8 de julho de 2006

(...) o destino está a dar-me uma morte harmoniosa, com todas as coisas no seu lugar. Estou com a consciência da minha morte mas não tenho aquelas dores e aquelas agonias de que tanto ouvimos falar. Sabes, há uma luz que desponta e vejo que o sentido estético que dei à minha vida é talvez uma forma de moral que tanto me fez separar das religiões. A verdade é que não me pesa a consciência de ter feito alguma coisa feia. Estou a sentir que fica por cá o corpo, como quem cumpriu já o seu destino, mas aquilo a que chamam a alma está lúcida como nunca e sente que o seu destino não está cumprido. Ninguém sabe o que é isso porque a sua natureza é inexplicável como um mistério, e os mistérios só sabemos que existem mas talvez seja da sua natureza não serem decifrados, por isso eles exigem de nós uma aposta e um risco. É verdade que nunca a procurei mas nunca tive conhecimento de uma religião que claramente reconhecesse essa aposta e, a partir daí, procurasse viver os mistérios. Falam-nos como se tudo fosse evidente. Ora, evidente é o mistério, nunca a sua explicação. Acho que as religiões ligam de mais aos comportamentos e de menos à maneira como nos aproximamos dos mistérios. E talvez seja aí a morada de Deus...


António Alçada Baptista em O tecido do outono.

2 comentários:

Claudio Eugenio Luz disse...

Meu caro, um conto do Menalton:
http://www.revistabula.com/coluna8-2006-
07-03.php

hábraços

claudio

whisner disse...

um texto belíssimo. novamente o menalton me surpreendendo com seu talento... obrigado pela dica! abs!