19 de junho de 2008

Darse prisa darse prisa
Están prontas las semillas
Esperando una orden para florecer
Paciencia ya logo crecerán
Y se irán por los senderos de la savia
Por su escalera personal
Un momento de descanso
Antes del viaje al cielo del árbol
El árbol tiene miedo de alejarse demasiado
Tiene miedo y vuelve los ojos angustiados
La noche lo hace temblar
La noche y su licantropía
La noche que afila sus garras en el viento
Y aguza los oídos de la selva
Tiene miedo digo el árbol tiene miedo
De alejarse de la tierra


Trecho do belíssimo "Canto IV", do chileno Vicente Huidobro (1893 - 1948). Do livro "Altazor" (1931).

18 de junho de 2008

O Carlos Nejar prosador é tão bom quanto o Nejar poeta. Leiam o trecho inicial de seu livro "O poço dos milagres":

A noite ficou cega de nascença para as estrelas nos verem - pensei. E ao raiar, a luz não caía bem aquela hora em Pontal de Orvalho, junto ao rio Eufrates, que se mantinha correndo, por não poder parar, como o tempo. E as letras estão todas na foz com as ervas e o limo. Talita, aos onze anos, fazia seu dever de casa. Desajeitada, distraída, simpática e gentil, com algumas sardas no lado esquerdo do rosto. Por certa displicência e desinteresse no vestir, escutou de sua mãe: - Tens roupas novas e não usas. - Fazia que nem ouvia. Desde cedo gostava de ler e seu mundo era mágico. O que é mágico existe sozinho. Solta-se a palavra e ela se inventa. Nada pode embaciá-la. É como se enfia a cara na lua. Ou na luz. E a luz é tão inocente como o lugar onde troveja. Por ser mágico e inóspito. Inventa-se o que não se conhece. E o que se inventa não carece nem de nome, mas de verdade. Não está só quem se inventa e por isso Talita se achava povoada.

16 de junho de 2008

Tantas vezes disseste, tantas disse,
"já não brinco", e com olhos tão graves
como o pôr-do-sol. E porém não sabia
a língua que dançava entre palato e dente
o que é sério afinal. E os olhos
eram redondos néscios, sequer adivinhavam
que coisa é pôr-se o sol. Preciso era
que viesse uma leve e menor mudança,
qual não haver já língua,
qual não haver já olhos,
para saber que não se brinca mais.

Pedro Tamen, no livro "Guião de Caronte". No Brasil, a editora Escrituras lançou, em 2004, sob o título "Caronte e Memória", que reúne dois livros: o já citado Guião e "Memória Indescritível". Pedro Tamen nasceu em 1934, em Lisboa, e atualmente é administrador da Fundação Calouste Gulbenkian.

12 de junho de 2008

Aqui do meu lado descansam empilhados Bombons chineses, a obra completa do Murilo Mendes, Oráculos de maio, Eu receberia as piores notícias dos teus lindos lábios, A república dos sonhos, O veneno da madrugada (este do GG Márquez) e quase em meu colo A rosa do povo. Em qualquer um encontraria um trecho interessante para inserir aqui nesta postagem.
Ou poderia escrever um pouco sobre o caloroso debate que acabei de assistir, entre Daniel Galera e Santiago Nazarian.
Mas resolvi recorrer a um antigo miniconto que escrevi:


A dor

Alimentei-te com o sumo do meu desgosto: eis como te nutri, criança, com essa ironia cândida e belicosa que sugamos do peito alheio por não termos capacidade de gerá-la para nós próprios. Aí surgem os laços, estreitados ou não no decorrer das necessidades. Olhos e coragem de culpa para confessar-te que sou assassino: do mesmo amálgama com que forjei a tua vida, esculpi a morte, dois lados de um mesmo egoísmo, este pleno senhor de todos os devaneios do espírito e sandices da carne. Daí, do teu trono infante, erija um complexo parlatório de desculpas e, do alto: grite, brade, rogue quantas pragas já tiver aprendido, mas saiba que (nenhum desvio te salvará) não há outro caminho que o da desintegração e o da miséria. És um adubo que o tempo começa a curtir. Prevejo que serás outra presa a sucumbir ao paradoxo: ao mesmo tempo em que tentarás encontrar um significado para a tua geralmente longuíssima e tediosa cruzada, não quererás se render jamais aos achaques do corpo ou à cobiça da morte.

3 de junho de 2008

O livro "A poesia em pânico" é o mais violento de Murilo Mendes. Desta obra:


O impenitente

Quem me consolará no mundo vão?
Homens, tenho convosco a relação da forma.
Nuvem sólida, rosa virginal, água branca
E tu, antiga sinfonia aérea,
Pertenceis ao anjo, não a mim.
Eu digo ao pecado: Tu és meu pai.
Eu digo à podridão: Tu és minha irmã.
A presença real do demônio
É meu pão de vida cotidiano:
Minha alma comprime a aleluia gloriosa.

Hóstias puras,
Inutilmente vos ergueis sobre mim.