30 de outubro de 2006

A cultura dita elevada não se tem mostrado muito mais aberta ao sistema. A reputação do filósofo alemão Martin Heidegger foi profundamente prejudicada pelo breve apoio explícito ao nazismo, um entusiasmo que se desenvolveu antes de Hitler ter cometido suas maiores atrocidades. Por outro lado, a reputação do filósofo francês Jean-paul Sartre não sofreu nada com o vigoroso apoio ao stanilismo durante todos os anos do pós-guerra, quando provas abundantes das atrocidades de Stalin estavam disponíveis para qualquer interessado.

Trecho de Gulag.
Por certo, tampouco é coincidência que os primeiros campos soviéticos tenham sido estabelecidos imediatamente após a sangrenta, violenta e caótica Revolução Russa. No decorrer da Revolução, do terror imposto depois dela e da subseqüente Guerra Civil, pareceu a muitos na Rússia que a própria civilização fora destruída de modo permanente. "Sentenças de morte eram impostas arbitrariamente", escreveu o historiador Richard Pipes, "pessoas eram fuziladas sem motivo ou soltas de modo igualmente imprevisível." A partir de 1917, todo o conjunto de valores de uma sociedade ficou de pernas para o ar: a riqueza e a experiência acumuladas durante uma vida inteira se tornavam uma desvantagem, o roubo era glamorizado como "nacionalização", o assassínio virava parte aceite da luta em prol da ditadura do proletariado. O aprisionamento inicial de milhares de pessoas por Lenin, simplesmente porque tinham riqueza ou títulos aristocráticos, nem chegava a parecer estranho ou despropositado.

Trecho de Gulag, de Anne Applebaum.