14 de novembro de 2011

O sol nas feridas



Ronaldo Cagiano retorna com tudo à poesia. E volta mais irônico, mais cáustico, o que pode ser percebido por meio dos temas, alguns deles trabalhados pela primeira vez pelo poeta. A força da linguagem permanece, o lirismo e as homenagens também estão lá. Mas Cagiano parece ter abandonado aquele trato quase contido com as situações, aquele pisar em ovos dos livros anteriores, para escancarar a sua visão das coisas, o que foi extremamente positivo para sua literatura. Ouso até afirmar que os seus versos ficaram mais amargos. Vejam um exemplo no poema "Onde estava Deus,"

Onde estava Deus,

quando Hitler avançou 
com seus coturnos, suas bombas
seus campos de concentração
sobre toda a humanidade?

Em outro poema, "Ad nauseam", ainda sobre o mesmo tema das religiões:

Quando alguém vem falar de Deus
dou-lhe as costas
e abro um livro.

Mas não é somente denúncia, é também recordação. A sua Cataguases, sempre mítica e inalcançável em sua pequenas de província também está neste livro:

Quando nasci, uma parteira,
dessas que nos inauguram
na febre dos dias, disse:
Vai, menino! ser alguém no mundo,
e saia de Cataguases
para não ficares menor que ela.

Ao falar de si, de suas provações, de suas dores, Cagiano é mais incisivo, como no poema "Despedida":

No agosto em que meu pai morreu
a vida tornou-se uma pátria incompreensível
e o mundo um albergue de inverdades.

No leito em que dormitavam com ele
todas suas dores e
                           falhavam as energias
eu depositava décadas de silêncios
                           e olhares mudos.

Aquele que encarar os mais de sessenta poemas pode ter certeza de que não sairá impune da empreitada. "O sol nas feridas" é para corajosos, para esses leitores cada vez mais raros.