28 de dezembro de 2006

Meu romance "As espirais de outubro" sairá ano que vem (previsão para lançamento em julho) pela Nankin Editorial. A obra foi premiada pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, que financiará sua edição e divulgação.

27 de dezembro de 2006

Hoje foi ao ar no programa Entrelinhas, da TV Cultura, um pequeno texto meu sobre o livro Nhô Guimarães, de Aleilton Fonseca. Próximo domingo, último dia do ano, rola repetição, 13 h.

7 de dezembro de 2006

Erguia do chão a parte da pessoa que se chama pé, sempre tão esquecida, prendia-a com a ajuda do salto a um dos travessões do tamborete que girava com sua pessoa e tudo como um satélite diante do bar e, jogando-se para trás sobre a barra do mostrador, horizonte infinito manuseado e remanuseado por infinitas mãos de bêbados, ensaiava uns franzidos de riso com os lábios exibindo os dentes amarelos, desiguais, passeava o olhar pelas gargantas dos outros bebedores, que gana tinha de os enforcar, e enquanto o barman lhe servia uísque e cerveja, aumentando a dose de uísque em proporções geométricas e a de cerveja em proporções aritméticas, descarregava um murro no testo sem cornos de seus joelhos.

Início do romance Week-end na guatemala, de Miguel Ángel Astúrias, tradução de Antonieta Dias de Morais.

27 de novembro de 2006

Agora está tudo certo: no início de 2007 será publicado meu primeiro romance, As espirais de outubro.

26 de novembro de 2006

En dépit du froid glacial

En dépit du froid glacial qui, à tes débuts, t'a traversé, et bien avant ce qui survint, tu n'étais qu'un feu inventé par le feu, détroussé par le temps, et qui, au mieux, périrait faute de feu renouvelé, sinon de la fièvre des cendres inhalées.

Apesar do frio glacial

Apesar do frio glacial que em tua estréia te varou, bem antes do que sobreveio, só eras um fogo inventado pelo fogo, revirado pelo tempo, que pereceria, quando muito, falha de fogo renovado, ou da febre das cinzas inaladas.

Original em francês de René Char. Tradução para o português de Augusto Contador Borges.

18 de novembro de 2006

Hoje foi publicada no Jornal do Brasil, caderno Idéias, uma matéria que fiz sobre o livro Nhô Guimarães, de Aleilton Fonseca. Não vou inserir o link aqui porque o jornal não pode ser acessado mais por não-assinantes. No Rascunho de novembro foi publicada uma resenha que fiz sobre o livro de Alonso Cueto, A hora azul.
Fiquei maravilhado com um bate-papo, do qual participei em São Carlos na noite de quinta-feira passada, com alunos de um curso preparatório para o vestibular, ministrado por profissionais bem competentes (entre eles está a minha ex-colega do curso de Letras na UFSCar, a Lara) para alunos de baixa a baixíssima renda. Várias conclusões: sim, eles querem ler sim. E como! Depois todos têm uma capacidade de interpretação que me deixou boquiaberto. Por fim: o livro no Brasil é muito caro. Não precisam vir com desculpas, é caríssimo sim. Sempre fui muito bom em matemática.

30 de outubro de 2006

A cultura dita elevada não se tem mostrado muito mais aberta ao sistema. A reputação do filósofo alemão Martin Heidegger foi profundamente prejudicada pelo breve apoio explícito ao nazismo, um entusiasmo que se desenvolveu antes de Hitler ter cometido suas maiores atrocidades. Por outro lado, a reputação do filósofo francês Jean-paul Sartre não sofreu nada com o vigoroso apoio ao stanilismo durante todos os anos do pós-guerra, quando provas abundantes das atrocidades de Stalin estavam disponíveis para qualquer interessado.

Trecho de Gulag.
Por certo, tampouco é coincidência que os primeiros campos soviéticos tenham sido estabelecidos imediatamente após a sangrenta, violenta e caótica Revolução Russa. No decorrer da Revolução, do terror imposto depois dela e da subseqüente Guerra Civil, pareceu a muitos na Rússia que a própria civilização fora destruída de modo permanente. "Sentenças de morte eram impostas arbitrariamente", escreveu o historiador Richard Pipes, "pessoas eram fuziladas sem motivo ou soltas de modo igualmente imprevisível." A partir de 1917, todo o conjunto de valores de uma sociedade ficou de pernas para o ar: a riqueza e a experiência acumuladas durante uma vida inteira se tornavam uma desvantagem, o roubo era glamorizado como "nacionalização", o assassínio virava parte aceite da luta em prol da ditadura do proletariado. O aprisionamento inicial de milhares de pessoas por Lenin, simplesmente porque tinham riqueza ou títulos aristocráticos, nem chegava a parecer estranho ou despropositado.

Trecho de Gulag, de Anne Applebaum.

30 de setembro de 2006

A Editora Objetiva lançou neste setembro um grande romance: A hora azul. O autor é o peruano Alonso Cueto.

20 de setembro de 2006

But a year after swapping boudoirs for book signings, she has sold more than 140,000 copies in Brazil - a vast number in a country obsessed by soap opera, where publishing companies generally struggle to shift a tenth of that.

Trecho da matéria publicada no jornal "The Guardian", dia 17 de setembro, sobre a nossa ilustre escritora Bruna Surfistinha. Paulo Coelho que se cuide...

Um ano após trocar os quartos pelas salas de autógrafos, ela vendeu mais de 140 mil livros no Brasil - um número significativo para um país obcecado pelas telenovelas, onde as editoras se esforçam para vender um décimo desse número.


Peraí. Um décimo? Esses caras estão por fora. Quem aqui neste país tropical, abençoado por Deus, vende quatorze mil cópias? Quem vende mil? Quem vende seiscentas? E sequer estou falando de LITERATURA... Eu tenho CINCO dedos. Quem dá mais?
Em breve minha estréia nas páginas do Leia Livro.

19 de setembro de 2006

Logo enfim vou estar bem morto apesar de tudo. Talvez mês que vem. Vai ser abril ou maio. O ano ainda é uma criança, mil sinaizinhos me dizem. Quem sabe esteja errado, quem sabe consigo chegar até o dia da festa de São João Batista ou até mesmo o quatorze de julho, festa da liberdade. Qual o quê, sou bem capaz de durar até a Transfiguração, me conheço bem, ou até a Assunção. Mas não acredito, não acho que estou errado em dizer que estas festas vão ter que passar sem mim, este ano.

Primeiro parágrafo de Malone Morre, Samuel Beckett, em tradução de Paulo Leminski.

18 de setembro de 2006

Luiz Vilela me disse que era motivo de orgulho para ele o fato de que seus livros não podem ser encontrados com facilidade em sebos. Isso faz tempo. Ele vê o lado profissional da coisa, claro. Sobrevive graças à venda de suas obras e o livro de segunda mão já não lhe rende um centavo. Eu não escrevo profissionalmente. Nem quando me pedem. Então fiquei contente quando encontrei dois de meus livros na Estante Virtual. É o ciclo dos livros. Quando morrer, espero encontrar meu paraíso neste céu: um sebo gigante, monstruoso, infinito. Ah, e vários livros do Luiz podem ser encontrados na Estante.

17 de setembro de 2006

(...) Fiquei pensando, agora de propósito, em Gertrudis; a querida Gertrudis de pernas longas; a Gertrudis com uma velha cicatriz esbranquiçada no ventre; a Gertrudis calada de olhos pestanejantes, que às vezes engolia a raiva feito saliva; a Gertrudis com uma roseta de ouro no peitilhodos vestidos de festa; Gertrudis, conhecida de cor.
Quando a voz da mulher ressurgiu pensei na tarefa de encarar sem mágoa a nova cicatriz que Gertrudis iria ter no peito, redonda e complicada, com nervuras de um rubro ou de um rosa que o tempo talvez viesse a transformar numa trama pálida, da cor daquela outra, tênue e sem relevo, ágil como um assinatura, que Gertrudis tinha no ventre e que eu reconhecera tantas vezes com a ponta da língua.


Trecho do romance A vida breve, de Juan Carlos Onetti, em tradução de Josely Vianna Baptista.

8 de setembro de 2006

Digo aos meus alunos para se tornarem curiosos. Questionar tudo, eis. Então que, durante a tarde de hoje, perguntei a um amigo se ele sabia a origem da disposição das teclas nas máquinas de escrever (o teclado do computador apenas seguiu o consagrado layout). Isto é, por que qwertyuiop, asdfghjkl e zxcvbnm? A resposta mais interessante achei neste site.
E também um pouco de Saul Bellow: “Assim sendo, aquelas manchas que se encontravam no interior da substância de cada um sempre pontilhariam de reflexos tudo o que o homem procura e tudo o que o circunda.”
O último parágrafo é um trecho de “O planeta do Sr. Sammler” (Mr. Sammler's Planet), em tradução de Denise Vreuls.
Depois a maldita curiosidade me fez procurar a Denise no Google...

4 de setembro de 2006

22 de agosto de 2006

The stars are not wanted now: put out every one;
Pack up the moon and dismantle the sun;
Pour away the ocean and sweep up the wood,
For nothing now can ever come to any good.

W. H. Auden, trecho de Funeral Blues.

21 de agosto de 2006

Free Zone é um filme de 2005, dirigido por Amos Gitai, o famoso diretor israelense, que em 2004 filmou Bem-vindo a São Paulo. A película (Free Zone) não foi bem aceita pela crítica. Já presumi isso ao assistir à cena inicial: um close de Natalie Portman chorando durante quase oito minutos enquanto ao fundo a música Had Gadia, cantada por Chava Alberstain vai nos dando uma sensação de desespero. Had Gadia era cantada por nossos pais quando crianças: a velha história do pau que mata o cachorro que comeu o gato que comeu a ovelha que meu pai comprou por uns trocados. Apesar da presença de Portman, uma atriz medíocre, o filme é muito bom. As atrizes Hana Laszlo e Hiam Abbass estão estupendas e a câmera de mão em longuíssimos planos-seqüência retrata muito bem o caos no oriente médio.

18 de agosto de 2006

Le livre de la vie est le livre suprême
Qu'on ne peut ni fermer, ni rouvrir à son choix;
Le passage attachant ne s'y lit pas deux fois,
Mais le feuillet faltal se tourne de lui-même;
On voudrait revenir à la page où l'on aime,
Et la page où l'on meurt est déjà sous vos doigts.

Alphonse de Lamartine

7 de agosto de 2006

Havia lido há uns bons anos O complexo de Portnoy, do norte-americano Philip Roth. Na época tinha gostado bastante, mas foi só. Esta semana resolvi retomar a literatura de Roth e conheci O professor de desejo, Pastoral americana e Patrimônio. Encontrei os três em um sebo a um bom preço. Por enquanto basta. Daqui a alguns anos talvez volte a ler Philip Roth. Mas o que desejo escrever é que me impressiona essa capacidade dos escritores norte-americanos de fazerem, como é que diz o clichê?, é..., laboratório. Isso, laboratório. Quem lê Pastoral americana jura que o talentoso romancista é um expert em couros... Quer dizer, isso é que é realmente um bom escritor: alguém capaz de mascarar um conhecimento adquirido superficialmente e por necessidade. Já perdi a conta dos romances que li em que uma pesquisa malfeita e uma narrativa do tipo Ctrl + c Ctrl + v põem tudo, mas tudo mesmo, a perder. O que não me agrada é a semelhança entre John Updike e Philip Roth.

27 de julho de 2006

Abaixo o primeiro parágrafo do texto da orelha do livro de José Saramago, Memorial do Convento, em sua 14a. edição pela Bertrand Brasil:

Diz-se que o português Pedro Álvaro Cabral descobriu o Brasil no ano de 1500. A gente vai acreditando porque nesta altura dá muito trabalho impugnar. Mas fica aquela dúvida: O Brasil estava perdido? (Os piadistas poderão dizer que estava.) Se fomos mesmo descobertos por portugueses, quando é que nós brasileiros vamos retribuir a gentileza descobrindo Portugal? Porque a verdade chocante é que para os brasileiros de hoje Portugal é tão ignoto como eram estas terras para os europeus até fins do século XV.

Trecho de "Para descobrir Portugal", de José J. Veiga.

22 de julho de 2006

Também fazemos números de circo sabe, daqueles números de transmissão de pensamento, magias e outros mistérios. Curioso, diz Vicente, pensei que fossem mais sérios, mais do tipo religioso. Não há diferença diz Valentim-Valdemar, religião e circo têm estado muito iguais. Nos últimos anos, sim, não só, já de há muitos anos, as pessoas esperam maravilhas fáceis de um lado e do outro, esperam uma leve suspeita de que existem outras realidades sem terem de se incomodar a aprofundar o assunto, esperam que tudo se resolva, que as pontes salvadoras sejam estabelecidas, que os tributos sejam pagos, com aplausos e esmolas. Compram o bilhete para, um dia, irem para um céu qualquer. Como quem vai ao circo, entendo, diz Vicente, e no circo, além dos seus prodígios, o senhor discursa? O menos possível, demonstro o mais que posso porque a palavra está muito gasta, tão desvalorizada quanto o dinheiro, os políticos inflacionaram tudo, as pessoas não conseguem aproveitar mais do que uma ou duas palavras numa frase de vinte ou trinta, é um valor muito baixo, quero dizer, muita palavra para pouco aproveitamento.

Trecho de "O chão salgado", de Maria Isabel Barreno.

11 de julho de 2006

O Sr. Finkelstein estava caminhando para a trilha de cascalho quando apareceu um velho de barba encaracolada. Ele sabia que o velho era um dos que viviam de rezar para os visitantes das sepulturas. O Sr. Finkelstein não gostava daqueles tipos, do mesmo modo que não gostava de nada que fosse formal e hipócrita. O homem estava todo de preto e encontrou Finkelstein quando ele passou por uma sepultura para pegar o caminho de cascalho. Perguntou se não podia fazer uma prece pela pessoa que o Sr. Finkelstein estava visitando.
- Não, obrigado, não precisa - disse o Sr. Finkelstein.
Parecia que o velho estivera observando o Sr. Finkelstein, já que apontou para o túmulo do pai dele e disse: - O senhor não deixou nada.
O Sr. Finkelstein olhou para a lápide e lembrou que deveria ter colocado uma pedrinha na sepultura para mostrar que tinha passado ali e feito suas homenagens. Nas outras lápides havia pedras de todos os tamanhos, como cartões telefônicos que resistem até a chuvas. Virou-se para o velho e disse em ídiche: - Ser ele me viu, sabe que estive aqui. Se não me viu, também não vai ver uma pedra.


Trecho de Focus, de Arthur Miller. Tradução de Beatriz Horta.

8 de julho de 2006

(...) o destino está a dar-me uma morte harmoniosa, com todas as coisas no seu lugar. Estou com a consciência da minha morte mas não tenho aquelas dores e aquelas agonias de que tanto ouvimos falar. Sabes, há uma luz que desponta e vejo que o sentido estético que dei à minha vida é talvez uma forma de moral que tanto me fez separar das religiões. A verdade é que não me pesa a consciência de ter feito alguma coisa feia. Estou a sentir que fica por cá o corpo, como quem cumpriu já o seu destino, mas aquilo a que chamam a alma está lúcida como nunca e sente que o seu destino não está cumprido. Ninguém sabe o que é isso porque a sua natureza é inexplicável como um mistério, e os mistérios só sabemos que existem mas talvez seja da sua natureza não serem decifrados, por isso eles exigem de nós uma aposta e um risco. É verdade que nunca a procurei mas nunca tive conhecimento de uma religião que claramente reconhecesse essa aposta e, a partir daí, procurasse viver os mistérios. Falam-nos como se tudo fosse evidente. Ora, evidente é o mistério, nunca a sua explicação. Acho que as religiões ligam de mais aos comportamentos e de menos à maneira como nos aproximamos dos mistérios. E talvez seja aí a morada de Deus...


António Alçada Baptista em O tecido do outono.

3 de julho de 2006

Quando há neblina na pequena estrada do nordeste e os passos de alguém, aí, se assemelham a um ruído de pedra em toda a solidão das colinas verdes rasantes ao mar, à tristeza, ao mar outra vez, porque é o mar que aparece permanentemente nos sonhos - o mar e o medo, um medo grandioso como a vida toda que desaparece em cada cadáver que alguém cataloga.

Francisco José Viegas, em As duas águas do mar.

30 de junho de 2006

Às quatro da manhã os espelhos são ainda suficientemente misericordiosos ou opacos para nos não devolverem o rosto amarrotado e encolhido das noites sem sono, que os olhos baços animam de desânimo pisco: o excesso de luz do aeroporto impedia-me de me confrontar nos vidros com a minha silhueta hesitante, inclinada como uma cana de pesca para o peixe gordo da mala, com a gravata que as muitas horas de avião haviam decerto desviado da bissectriz dos colarinhos, transformando-a num trapo mole como os relógios de Dali, com as rugas que se acumulavam em torno das pálpebras, à maneira dos vincos concêntricos de areia dos jardins japoneses; entre o homem que voltava sozinho da guerra à sua cidade e caminhava através de cachos de estrangeiros indiferentes, e nós que nos dirigimos para a saída do bar ao longo de um corredor de nucas e perfis cuja monótona diversidade os aproxima dos manequins da Baixa, petrificados em acenos imóveis de uma inutilidade patética, há apenas a diferença insignificante de alguns mortos na picada, cadáveres que você não conheceu, as nucas e os perfis nunca viram, os estrangeiros do aeroporto ignoravam, e que, portanto, são inexistentes, inexistentes, percebe?, inexistentes, inexistentes como a sua ternura por mim, esse rápido sorriso sem afecto que quase não chega a nascer, a mão quieta que aceita com indiferença os meus dedos, a coxa inerte que a minha coxa ansiosamente prime.

Trecho de "Os cus de Judas", de António Lobo Antunes.

21 de junho de 2006

Soter Bentes é o desenhista criador da sensual Múmia e do maluco Franklau. E ele tem um blog.

20 de junho de 2006

Nem só de literatura vive o homem. Recomendo a música de Erik Satie. Gosto muito de 3 morceaux en forme de poire, a 4 mains.

15 de junho de 2006

Achava belo, a essa época, ouvir um poeta dizer que escrevia pela mesma razão por que uma árvore dá frutos. Só bem mais tarde viera a descobrir ser um embuste aquela afetação: que o homem, por força, distinguia-se das árvores, e tinha de saber a razão de seus frutos, cabendo-lhe escolher os que haveria de dar, além de investigar a quem se destinavam, nem sempre oferecendo-os maduros, e sim podres, e até envenenados.

Trecho de Guerra sem testemunhas, de Osman Lins.

12 de junho de 2006

Questão

Acordou de madrugada. Sua mulher e seu filho dormem. Não quis ligar a televisão, tampouco o rádio. A casa está silenciosa. Não há nada para ser feito. Tudo está em ordem. Apenas perdeu o sono. Não sabe o motivo, nem deseja sabê-lo. Talvez assim seja melhor. É bom começar um novo século. A casa paga. O carro na garagem. A geladeira cheia. Nenhuma novidade, nenhum sobressalto. Mas, está tudo bem. Todos estão com saúde. É isso que importa nessa vida. Saber que todos estão bem.

Claudio Eugenio Luz

4 de junho de 2006

O meu nome não. Vivo nas ruas de um tempo onde dar o nome é fornecer suspeita. A quem? Não me queira ingênuo: nome de ninguém não. Me chame como quiser, fui consagrado a João Evangelista, não que meu nome seja João, absolutamente, não sei de quando nasci, nada, mas se quiser o meu nome busque na lembrança o que de mais instável lhe ocorrer. O meu nome de hoje poderá não me reconhecer amanhã. Não soldo portanto à minha cara um nome preciso. João Evangelista diz que as naves do Fim transportarão não identidades mas o único corpo impregnado do Um. Não me pergunte pois idade, estado civil, local de nascimento, filiação, pegadas do passado, nada, passado não, nome também: não. Sexo, o meu sexo sim: o meu sexo está livre de qualquer ofensa, e é com ele-só-ele que abrirei meu caminho entre eu e tu, aqui.

Início do romance "A fúria do corpo", de João Gilberto Noll.

29 de maio de 2006

Como os assuntos são Guimarães Rosa e um conhecido jornal do estado de São Paulo:

Do povoado do Ão, ou dos sítios perto, alguém precisava urgente de querer vir - segunda, quarta e sexta - por escutar a novela do rádio. Ouvia, aprendia-a, guardava na idéia e, retornado ao Ão, no dia seguinte, a repetia aos outros. Mais exato ainda era dizer a continuação ao Fraquilim Meimeio, contador, que floreava e encorpava os capítulos, quanto se quisesse: adiante quase cada pessoa saía recontando, a divulga daquelas estórias do rádio se espraiava, descia a outra aba da serra, ia à beira do rio, e, boca e boca, para o lado de lá do São Francisco se afundava, até em sertões.

Trecho de "Noites do Sertão".

25 de maio de 2006

Em junho, confiram na Revista E, do SESC, um conto inédito meu. A revista é distribuída gratuitamente em qualquer unidade do SESC no estado de São Paulo. Não estou certo se ela chega aos demais estados do país. É a segunda vez que a revista publica meus trabalhos, fato inédito por lá. Aproveito para acrescentar que acredito ser o único autor que publicou dois contos na revista Cult, em épocas diferentes...

20 de maio de 2006

- Que manuel-não-enxerga, Francolim! - e o Major Saulo parou, pensando, com um dedo, enérgico, rodante dentro do nariz; mas, sem mais, se iluminou: - São só quatro léguas: o João Manico, que é o mais leviano, pode ir nele. Há-há... Agora, Francolim, vá-s'embora, que eu já estou com muita preguiça de você.

Trecho do conto "O burrinho pedrês", de João Guimarães Rosa.

10 de maio de 2006

O que acontece na literatura não é muito diferente do que acontece na vida: para onde quer que se volte, depara-se imediatamente com a incorrigível plebe da humanidade, que se encontra por toda parte em legiões, preenchendo todos os espaços e sujando tudo, como as moscas no verão. Eis a razão do número incalculável de livros ruins, essa erva daninha da literatura que tudo invade, que tira o alimento do trigo e o sufoca. De fato, eles arrancam o tempo, dinheiro e atenção do público - coisas que, por direito, pertencem aos bons livros e a seus nobres fins - e são escritos com a única intenção de proporcionar algum lucro ou emprego. Portanto, não são apenas inúteis, mas também positivamente prejudiciais. Nove décimos de toda a nossa literatura atual não possui outro objetivo senão o de extrair alguns táleres do bolso do público: para isso, autores, editores e recenseadores conjuram firmemente.

Trecho de Sobre o ofício do escritor, de Arthur Schopenhauer.

4 de maio de 2006

O desenhista Edgar Franco lançou recentemente outra revista de histórias em quadrinhos, em que continua a desenvolver seus arquétipos. Em seu universo, criaturas híbridas já são realidade. A consciência já pode ser armazenada em discos rígidos, as sensações, os prazeres, a moral, tudo foi alterado. O homem como é hoje não existe mais. Ele precisou evoluir, substituir seu corpo por outro mais eficiente. Tem início a era pós-humana. Quem tiver interesse no trabalho do Edgar, que defende doutorado em breve na USP sobre este assunto, envie mensagem para ele: oidicius@hotmail.com.

28 de abril de 2006

Por la ventana llega el rumor del agua, casi inmóvil, y veo, delicadamente desdibujada, la ribera opuesta, verdosa o azul en la tarde, con las primeras luces titilando en el camino que va a Niza y a Italia.

Início do conto Encrucijada, do livro Historias de amor, de Adolfo Bioy Casares.

27 de abril de 2006

Compreendo perfeitamente que sintas necessidade de repouso e que tenhas vontade de te agarrar de novo aos livros. Santo Deus, ainda tens vontade de reflectir, sempre tiveste necessidade de reflectir em montes de coisas, de olhar e de ver, de anotar medidas, impressões, observações que não sabes como hás-de classificar. Deixa isso por conta dos arquivistas da polícia. Ainda não compreendeste que o mundo do pensamento está lixado e que a filosofia é pior que a bertillonagem. Vocês até me dão vontade de rir com a vossa angústia metafísica, é o cagaço que vos constrange, o medo da vida, o medo dos homens de acção, da acção, da desordem. Mas nem tudo é desordem, pá. São desordem os vegetais, os minerais e os animais; são desordem a multidão das raças humanas; são desordem a vida dos homens, o pensamento, a história, as batalhas, as invenções, o comércio, as artes; são desordem as teorias, as paixões, os sistemas. As coisas sempre se passaram assim. Por que diabo se haviam de lembrar de introduzir ordem nelas? Que ordem? O que é que vocês procuram? Não há verdade alguma. O que há é acção, acção que obedece a um milhão de móbeis diferentes, acção efémera, acção que padece de todas as contingências possíveis e imaginárias, acção antagonista. A vida. A vida é o crime, o roubo, o ciúme, a fome, a mentira, o lixanço, a estupidez, as doenças, os erupções vulcânicas, os tremores de terra, montões de cadáveres. O que é que tu podes fazer, pá? Não me digas que vais começar a pôr livros!...

Trecho de Moravagine.

26 de abril de 2006

A acreditar no que ele dizia, tinha visto, tinha lido, conhecia tudo. Havia exercido todas as profissões, palmilhara o mundo inteiro e tinha amigos por toda a parte. Vivera em todas as cidades e atravessara várias regiões virgens, acompanhando um explorador ou servindo de guia a missões científicas. Conhecia as casas pelo número, as montanhas pela altitude, as crianças pela data de nascimento, os barcos pelo nome, as mulheres pelos amantes, os homens pelos defeitos, os animais pelas qualidades, as plantas pelas virtudes, as estrelas pela influência.

Trecho de Moravagine, romance de Blaise Cendrars, em tradução de Ruy Belo para as Edições Cotovia, Portugal, 1992. Originalmente foi publicado pelas Edições Grasset, em 1926.

25 de abril de 2006

Não que eu achasse que um dos argumentos de meu romance "As espirais de outubro", que editarei ano que vem, fosse inédito. Acho que dificilmente algo pode ser feito hoje que já não foi tentado em alguma outra época. Mas encontrar o tema da espiral em Moravagine foi uma surpresa. O escritor Blaise Cendrars não é muito lido aqui no Brasil. Tenho uma tradução portuguesa do livro, mas queria encontrar uma edição original, em francês. Alguém possui e deseja vender? Deixe recado aqui. Depois postarei alguns trechos deste que é um dos maiores romances em língua francesa.

23 de abril de 2006

Voltar à experiência íntima e direta da literatura, sem o apoio de intermediários, sem manuais de leitura, sem muletas, ou precauções. Regressar à leitura dos grandes livros, retomar a experiência - prazerosa, mas atordoante - do puro prazer de ler. Recuperar o impacto, a desordem íntima, a devastação interior que a leitura de um grande livro sempre provoca. Expor-se: entender que ler é, também, ser lido. Nada se assemelha ao contato silencioso e misterioso, mas intenso, que liga o leitor a um livro. Trata-se de uma experiência íntima, secreta, em que a inteligência e a sensibilidade se expandem, mas também se apequenam. Hoje, infelizmente, a idéia desta colisão com o real, do impacto contido nesta experiência particular, da exposição sem defesas ao calor do texto, parece perdida. As leituras, hoje em dia, ou são técnicas, ou burocráticas, ou didáticas, isso quando não geridas pelos modismos, pelas agências literárias e pelo marketing.

José Castello, em matéria para o jornal Rascunho.

22 de abril de 2006

Meu livro de contos "A cidade devolvida" foi citado na seção "Vitrine brasileira", da Folha de São Paulo de hoje.

9 de abril de 2006

Cansado, e por falta de opção, fui para a entrada da delegacia onde deixei-me ficar observando a rua deserta. Nunca gostei de ver as portas corridas das lojas aos domingos; dão uma sensação ruim, de vazio no estômago. Na rua escura, vi uma poça amarela de luz em frente a um botequim e alguns homens bebiam cerveja. Passavam fiapos de nuvens sobre uma lua cautelosa. Não sei o que pensava, nem há quanto tempo, entretanto uma gargalhada indecente, vinda do interior da delegacia, me fez acordar de uma espécie de devaneio. Há mais de vinte horas fazia plantão. Algumas pessoas despediram-se de mim por estar parado na entrada da delegacia na hora que saíram.

Wilson Rossato, trecho do romance "O tolo precário", lançado em 2004 pela Editora Lamparina.

5 de abril de 2006

Darwinismo social é o termo da moda. Como se Darwin não estivesse ultrapassado e ainda existisse sociedade...

3 de abril de 2006

Infância cada um tem a sua, a questão está em saber guardá-la, uma chance única para todos, eu me engruvinhava como um caramujo até ver passar a tempestade, meu pai exausto, o avô e os bôeres, Andréa com o meu umbigo vogando sobre as ondas, valsas e mais valsas, minha mãe desinteressada como se aquilo não dependesse mais dela, o útero fechado para balanço até o Dia do Juízo, até o dia seguinte pelo menos, quando me descobrisse a um canto com o meu resto de infância. O que valia eram os sonhos, e sobretudo o sonho, Aníbal e as Guerras Púnicas para salvar as aparências, Clara subindo descendo ladeiras no meu corpo sem sequer dar pela minha presença, a fórmula do azoto e a do bário, ou bem era anjo ou bem era pastora, não importa conquanto que seja Clara, a sempre distante, a carne da minha carne: a raiz cúbica e a raiz quadrada, eu é que sei das minhas raízes.

Campos de Carvalho. Trecho retirado do livro "A chuva imóvel".

23 de março de 2006

Irmão, por trás de seus pensamentos e sentimentos se encontra um soberano poderoso, um sábio desconhecido que se chama Eu Mesmo. Vive em seu corpo e é seu corpo.

Trecho de "Assim falou Zaratustra".

21 de março de 2006

Ontem choveu muito em São Paulo. A cidade um caos. O trânsito idem. Talvez por isso o Nelson de Oliveira, o Claudio Willer, o Álvaro Alves de Faria não puderam ir. Aliás, foi muito pouca gente no lançamento de meu livro. Carla Dias, a escritora, por lá. O poeta Arino Peres e sua gentil esposa, a Nicia Ogawa e alguns outros gatos pingados. Dei prejuízo pra FNAC, tenho certeza. Acredito que quem não compareceu ao lançamento ainda tenha tempo de adquirir o livro em alguma loja da FNAC, ou em outras tantas nas quais o livro está sendo vendido. Minha fama de escritor maldito está cada vez mais forte, tenho de puxar mais o saco dos "grandes" contemporâneos, dos noventa. Ou dar um tempo com os lançamentos nos próximos vinte anos...

17 de março de 2006

Inquietações ancestrais

Com 'A cidade devolvida', Whisner Fraga traz novo alento à prosa brasileira

Ronaldo Cagiano

Desde sua estréia com Seres e sombras (1999), seguido pelo premiado Coreografia dos danados (2002), o contista Whisner Fraga vem dando continuidade a um projeto de rastreamento das angústias existenciais. Os contos recentes de A cidade devolvida (Ed. 7Letras, Rio, 104 págs. 2005, R$ 24) chamam a atenção para esse jovem autor, engenheiro e professor, mineiro de Ituiutaba, vivendo atualmente no interior de São Paulo.
Em seu novo trabalho, Fraga aprofunda de maneira radical, tanto nos temas quanto na forma, as inquietações ancestrais, projeções dos desertos interiores de seus personagens. Deparamo-nos com protagonistas vivendo situações-limite, gente que vaga entre as solidões urbanas, os fracassos individuais, a inviabilidade dos relacionamentos desgastados, os dilemas frente às impossibilidades materiais e afetivas ou às insolúveis dores espirituais.
O conto que dá título ao livro, por exemplo, é uma relato pungente de um indivíduo estrangeiro em sua própria geografia, incapaz de localizar-se no seu território físico, porque perdido em seus labirintos psicológicos, sem um fio de Ariadne que o reconduza à realidade. Acuado pela sua própria vida, não dá mais conta de ultrapassar a simples linha divisória que traçou dentro de sua cidade. Tudo perdeu o sentido e ele se torna um estranho no ninho social, um ser que renuncia à sociabilidade e vive, intensamente, seu processo de auto-reclusão no limiar da loucura.
Esses contos metaforizam a própria vida contemporânea, seja na urbis ou nos minúsculos mas vulcânicos escaninhos domésticos, onde ressoam nossas fraquezas. As vísceras expostas da solidão humana, o individualismo, os desajustes sociais, a inadaptabilidade aos fetiches do consumismo, os conflitos familiares e os fracassos coletivos são tratados pelo autor com toda sua carga de tensão.
Há uma verdadeira catarse, na tentativa de exorcizar fantasmas pessoais e soltar o grito submerso de uma geração desiludida, que perdeu seus referenciais humanos e estéticos e não tem mais por que lutar. O vai-e-vem de emoções e desencontros perceptíveis em cada conto retrata uma ambientação claustrofóbica. Mas nem por isso o autor deixa se seduzir por uma linguagem escatológica e, paradoxalmente, traduz os condicionamentos e a secura do caos moderno mitigando a sua confecção literária com a necessária poesia. Não aquela que é fruto de obviedades líricas e concessões sentimentais, mas a que nasce do imprevisível, como uma rosa que brota, solitária, num pântano.
O que reverbera o grito do personagem - ''e a cidade? a cidade? a cidade? confusa geografia a me cuspir'' - é uma denúncia de labirintos reais ou projeções delirantes de um ser deslocado, atmosfera recorrente em quase todos os contos, porque são histórias de inadaptabilidade, isolamento, insularidade, solidão e aspereza.
O autor capta os dramas individuais e coletivos, desnudando as asperezas do cotidiano. E, com isso, cutuca as feridas, dá um soco no estômago e mergulha num universo dialético, o que provoca um susto no leitor e nos instiga a um questionamento sobre a nossa condição.
A linguagem agreste, não linear, entremeada de fragmentos, recortada de alusões e citações, interrompida pelo fluxo de consciência/ monólogo interior, resulta de uma fina artesania e reproduz com fidelidade não só a destreza e a versatilidade narrativa do autor, mas acima de tudo o desmantelamento emocional, o desvario e o deslugar de seus personagens.
Antenado com as emergências de seu tempo e as demandas da literatura atual, Whisner Fraga consolida seu processo criativo e se insere no rol dos autores que trazem um novo alento à prosa brasileira.


Jornal do Brasil, 17 de março de 2006.

15 de março de 2006

Li o seu comentário no Blog do Whisner, e concordo com o que disse a respeito do livro dele. Estou lendo A cidade devolvida; e também Tablados, do Luis Brandão. Se não conhece este último, recomendo. Uma experiência interessante.
Quanto ao tema do Whisner, acho-o fascinante. E percebo que ele, o autor, de certa maneira, simula na linguagem certos volteios labirínticos (como você mesmo percebeu) que parecem conduzir o leitor à confusão, dispersividade. Nisso, uma necessidade de rever roteiros a que se achar. Lembra-me, n'O Céu que nos protege, a idéia que Bowles sugere para se achar dentro de uma cidade: é antes preciso perder-se dentro dela. A partir desse centro vazio, da perda, uma recondução de coordenadas, que construam ordem ao caos, ou, se não ordem, aparatos perceptivos para reconhecer este caos com um olhar familiar (de que fala Ponty, em O Olho e o Espírito). Mas mesmo assim, perigosa e arriscada essa aposta, pois exige um leitor disposto e paciente. Aliás, perigo e risco corre quem se aventura a de fato conhecer uma cidade. O título é interessante também, a cidade é devolvida, como um refluxo de movimentos de expansão e contração cosmopoéticas que acabam devolvendo excessos (via linguagem ou imagens) encarregados por formar o próprio material de que todas as cidades são construídas (ou mesmo destruídas). "

Continuo com a leitura.
Um grande abraço: Assionara Souza

Mensagem da escritora Assionara Souza para a também escritora Carola Saavedra.

9 de março de 2006

Se o senhor tivesse de ir para uma ilha ou passar dois anos no Tibete, teria de levar apenas alguns livros e não a sua biblioteca inteira. Quais livros levaria?

Eu levaria alguns livros do Machado de Assis e do Guimarães Rosa, como literatura brasileira, e como literatura estrangeira eu levaria Proust. Mas isso é uma preferência pessoal e não é exclusiva. A literatura estrangeira é um mundo. É muito difícil de escolher um apenas, mas eu acho que o Proust é um escritor extraordinário, tanto que há, hoje, na literatura do século 20 os proustianos e os joyceanos. Eu comecei a ler o Joyce em francês porque a tradução decodifica muita coisa e ela foi acompanhada pelo Joyce. Depois eu li em inglês e depois em português, na tradução do Houaiss. Mas, até agora pelo menos, não tive a empatia que tive com Proust. Eu li Em Busca do Tempo Perdido cinco vezes com dez anos de intervalo, e cada leitura é diferente e melhor.

José Mindlin, em entrevista à Revista E, do SESC, fevereiro de 2006.

5 de março de 2006

Fui bem tratada, excessivamente bem tratada, como o são as pessoas de quem se tem pena.

Inês Pedrosa em Fazes-me falta.

28 de fevereiro de 2006

I hid my heart in a nest of roses,
Out of the sun's way, hidden apart;
In a softer bed than the soft white snow's is,
Under the roses I hid my heart.
Why would it sleep not? Why should it start,
When never a leaf of rose-tree stirred?
What made sleep flutter his wings and part?
Only the song of a secret bird.


Deitei meu coração em um ninho de rosas,
Longe da luz do sol; num leito o pus então
De mais brilho e maciez que as montanhas nivosas;
Sob as rosas guardei, guardei meu coração.
Donde, pois, donde vem essa palpitação,
Se nem mesmo uma folha estremece no ar quieto?
Quem fez alar-se o sono e voar para a amplidão?
Apenas a canção de um pássaro secreto.


O trecho acima é do poema de Algernon Charles Swinburne (1837-1909), intitulado A ballad of dreamland, a tradução é de Anderson Braga Horta.

27 de fevereiro de 2006

- Leí los cuentos - dice, aspirando el humo.
- Ahá.
- Están muy bien escritos.
- Hm.
Mónica da otra pitada y me mira directamente a lo ojos.
- Pero la verdad es que no sé qué es lo que tienen de especial. Todos los años se publican miles de cuentos como esos. No me parecen para nada originales.

Martin Rejtman, trecho do conto "Literatura", do livro "Literatura y otros cuentos", Ed. Interzona, 2005.

25 de fevereiro de 2006

— Acho muito difícil um autor novo ter espaço num caderno de cultura sem que haja um fator externo, extra-literário, que o ponha no mapa. Pode ser um prêmio, ou um tema quente abordado no livro. Mas o fato é que aqui no Brasil é muito mais raro que um crítico diga que tal autor é realmente bom e a idéia seja encampada pelos cadernos. Lá fora isso é extremamente comum — afirma Luciana Villas-Boas, da Record. — O Amílcar Bettega Barbosa, por exemplo. Ninguém nos cadernos de cultura sabia quem ele era antes de ganhar o prêmio Portugal Telecom no fim do ano passado. Você duvida que o próximo livro dele vá ser olhado com mais atenção pela imprensa especializada agora?

Jornal "O Globo", Caderno "Prosa & verso", 25 de fevereiro de 2006.

18 de fevereiro de 2006

Hacía calor y había moscas. Las flores de las catalpas ensuciaban las baldosas del patio. los hombres con los periódicos, las mujeres con pantallas improvisadas o abanicos, todo el mundo se abanicaba o abanicaba las tortas y sándwiches. La desgraciada de Humberta, lo hacía con una flor, para llamar la atención. Qué aire puede dar, por mucho que se agite, una flor.

Silvina Ocampo (1903-1993), trecho do conto Las fotografías, do livro La Furia, de 1959. Ocampo foi mulher de Adolfo Bioy Casares e conviveu, juntamente com o marido, com Borges. É uma pena que sua literatura seja desconhecida no Brasil. Aliás, é uma pena que conheçamos tão pouco da literatura argentina e que nosso vizinho saiba tão pouco do que se passa em nossas letras.

16 de fevereiro de 2006

Passa Santo Agostinho da sua África à nossa Roma, e pergunta assim: Ubi sunt quos ambiebant civium potentatus? Ubi insuperabiles Imperatores? Ubi exercituum duces? Ubi satrapae et tyranni? Onde estão os Cônsules Romanos? Onde estão aqueles Imperadores e Capitães famosos que desde o Capitólio mandavam o mundo? Que se fez dos Césares e dos Pompeus, dos Mários e dos Silas? dos Cipiões e dos Emílios? Os Augustos, os Cláudios, os Tibérios, os Vespasianos, os Titos, os Trajanos, que é deles? Nunc omnia pulvis: tudo pó: Nunc omnia favillae: tudo cinza: Nunc in paucis versibus eorum memoria est: não resta de todos eles outra memória, mais que os poucos versos de suas sepulturas. Meu Agostinho, também esses versos que se liam então, já os não há: apagaram-se as letras, comeu o tempo as pedras: também as pedras morrem: Mors etiam saxis, nominibusque venit. Oh, que Memento este para Roma!

Padre Antônio Vieira, Sermão da Quarta-feira de Cinza, trecho retirado da edição "Sermões", Tomo 1, da Editora Hedra, 2003.

10 de fevereiro de 2006

Mon coeur est lourd et succombe à la nausée. Je dégueule sur mes pieds blancs, au pied de ce tombeau de marbre de Carrare qu'est mon corps dévêtu. (Jean Genet, Pompes Funèbres)

Traduzo assim:

Meu coração está pesado e sucumbe à náusea. Vomito sobre meus pés brancos, ao pé deste túmulo de mármore de Carrara que é meu corpo nu.

Há uma edição da Record, de 1968, Pompas Fúnebres, traduzida por Ronaldo Lima Lins, que está bastante falha. Não no que diz respeito à transposição em si, que está excelente, mas com relação a várias omissões de trechos do original. Algumas perfeitamente compreensíveis por causa da censura e outras de jeito nenhum... Desconheço se existe alguma tradução mais recente. De qualquer maneira, ao leitor de Genet, recomendo a leitura do original ou, caso não seja possível, a de uma outra tradução.

7 de fevereiro de 2006

Sabe-se que Cormac McCarthy teve uma vida pobre, tanto economicamente quanto literariamente. Não é de se estranhar que o escritor não considere Henry James e Marcel Proust literatura. Primeiro, ele está querendo aparecer (aparecer vende livro) e segundo ELE está sendo honesto. ELE não considera James e Proust literatura. Em suas palavras, "I don't understand them. To me, that´s not literature." Ao menos ele foi sóbrio ao afirmar "para mim". Cormac é no máximo um escritor mediano, em seus melhores momentos. Proust foi um gênio. Dá para levar a sério alguém que diz tamanhas asneiras?

6 de fevereiro de 2006

O livro A cidade devolvida foi um dos destaques da revista Bravo! de Fevereiro deste ano. Sobre ele, escreveram: Reunião de histórias cuja beleza está na diversidade de temas e na memória afetiva do autor, que é passada ao leitor em cenários intimistas, cuidadosamente trabalhados. (...) A teia lingüística criada pelo autor é a basa de sua literatura, mais voltada para a criação de uma linguagem própria, fortemente marcada por seu modo particular de narrar, do que para uma descrição objetiva do mundo.

30 de janeiro de 2006

Carola Saavedra, que lançou em 2005 o livro de contos "Do lado de fora", tem uma maneira de narrar que me agrada muito. Falei, ano passado, do livro dela para o Jornal do Brasil, quando ainda estava com paciência para escrever resenhas. Ela me enviou uma mensagem, sobre a qual comentei em algum post passado:


Oi Whisner,

desculpe a demora em responder, é que eu não queria escrever antes de acabar de ler o seu livro, e como A cidade devolvida não é leitura para se fazer rapidamente, precisei de bastante tempo.

Adorei o livro, muito. O que mais me chamou a atenção no seu texto é que ele não faz concessões, não é daquelas narrativas que pegam o leitor pela mão e vão mostrando o caminho através de setas, sinais luminosos, ao contrário, ele tem algo de labirinto, de abismo, como se a qualquer momento o leitor menos atento pudesse perder o equilíbrio e cair. Fui acompanhando a narrativa como quem tateia, um pouco às cegas, com os sobressaltos e entusiasmos que causam os caminhos inesperados, alguns deles, aliás, percorri muitas e muitas vezes, sem que nunca perdessem o seu quê de armadilha.

Enfim, foi um prazer.

Um grande abraço e a minha admiração

Carola

28 de janeiro de 2006

Maria Stuart não era tão bonita assim, a despeito dos versos de Ronsard e Du Bellay. Sabe-se hoje que foram exageros dos poetas, como explica muito bem Stefan Zweig: Mas os poetas são por vocação sempre exageradores e especialmente os poetas das cortes, quando se trata de glorificar as superioridades de suas soberanas; por isto é com curiosidade que olhamos para os quadros daquela época, os quais têm a garantia da mão magistral de Clouet e com isto nem nos desiludimos nem adquirimos completamente o entusiasmo desses hinos. Não se vê neles irradiante veleza, mas antes uma beleza picante: um oval terno e gracioso, ao qual o nariz um tanto afilado confere aquele encanto provocado pela leve irregularidade que sempre torna um semblante feminino particularmente atraente. (Trecho retirado do livro "Maria Stuart", traduzido do alemão por Odilon Gallotti e publicado em 1936, pela editora Guanabara).

25 de janeiro de 2006

Recebi uma mensagem hoje do escritor Menalton Braff que sintetiza muito bem o que penso do meu novo livro de contos, A cidade devolvida. Pedi autorização ao Braff para postar o e-mail dele e aí vai:

Meu caro Whisner,
Acabei neste momento de ler seu A cidade devolvida e ainda estou sob o impacto de uma leitura que foi um misto de prazer e angústia. Prazer, pela descoberta de sua maneira fragmentária de narrar, com muito de surrealismo, suas inovações. Muito prazer. Angústia pelo lado marginal de alguns contos, com frestas de vidas que transcorrem no fio da faca social, e que observamos como se fosse pelo buraco da fechadura. Prazer e angústia, enfim, como reações estéticas a um dos melhores livros de contos que tenho lido> ultimamente. Brigadão, meu caro, pelo belo presente. Se você entrar no sítio www.menalton.com.br e procurar "Fóruns" no menu, vá até "Recomendados" e lá encontrará o Cidade.
Parabéns, Whisner
Um abraço, Menalton.

Outro dia recebi uma mensagem da escritora Carola Saavedra, que também queria postar aqui, mas infelizmente meu micro foi atacado por um vírus poderoso e tive de formatá-lo (não conseguia mais acessar o HD), motivo pelo qual perdi o e-mail da Carola e conseqüentemente não pude publicá-lo aqui no blog. Carola, se você chegar a ler este post, por favor, me escreva, perdi seu endereço!

12 de janeiro de 2006

Tá. O Jabuti 2006 vem incrementado. Inscrições on line, mais de R$ 120 mil em prêmios. Mas, 150 reais de taxa de inscrição para sócios da CBL e 225 reais para não-sócios é demais, né? Tão querendo que os autores paguem o prêmio? Quem não acredita, é só visitar o site da CBL.