18 de janeiro de 2010

Ninguém me verá chorar



Quem me sugeriu a leitura deste livro foi o poeta e amigo Osvaldo Rodrigues. Se você desejar ver o sujeito em ação, é só clicar aqui. Primeiro a autora: Cristina Rivera Garza - mexicana, nascida em 1964, estudiosa da história de seu país. Sua tese de doutorado, defendida na Universidade de Houston, tem como título "The masters of the streets. Bodies, power and modernity in Mexico, 1876 - 1930, em que trata do mundo das ruas, do manicômio e outras instituições de controle social no México porfiriano e na alvorada da pós-revolução. Boa parte deste seu romance "Ninguém me verá chorar" trata deste assunto.
Um dos méritos de Cristina é não misturar o estilo do ensaio com as regras da ficção. Seu livro é, definitivamente, uma obra de ficção. Claro que os dados históricos, que servem de pano de fundo para sua trama, são precisos, mas envoltos por um estilo discreto e elegante, em que são deixados de lado o sentimentalismo e a saída fácil, em detrimento daquilo que deseja narrar.
A epígrafe dá uma dica do que o leitor encontrará nas páginas da obra:
"Esta paciente apresenta bom comportamento. Gosta de trabalhar, é dedicada e tem bom caráter. A paciente fala muito, este é seu distúrbio." (Estudo psicopatológico da paciente Matilda Burgos, do pavilhão das tranquilas, primeira parte).
A pesquisadora, ao se deparar com este documento, resolve criar uma explicação para a estadia de Matilda Burgos no sanatório. E se sai muito bem. Como Cristina Rivera quer contar uma história de amor, será o amor - seja a uma mulher, ao país, ao caos - a danação de todas as personagens da obra. É época de revolução, um período em que tudo é possível e a desgraça inevitável. Apaixonar-se nestes tempos é arriscado e Matilda não teme os riscos. Quando se torna prostituta, é sem remorso que assume a função, é com um sentimento de inevitabilidade e de reverência a uma força maior, a necessidade. Cristina consegue se isolar, deixa com que todos sigam seu destino de tragédias, o que é raro. Ela procura e quase sempre consegue não interferir nas ações das personagens. É um mérito e tanto.

Trecho:


Há certas coisas em Matilda que o divertem. Seu nervosismo, sobretudo. O ruído de sua saia quando passa perto dele. A maneira com que seu olhar se perde por motivos desconhecidos a ele. O que ela vê? Como? Com o passar dos dias, acostuma-se às suas mudanças de humor, às marés súbitas de sua energia: os dias exaltados, seguidos rapidamente por dias tristonhos. Há horas em que Matilda é incapaz de permanecer sentada sem fazer nada. Presa de uma atividade febril, limpa o chão, remenda cortinas ou se põe a ensaiar passos de dança ditados por sua imaginação. Fala sem parar e as palavras se atropelam por trás dos dentes. Ri às gargahadas. Em seguida, sem aviso, sem motivo aparente, á dias inteiros que não muda de posição. Joaquín a alimenta, lava de vez em quando sua roupa e esquenta a água para o chá ou café. Somente ele vai à cidade. Pouco a pouco, dentro do silêncio da casa sem móveis, ele está se tornando o marido da baunilha.


Ninguém me verá chorando (Nadie me verá llorar), Cristina Rivera Garza. Editora Francis, 2005. Tradução de Ledusha B. A. Spinardi. 264 páginas.