ésa es la clave de todos los proble­mas y, además, porque entonces sí voy a sentirme un poco desgraciado". No contestó nada. Estuvo bien. Era lo menos riesgoso. "¿Comprende entonces?", pregunté, sin esperar respuesta. "Mi pretensión, aparte de la muy explicable de sentirme feliz o lo más aproximado a eso, es tratar de que usted también lo sea. Y eso es lo difícil. Usted tiene todas las condiciones para concurrir a mi felicidad, pero yo tengo muy pocas para concurrir a la suya. Y no crea que me estoy mandando la parte. En otra posición (quiero decir, más bien, en otras edades) lo más correcto sería que yo le ofreciese un noviazgo serio, muy serio, quizá demasiado serio, con una clara perspectiva de casamiento al alcance de la mano. Pero si yo ahora le ofreciese algo semejante, calculo que sería muy egoísta, porque sólo pensaría en mí, y lo que yo más quiero ahora no es pensar en mí sino pensar en usted. Yo no puedo olvidar - y usted tampoco - que dentro de diez años yo tendré sesenta. "Escasamente un viejo", podrá decir un optimista o un adulón, pero el adverbio importa muy poco. Quiero que quede a salvo mi honestidad al decirle que ni ahora ni dentro de unos meses, podré juntar fuer­zas como para hablar de matrimonio. Pero - siempre hay un pero - ¿de qué hablar entonces? Yo sé que, por más que usted entienda esto, es difícil, sin embargo, que ad­mita otro planteo. Porque es evidente que existe otro planteo. En ese otro planteo hay cabida para el amor, pero no la hay en cambio para el matrimonio". Levantó los ojos, pero no interrogaba. Es probable que sólo haya querido ver mi cara al decir eso. Pero, a esta altura, yo ya estaba decidido a no detenerme. "A ese otro planteo, la imaginación popular, que suele ser pobre en deno­minaciones, lo llama una Aventura o un Programa, y es bastante lógico que usted se asuste un poco. A decir ver­dad, yo también estoy asustado, nada más que porque tengo miedo de que usted crea que le estoy proponiendo una aventura. Tal vez no me apartaría ni un milímetro de mi centro de sinceridad, si le dijera que lo que estoy buscando denodadamente es un acuerdo, una especie de convenio entre mi amor y su libertad. Ya sé, ya sé. Usted está pensando que la realidad es precisamente la inversa; que lo que yo estoy buscando es justamente su amor y mi libertad. Tiene todo el derecho de pensarlo, pero reco­nozca que a mi vez tengo todo el derecho de jugármelo todo a una sola carta. Y esa sola carta es la confianza que usted pueda tener en mí". En ese momento estábamos a la espera del postre. El mozo trajo al fin los manjares del cielo y yo aproveché para pedirle la cuenta. Inmediata­mente después del último bocado, Avellaneda se limpió fuertemente la boca con una servilleta y me miró sonrien­do. La sonrisa le formaba una especie de rayitos junto a las comisuras de los labios. "Usted me gusta", dijo.


Trecho de "La tregua", de Mario Benedetti.

13 de julho de 2007

Outro dia fui a um sebo e um sujeito que trabalha lá, que eu até admirava por saber sobre todos os autores que eu buscava, se silenciou quando lhe perguntei se tinha algum livro do Mario Benedetti. Nunca havia ouvido falar no escritor uruguaio, um dos grandes em língua espanhola, aliás um dos grandes e ponto final. Voltei decepcionado para casa e triste, lógico.

Porque, en realidad, la coima siempre existió, el acomodo también, los negociados, ídem. ¿Qué está peor, entonces? Después de mucho exprimirme el cerebro llegué al convencimiento de que lo que está peor es la resignación. Los rebeldes han pasado a ser semi-rebeldes, los semi-rebeldes a resignados. Yo creo que en este luminoso Montevideo, los dos gremios que han progresado más en estos últimos tiempos son los maricas y los resignados. "No se puede hacer nada", dice la gente. Antes sólo daba su coima el que quería conseguir algo ilícito. Vaya e pase. Ahora también da coima el que quiere conseguir algo lícito. Y esto quiere decir relajo total.
Pero la resignación no es toda la verdad. En el principio fue la resignación; despues, el abandono del escrúpulo; más tarde, la coparticipación. Fue un ex resignado quien pronunció la célebre frase: "Si tragan los de arriba, yo tambíen". Naturalmente, el ex resignado tiene una disculpa para su deshonestidad: es la única forma de que los demás no le saquen ventaja. Dice que se vio obligado a entrar en el juego, porque de lo contrario su plata cada vez valía menos y eran más los caminos rectos que se le cerraban. Sigue manteniendo un odio vengativo y latente contra aquellos pioneros que lo obligaron a seguir esa ruta. Quizá sea, después de todo, el más hipócrita, ya que no hace nada por zafarse. Quizá sea también el más ladrón, porque sabe perfectamente que nadie se muere de honestidad.

Não é o tema principal de Benedetti, mas o trecho, retirado do romance "La tregua" é muitíssimo interessante. Outro dia vi um documentário em que um filósofo defendia que o mundo inteiro hoje está resignado. O assunto mais caro de Mario Benedetti é a morte, que neste livro também é personagem principal. Depois vou copiar aqui um outro trecho desta mesma obra, em que o uruguaio encara brilhantemente o tema mais difícil da literatura: o amor.

12 de julho de 2007

A página Amigos do Livro fez uma divulgação do meu romance. Sou muitíssimo grato ao atencioso e prestativo pessoal que mantém o site.

11 de julho de 2007

Em algum ponto escuro acima do Mediterrâneo, quando o avião libertava-se das amarras da terra, Jean lembrou-se de uma estrofe, ensinada há decadas pelo professor de religião da escola:

Primeiro a Pirâmide, que no Egito foi erguida;
Então os Jardins da Babilônia por Amytes construídos;
Terceiro, o Túmulo de Mausolo com afeição e culpa...

Não conseguia lembrar o resto. "Terceiro, o Túmulo de Mausolo com afeição e culpa..." Culpa, culpa... construído, era isso. "Em Éfeso erguido." O que fora construído em Éfeso - ou seria por Éfeso? "Quinto, o Colosso de Rodes, moldado em bronze, em honra ao sol" - lembrou de repente o verso completo, mas não foi muito adiante. Alguma coisa de Júpiter, era isso, e mais alguma coisa no Egito?
De volta a casa, foi à biblioteca e procurou as Sete Maravilhas do Mundo, mas não encontrou nenhuma das que constavam da poesia. Nem as pirâmides? Ou os jardins Suspensos da Babilônia? A enciclopédia dizia: o Coliseu de Roma, as Catacumbas de Alexandria, a Grande Muralha da China, Stonehenge, a Torre Inclinada de Pisa, a Torre de Porcelana de Nanquim, a Mesquita de Santa Sofia em Constantinopla.
Bem, talvez houvesse duas listas diferentes. Ou talvez precisassem atualizar a lista uma vez ou outra, à medida que novas maravilhas eram construídas e as outras desmoronavam. Talvez cada pessoa pudesse fazer a própria lista. Por que não? Para ela, as Catacumbas de Alexandria não pareciam grande coisa. Talvez nem existissem mais. Quanto à Torre de Porcelana de Nanquim, parecia extremamente improvável que qualquer coisa feita de porcelana tivesse sobrevivido. E em caso afirmativo, os soldados da Guarda Vermelha a teriam destruído.

Este trecho aí é porque há poucos dias o Cristo Redentor entrou na lista das maravilhas do mundo. O trecho foi retirado do livro "De frente para o Sol" (Staring at the sun), de Julian Barnes. Também não possuo o pedaço em inglês para inserir aqui. Tenho apenas "O papagaio de Flaubert" (Flaubert's Parrot).

9 de julho de 2007

Entretanto, quando ele está dentro de mim - como ontem à noite - acontece algo de muito estranho. Ele é muito melhor do que qualquer um da minha idade, vem com um sólida e majestosa ereção capaz de se prolongar pelo tempo que quisermos. Há ocasiões em que permanece dentro de mim por toda uma hora e, se eu colocar a mão sobre minha barriga, é possível sentir perfeitamente a ponta rombuda, como um estandarte erguido, atravessando-me a carne. Mas, ao mesmo tempo que ele me preenche toda, ao mesmo tempo que se poderia pensar que a última brecha dentro de mim acabara-se de tapar-se para sempre, enquanto estamos deitados, em silêncio, tenho a sensação de que fui eu quem o arrastou para dentro de minha carne, que sou eu quem o está prendendo ali, que sou eu quem o tem dominado, imobilizado. Se flexiono os músculos dentro de mim, sinto como se estivesse estrangulando alguém. Ele não fala; o sofrimento do prazer faz com que cerre os olhos. As pálpebras são mais delicadas sem os óculos. E até mesmo quando ele provoca o clímax para nós - passado o momento supremo, continuo a retê-lo como se o sentisse estrangulado: quente, grosso, morto, lá dentro.

Trecho do livro "O falecido mundo burguês" (The late bourgeois world, 1966), de Nadine Gordimer. Infelizmente desta vez não possuo o original para inserir também o parágrafo em inglês. Escolhi este pedaço aí justamente para fugir um pouco do estilo de Nadine, para evitar o assunto que a fez vencer o prêmio Nobel: o racismo na África do Sul. A tradução aí foi feita pelo Carlos Sussekind.
Antes de colocar aqui o trecho da Nadine, que prometi, quero falar de uma surpresa que tive: um amigo procurou meu novo livro na Estante Virtual e o encontrou! A 12 reais! Detalhe: a obra ainda não chegou às livrarias... E está num sebo de Porto Alegre. Tenho anotado aqui: enviei dois livros para Porto Alegre, para dois escritores de renome, um que se diz incentivador da nova literatura e outro que está na epígrafe do romance. Qual dos dois VENDEU o livro prum sebo? Eita, os escritores brasileiros estão pobres mesmo, está comprovado! Puxa, eu preferiria que o fulano tivesse DOADO a alguma biblioteca. Ficaria melhor. Tudo bem, nenhum dos dois pediu pra receber o livro, é fato. E presente é presente, a gente faz o que quiser com ele...

7 de julho de 2007

Eu vinha pensando num jeito de dizer isso, quando um comentário da Mônica Mamede veio me incentivar. Sei que vai ser polêmico. Meu romance "As espirais de outubro" narra os últimos dias da brasileira ganhadora do Nobel de literatura, em 2005. Como estou escrevendo uma resenha para o "novo" livro de Orhan Pamuk, "Istambul", tenho pesquisado novamente sobre o prêmio. Todo mundo sabe que há omissões históricas, falhas imperdoáveis. Nem vou citar os estrangeiros, todo mundo tem lá no fundo o seu candidato. Entre os brasileiros, sempre torci pelo Suassuna, acho que ele é o que tem todos os requisitos para ser um vencedor. Além do resgate da cultura de sua terra, escreve como um gênio. Entretanto, duvido que vença porque o problema é que ele é bom demais. Como foram Rosa, Clarice e Machado. Mas agora é que vem a bomba: eu aposto que o brasileiro que vai ganhar o Nobel (e não demorará muito) será o Paulo Coelho. Ele é a cara do prêmio (lá no mesmo nível de Gabriela Mistral e Harold Pinter). Daqui a pouco vou postar um trecho de Nadine Gordimer, para que se lembrem da Flip (eu gostaria de estar lá - alguém me consegue um autógrafo dela?)

6 de julho de 2007

É só porque havia em ti uma caixinha de silêncio. E eu a imaginava envelhecida, de um mofo que impõe respeito e mágica. Toda vez que eu a abria, escutava canção nenhuma e, dessa forma, dançava quieta em teus braços. Sei da ilusão dos instrumentos. Da solidão da voz. Da falta contida em tantas músicas. Mas tudo isso aquela caixinha supria. Ao abri-la, a quantidade de delicadeza impregnada em meus dedos entregava a preciosidade jamais pronunciada. Ao abri-la, nem meus olhos falavam. O silêncio guardado ali, sempre pronto a preencher nossos vazios. Como nos dias em que tocavas Chopin e todas as teclas querendo ser meu corpo.

Do livro Nervuras do silêncio, de Lindsey Rocha, lançado pela 7Letras na coleção Rocinante.

15 de junho de 2007

Para mim ilusão e esperança se coincidem e a minha fé não tem olhos. A senilidade, ao contrário do que dizem os jovens, não significa sabedoria, mas tolerância. E isso eu constato, sentada aqui, no alto do décimo quarto andar de um prédio fundado num terreno de Botafogo, com setenta e dois longos anos pesando em minhas pernas varicosas.

Este aí é o trecho inicial do meu romance "As espirais de outubro", finalista do I Prêmio SESC de Literatura, premiado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e publicado pela Nankin Editorial. O livro saiu esta semana e conta com o traço de Edgar Franco na capa.

6 de junho de 2007

Ela hesitou um pouco na correnteza, depois foi para o fundo e parou junto de uma pedra. Nick enfiou a mão para tocá-la, afundou o braço na água até o cotovelo. A truta estava parada na correnteza, descansando nos seixos ao lado de uma pedra. Quando os dedos de Nick a tocaram, tocaram também o sentimento sereno que ela guardava de ter escapado e de ter virado uma sombra no fundo do rio.

Hemingway, no conto "A alma dos rios". Tradução de José J. Veiga.

1 de junho de 2007

Nós, escritores, geralmente corrigimos as provas de nossas primeiras edições e, às vezes, nem isso. As seguintes, deixamos ao cuidado dos editores, os quais, talvez devido a seu conhecido e divertido jogo de passar a bola, as delegam ao impressor, o qual se apóia no revisor de provas, o qual, por ter a cabeça perturbada, chama em seu auxílio esse primo pobre que todos temos, o qual, como é bem mais folgado, as envia a um vizinho. O resultado é que, ao final, o texto não é reconhecido nem pelo próprio pai: neste caso, este seu servidor. Os livros freqüentemente melhoram com essa colaboração gratuita e tácita, mas os autores, raras vezes concordamos em reconhecê-los e costumamos preferir, talvez tomados pela soberba, aquilo que com melhor ou pior sorte havíamos escrito.

Trecho de um esclarecimento de Camilo José Cela, escrito para seu livro "A família de Pascual Duarte". Tradução de Janer Cristaldo, em segunda edição da Bertrand Brasil.

22 de maio de 2007

Evidentemente, como o cinema, a literatura argentina está muito à frente da nossa.

Mi historia termina del otro lado de la isla, donde los naranjales se encuentran con el río Luján, donde los camalotes se enganchan en el recodo de la orilla. Ahí me recogió Roberta y me arrastó por el yuyal y el colchón de naranjas caídas, me cargó por la escalera de troncos hasta la casilla y me dejó en su catre, como si hubiera pescado un hombre.

Trecho de Antuca, de Raúl Castro.

12 de maio de 2007

O norte-americano John Cheever é um bom romancista. Meio indeciso, suas narrativas longas parecem não se resolver muito bem. Mas seus contos são brilhantes.

Ainda há uma grande indecisão a respeito da capa de meu romance. Pretendo inserir uma pintura de um alemão, mas ele morreu em 1976. Alguém sabe sobre direitos autorais de reprodução de pinturas? Neste caso quem detém os direitos autorais é o dono da obra (a galeria que a comprou, o colecionador) ou o autor?

2 de maio de 2007

Uma dica de leitura aí para a volta do feriadão: O livro das provas, do irlandês John Banville. Em inglês: The book of evidence. A tradução foi lançada pela Record e não faço idéia da edição em que está atualmente. A personagem principal, Frederick, parece uma mistura de Raskólnikov e Mersault, alguns trechos parecem uma tradução mais ou menos de Crime e Castigo, mas no final acaba convencendo. É aquela literatura requentada e eficiente.

30 de abril de 2007

Banda POSTHUMAN TANTRA, de Edgar Franco, lança CD na Suíça

O Álbum e sua Produção.

"Neocortex Plug-in", primeiro álbum do POSTHUMAN TANTRA, projeto musical no estilo"Sci-Fi Ambient Industrial" criado pelo artista multimídia Edgar Franco, acaba de ser lançado na Suíça pela gravadora Legatus Records. O POSTHUMAN TANTRA já havia lançado uma demo e participado de coletâneas na Itália, Austrália e Brasil, além de ter produzido em parceria com a lendária banda francesa de death ambient "Melek-Tha" os álbuns "Kelemath Trilogy" & "Asylum of Slaves", lançados na França. Com a boa recepção desses trabalhos o projeto assinou contrato com a Legatus Records para o lançamento de seu debut, tornando-se uma das primeiras bandas brasileiras do gênero ambient/industrial a assinarem contrato com um selo europeu."Neocortex Plug-in" é o primeiro full-lenght do POSTHUMAN TANTRA e conta com uma produção excelente tendo sido masterizado na Suíça no renomado estúdio BWS, onde já foram masterizados álbuns de bandas como "Lordren", "Rod's'in Molly", "Scush", "Gargula Valzer", "Infinite Dreams", "Black Jade", "Morgat", "Delirium", "Dark Moon" & "Chapter Seven". O álbum conta com participações muito especiais de músicos da cena dark ambient e industrial como Lord Evil do "Melek-Tha", e o músico e renomado escritor cyberpunk japonês Kenji Siratori, além de Mike Vonlanthen da respeitada banda Suiça de EBM "TransZendenZ", entre outros convidados especiais como o quadrinhista autoral brasileiro Gazy Andraus que colobara brevemente nos vocais de uma faixa.

A Faixa multimídia "Game-o-tech 2.0": Nova HQtrônica.

Além das 11 faixas que compõem a parte musical, "Neocortex Plug-in" possui uma faixa multimídia especial, uma HQtrônica (história em quadrinhos eletrônica) que inclui animação e trilha sonora criadas por Edgar Franco - conhecido por seu trabalho como quadrinhista e pesquisador da linguagem dos quadrinhos, tendo lançado revistas em quadrinhos como "Agartha" e "BioCyberDrama", essa última desenvolvida em parceria com Mozart Couto e premiada no troféu "Ângelo Agostini". A faixa multimídia intitulada "Game-o-tech 2.0" traz uma reflexão sobre os caminhos da hibridização genética e de sua possível exploração pelos trustes industriais do futuro.

Os Conceitos Envolvidos na Criação de "Neocortex Plug-in"

A temática de todas as músicas do CD envolve o embate entre os possíveis caminhos da nossa relação com os avanços tecnológicos e a transcendência. O POSTHUMAN TANTRA é o desdobramento musical das pesquisas artísticas em múltiplas mídias de Edgar Franco, doutor em artes pela USP, sua tese de doutorado "Perspectivas Pós-Humanas nas Ciberartes" foi premiada no programa Rumos Pesquisa 2003 do Centro Itaú Cultural em São Paulo. O POSTHUMAN TANTRA sofre forte influência conceitual da obra de artistas visionários que refletem sobre a iminente condição pós-humana, como Orlan, H. R. Giger, Mark Pauline, Natasha Vita-More, Stelarc, Roy Ascott, Diana Domingues, Eduardo Kac, David Cronenberg, e alguns aspectos de movimentos como The Extropy, Transhumanism & Immortalism. Já a visão tecno- transcendentalista é inspirada por pensadores como R.A.W., Terence MacKenna, Buckminster Fuller, Teilhard de Chardin, Aldous Huxley, Madame Blavatsky, John C. Lilly, Tim Leary, Giordano Bruno, John Dee, Gurdjief, A.O.Spare, William Blake, Rupert Sheldrake, Ken Wilber, P.K.Dick, Crowley, Stanislav Grof, entre outros. Musicalmente as principais influencias são "Lustmord", "Melek-Tha", "Napalmed", "Mental Destruction", "Stalaggh", "Brighter Death Now", "Antimatter", "Merzbow", "Manes", "Bad Sector", "Current 23", "Loop B","A Irmandade", "Each Second", "SMES", "Midnight Syndicate", "All Scars Orchestra","Seven Pines", "Thy Veils", "Ulver", "Agaloch", "Aesthetic Meat Front", "Beyond Sensory Experience","Tangerine Dream", "Pink Floyd", "Coph Nia, entre outros.

"Neocortex Plug-in" Tracklist:
01. The Omega Neocortex
02. Visions From The Abyssal Neurogenetic Circuit
03. Glorification Of Our Nanotechpain
04. Downloading My Universal Conscience By Cyber Pulmonary's Pranayama
05. Biotech Antenna To Receive Morfic Resonances From The Mu Continent
06. The Biocybershamans' Cosmic Vortex Cult
07. My Eternal Avatar
08. Revelations Of The Absinthe Simulator's Nanochip
09. Hymn In Praise Of The new Hyper Conscience Receptacles - The Flesh Rottens And Disappears, Image And Memory Still Remain
10. Insonho
11. The Immortalists' New Horizon 12. Game-o-Tech 2.0 – multimedia track.

Duas faixas muito diferentes que estão no álbum e o conceito que as engendra:

“Glorification of our Nanotechpain” (“A Glorificação de Nossa Dor Nanotecnológica”) – é uma faixa densa e obscura que trata das ameaças de uma possibilidade tecnológica racionalista: a criação de nanorobôs que inicialmente foram gerados para erradicação de doenças, mas depois passaram a ser produzidos em larga escala de forma clandestina para inocular novas doenças e fazer uma poderosíssima industria farmacêutica do futuro lucrar com a venda de “nanorobôs antídoto”, ou seja, trata da alta tecnologia aliada ao velho egoísmo humano. É um dos possíveis caminhos, o obscuro continuísmo egocêntrico e auto centrado, espero que não o trilhemos!

“Visions from the Abyssal Neurogenetic Circuit” (“Visões do Abissal Circuito Neurogenético”) – Essa faixa trata das possibilidades de transe através de realidades virtuais computacionais, transes tecnológicos semelhantes aos dos alucinógenos, mas sem mudança sintética da química do cérebro. Transes que poderão fazer com que alcancemos as verdades universais através de nosso circuito neurogenético (presente no DNA). Trata da possível descoberta da consciência cósmica com auxílio da tecnologia. É inspirada nas reflexões de Roy Ascott & Robert Anton Wilson. É um dos caminhos possíveis que espero trilharmos.

19 de abril de 2007

O escritor diz assim, que não vale a pena escrever, que é melhor não lançar nenhum livro, mas a maioria comete a imprudência: aos trinta já somam seis, sete obras publicadas.

"Todo escritor acredita na valia do que escreve.
Si mostra é por vaidade. Si não mostra é por
vaidade também.

Não fujo do ridículo. Tenho companheiros
ilustres.

O ridículo é muitas vezes subjetivo. Independe
do maior ou menor alvo de quem o sofre.
Criamo-lo para vestir com ele quem fere nosso
orgulho, ignorância, esterilidade."

Os versos são do Mário de Andrade, retirados de "Artista".

14 de abril de 2007

No último verão daquele ano ocupávamos uma casa numa aldeia, de onde, além do rio e da planície, víamos as montanhas. O leito do rio era de pedregulho, com grandes pedrouços emergentes, que ao sol apareciam secos e esbranquiçados, a água muito límpida corria azul nos pontos mais fundos.
As tropas de passagem pela estrada erguiam pó e o pó acamava-se sobre as fôlhas. Também o tronco das árvores vivia empoado. As fôlhas caíram cedo naquele ano. Víamos as tropas em marcha pela estrada sempre envolvidas numa nuvem de pó; e víamos as fôlhas caírem ao sôpro do vento; e depois que os soldados passavam, a estrada estendia-se deserta e branca, só pintalgada das fôlhas sêcas.

Hemingway por Monteiro Lobato. A edição que tenho é de 1961, "Adeus às armas", por isso a grafia um pouco diferente. Como é possível, com uma tradução tão absurda e malfeita, imaginar Ernest como um dos maiores escritores norte-americanos?
In the late summer of that year we lived in a house in a village that
looked across the river and the plain to the mountains. In the bed of the river
there were pebbles and boulders, dry and white in the sun, and the water was
clear and swiftly moving and blue in the channels. Troops went by the house and
down the road and the dust they raised powdered the leaves of the trees. The
trunks of the trees too were dusty and the leaves fell early that year and we
saw the troops marching along the road and the dust rising and leaves, stirred
by the breeze, falling and the soldiers marching and afterward the road bare and
white except for the leaves.

Primeiro parágrafo do livro "A farewell to arms", de Ernest Hemingway.

31 de março de 2007

VII

Aqui fiam as coisas.
O relógio
na nuca do silêncio.
Dois chinelos
confusos no tapete.
O corpo que habitei
junto ao sossego.
Suas ancas de tempo.

Aqui fiam as noites
e elas tecem
a humana residência
ou resistência.

Mas nós fiamos utdo
o que nos fiam
e tudo o que nos tiram.

Onde o amor
só de criar, nos cria.

Carlos Nejar. Trecho da poesia "Aqui ficam as coisas".

29 de março de 2007

Cena

Segura minha mão como quem encontra o fio-condutor para a alma. Os dedos naquele acarinhar os dedos do outro, sabe? Tez friccionada em vontades, e o desnudar-se de quase todas as máscaras. A boca entreaberta de tanto que a palavra tenta escapar, querendo como efeito da intensidade a captura da voz, só para desfiar a canção preferida. E os lábios, vias separadas pela palavra rebelada, e que decidiu valsar com a mudez só para contrariar o desejo que chega vendaval.
E sua língua invade meu universo de carências desditas, galgando o gosto do beijo prometido há tanto e que chega em tempo; e que suas mãos escorregaram pelo meu corpo, mantendo-me como se fossem a rede de segurança que evitará a queda provocada pelo bambear das pernas, depois de goles de torpor.
No meu dentro, ecoam frases ora tolas ora catárticas. “Devora-me aos poucos para saborear, em parceria, as sensações. Devora-me como a um gosto que não é alimento. É o ar. Respire-me, então”.
Meu amor esperado, aguardado no desconserto da solidão, disse-me que sou quem ele busca em todas as perfeições desmacaradas. Quer de mim o mapa da alma. Quer de mim o conforto da companhia. E refestela sua carne na minha. E ancas contorcendo-se em busca da trilha que dê no prazer desmedido. Pernas num entrelace de tecelão talentoso em criar complexidades. Meu amor também é amante dos vôos rasantes. Ele tira férias de estorvos, zombarias, intolerâncias. E sorri delicadezas.
Nossa canção geme em prosa e se descompassa em poesia. E meu amor esperado, aguardado no mistério da solidão, sussurrou no meu ouvido uma palavra em fascínio que ecoou a eternidade. Gritou silêncios dentro de mim. Versou afagos nos meus cabelos.

Carla Dias.

25 de março de 2007

Não sei lá muita coisa sobre o Oscar, mas gostei de um filme: O labirinto de Fauno.

Como muita gente me escreveu pedindo o trecho original do romance de Evelyn Waugh, reproduzo-o abaixo. Respondendo ainda: o livro foi publicado em 1945 pela Chapman & Hall. Mais tarde os direitos foram adquiridos pela gigantesca Penguin Books.


To be married, soon and splendidly, was the aim of all her friends. If she looked
further than the wedding, it was to see marriage as the beginning of individual
existence; the skirmish where one gained one's spurs, from which one set out on the true quests of life.
She outshone by far all the girls of her age, but she knew that, in that little world
within a world which she inhabited, there were certain grave disabilities from which she suffered. On the sofas against the wall where the old people counted up the points, there were things against her. There was the scandal of her father; that slight, inherited stain upon her brightness that seemed deepened by something in her own way of life - waywardness and wilfulness, a less disciplined habit than most of her contemporaries; but for that, who knows?...

Trecho de BRIDESHEAD REVISITED - THE SACRED AND PROFANE MEMORIES
OF CAPTAIN CHARLES RYDER, de Evelyn Waugh.

24 de março de 2007

Casar-se o quanto antes, e de modo esplêndido, constituía a meta de todas as suas amigas. Se olhava para o além das núpcias, era para ver o casamento como o começo da existência individual; a escaramuça em que se fazia o batismo de fogo, de onde se partia para a verdadeira busca da vida.
Ofuscava todas as garotas de sua idade, mas sabia que, no pequeno mundo dentro de outro pequeno mundo em que vivia, sofria de algumas graves limitações. Nos sofás em que os velhos faziam a contagem de pontos, havia coisas que iam contra ela. Habia o escândalo de seu pai; o brilho de Júlia era deslustrado por aquela manchinha herdada, que parecia ser realçada por algo em seu próprio modo de vida - a inconstância e a teimosia, um jeito menos disciplinado que o da maioria de suas contemporâneas; se não fosse isso, quem sabe?...

Trecho do romance Memórias de Brideshead, de Evelyn Waugh, em tradução de M. Alice Azevedo.

17 de março de 2007

14 de março de 2007

Não posso fazer Geraldo Viramundo virar homem sem antes falar no rio. Só quem passou a infância junto a um rio pode saber o que o rio significava para ele. Eu, como não passei a minha, não posso saber.

Trecho de O grande mentecapto, de Fernando Sabino.

8 de março de 2007

XV Do mau estilo

Todo o bem, todo o mal que eles te dizem, nada
Seria, se soubessem expressá-lo...
O ataque de uma borboleta agrada
Mais que todos os beijos de um cavalo.

Mario Quintana em "O espelho mágico".

25 de fevereiro de 2007

Meu querido amigo e conterrâneo Edgar Franco em uma entrevista para a Rádio Alliance Of Thorns, em que fala sobre seu novo disco, que será lançado pela Legatus Records, selo suíço.

Em tempo: ontem saiu uma matéria minha no jornal Estado de Minas.

22 de fevereiro de 2007

Escrevi mais duas resenhas para o Leialivro. Estão em "Resenhas -> Não-ficção". E como o projeto pretende atingir leitores de todos os tipos, em breve escreverei sobre Mário Quintana.

21 de fevereiro de 2007

entre molduras
tua forma fareja poeiras do invisível
no espaço da tela farpas do mim pontilham
matizes de vermelho
(pigmentos do desassossego)
desconstruo teu esqueleto
lambo as pontinhas dos falanges
e faço emergir outro retrato.

Aguinaldo Gonçalves, no livro "in abysmus", lançado em 2006 pela Nankin.

11 de fevereiro de 2007

"(...) quando voltar para casa, gostaria de ter sempre que necessário essa capacidade para a exigência e a ira - para gritar com o energúmeno de um vendedor que se nega a devolver-me o dinheiro que pagueipor um rádio que jamais funcionou, ou com o carpinteiro que instalou com três meses de atraso uma janela que nem fecha direito. Na realidade, é um estereótipo absurdo achar que os chineses sejam uma gente impenetrável, da qual nunca se sabe o que está pensando. Somos nós, os ocidentais, os que vivem atrás de uma fachada de cortesia em que se encerram nossas emoções; somos nós os impassíveis que consideram falta de educação esbravejar e pegar no pé."

Trecho de "China para hipocondríacos", livro do espanhol José Ovejero.

8 de fevereiro de 2007

Italiano

A luz verde dos meus olhos, lanterna
inusitada
se arrasta, agitada, pelo chão molhado.
O que estou procurando?
Um italiano tatuado
estaria ele caído no chão, fulminado
pelas balas disparadas
de festim
quando eu disse sim?


Greta Benitez, no livro Café Expresso Blackbird, lançado em 2006 pela Landy Editora.

24 de janeiro de 2007

Ana jamais experimentou qualquer sentimento natural de amor pelas crianças, como amava gatos, cães e uma patroa volumosa. Jamais chegou a gostar profundamente de Edgar nem de Jane Wadsmith. Preferia, naturalmente, o menino, pois os meninos gostam sempre mais que se cuide deles, que se zele pelo seu bem-estar e que se lhes dê bastante comida, enquanto que, em Jane, ela tinha de haver-se com o que esta possuía de feminino, a oposição sutil que tão cedo sempre se manifesta na natureza de uma menina.

Trecho de Três Vidas, de Gertrude Stein, em tradução de Brenno Silveira e José Paulo Paes.

7 de janeiro de 2007

O escritor Luiz Vilela, meu amigo e conterrâneo, lançou no final de 2006 um livro novo pela Record (que relançará toda a sua obra até 2008): trata-se da novela Bóris e Dóris. Eu já li a obra e em breve escreverei uma resenha sobre ela.

3 de janeiro de 2007