30 de dezembro de 2007

Poema

Porque parece a tez do oceano
o pano da tarde estende caravelas
no fundo do poema
como se nascessem ali
onde o mundo termina.

Porque nasce no que se ausenta
o oceano se perde
no fundo do verso
como se morresse ali
onde o tempo se esvai.

Porque não se percebe
a palavra se contém
no fundo da boca
como se fosse ali
onde a alma se exclui.

Álvaro Alves de Faria, no livro "Sete anos de pastor", lançado pela editora Palimage, de Portugal.

28 de dezembro de 2007

Sorriso sem nome

Ontem um menino aprendeu a andar de bicicleta com cinco anos. Pela primeira vez na vida eu vi um menino com aquele sorriso sem nome pedalando um rosto de cinco anos. Também os pneus sorriam na calçada. E dois amiguinhos também sorriam de bicicleta. Dois amiguinhos que ajudaram a construir vento num rosto de cinco anos com bicicleta. Aquele sorriso não tinha nome, mas continha o rosto dos três. Acho que entre crianças há mais amigos. Entre adultos vai ficando bem mais longe pedalar a vitória alheia.

Lindsey Rocha, no livro "Nervuras do silêncio". Lindsey é professora de língua portuguesa, artista plástica e estudante de artes cênicas. Atualmente mora em Curitiba.

27 de dezembro de 2007

"Porque mentem estes tipos?!... O que é engraçado é não perceberem que, quanto mais mentem, mais me ajudam a apurar a verdade! Se todos dissessem a mesma coisa, induzir-me-iam em erro! A mentira de todos seria a verdade para mim! Mas cada um, por conta própria, mente, inventa, borda, aumenta - e é do confronto das mentiras de todos que a Verdade jorrará! Olarila!"

Trecho do romance "Matai-vos uns aos outros", do português Jorge Reis (1926-2005). Publicado em 1961, a história vai em torno da morte de Manuel dos Santos, um poderoso de Vila Velha. O policial Antônio Santiago é incumbido de averiguar as circunstâncias do falecimento. "Durante sete dias, o policial interroga pessoas, envolve-se na vida da cidade, especula daqui e dali e, por fim, assenhoreia-se de uma série de dados que, aos poucos, vão lhe dando conhecimento, não só das pessoas envolvidas no caso, mas também das paixões e jogos de interesses que unem - e desunem - a gente de Vila Velha." Só o prefácio de Aquilino Ribeiro já valeria os poucos tostões usados na compra da obra.

24 de dezembro de 2007

A resenha abaixo, sobre o meu romance "Espirais de outubro" foi publicada no jornal Estado de Minas ontem.

Um dedo de prosa, perto do fim
Whisner Fraga imita o fluxo caótico da cidade em narrativa de personagens em decomposição

Por Gustavo Dumas

Uma velha escritora estica o tempo pouco que lhe resta escrevendo um diário (ou sua última obra? ou a primeira obra de sucesso de outrem?) em seu apartamento, dividindo o seu espaço com coisas, quando “tudo agora se resume a uma resignada espera pela morte” (p. 9). A vida acabou e o que mora dentro dela é cidade – um transitar de vozes, um concentrar de gente que não mais se vê. Eis Aila, futura Nobel de literatura – a primeira Nobel brasileira! – em seus últimos momentos, narrando em primeira pessoa suas histórias, entre vozes de outros de sua memória. A princípio, As Espirais de Outubro (Nankin Editorial, 2007), novo livro do escritor mineiro Whisner Fraga, é um romance que reporta o diálogo de uma anciã com seus fantasmas.
Presa de si, entre as janelas fechadas de seu apartamento, Aila desfia seu evasivo passado, seu esquálido presente e seu vazio de expectativas em relação ao futuro. Lá fora, o mundo, assim como a personagem, encontra-se em um modo de “abandono mútuo” entre vivos e mortos, com as artérias da cidade em desenredo a constituírem um universo que apartou o eu de qualquer fixidez. Esse mundo de subjetividades fluidas tem em Aila um representante fidedigno.
Aila, o centro da narrativa, é a protagonista de uma história perdida, assim como todas as personagens retratadas no livro. Regina, Fabrícia, Catarina habitam uma periferia de alter egos de uma personalidade humana “maior”, em franco estado de decomposição. A cidade é o espelho que imita o curso de vida e delineia cada traço de caráter de indivíduos sem rumo. A cidade é o resultado da racionalidade que se tornou obtusa, da civilização que afundou na poeira do mercado, é a sede da desorientação diária por onde circulamos em espirais, corrediços para não chegar a lugar algum. Esta é a cidade que Aila tem dentro de si e expõe como último livro-suspiro, delírio em retirada. A cidade confunde-se ainda com o lar: os limites não se acham delimitados como no plano de divisão do romance, em que cada capítulo-dia bifurca em duas falsas pistas de decifração de um mistério supostamente interdito – quando a narrativa insiste em caminhar por uma rota que não produz nem revela esconderijos, apenas margens.A reflexão sobre a cidade se possibilita pela consciência do fim, da ausência que, antes relativa, tornar-se-á, num tempo breve, absoluta. Trata-se a vida, segundo a ótica do moribundo, de uma repetição de “melancolias pré-datadas” (p. 62), em que o agora consiste tão-somente em um “longo prenúncio de términos” (p. 61) até um desfecho inexorável. Aila aceita seu fado com resignação, diante do enfado da rotina e do desalento interior.
O espaço do pessimismo, porém, tem lá seus momentos de corrosão. A crítica que se faz busca um resgate de outros termos de relação humana, para além de “uma cultura tirânica em que a satisfação jamais é alcançada” (p. 96). Há uma crença de fundo no futuro, personificada no desconhecido Ângelo, nome significativo para se depositar uma herança. A morte constitui, nesse sentido, uma bússola para a esperança, num processo de evidente transferência que vai remeter também a Fabrícia – quiçá a verdadeira (ou principal) autora do livro dentro do livro, esta espiral sem solução, aí sim enigma de segredos tantos que temos ao final da narrativa de Whisner Fraga.
O que a literatura, neste tráfego? Para Aila, só vaidade, tentativa de nos tornarmos especiais. Aila fala mal dos escritores, para quem vale mais a morte que o esquecimento, ela que também se quer “imortal”. Nesse quesito, Fraga parece utilizar Aila, pondo-a em posição elevadíssima no plano literário, para legitimar um profundo questionamento aos padrões de reconhecimento em um meio egoísta, que constrói triunfos à custa de muitas existências tornadas banais e que está longe de “subestimar a força do comércio” (p. 116). Reflete a protagonista-autora: “A poesia [é] um magma de inutilidade e presunção” (grifo meu, p. 62).
Em suma, “As espirais de outubro” serve-se do hiper-realismo memorialista de uma protagonista trancada em seu apartamento-corpo em decadência, cujo continente compõe-se de ilusões murchadas e horizontes despedidos, para desenvolver um cenário de linhas caóticas e sentido vário. Depois de “A cidade devolvida” (7Letras, 2005), Whisner Fraga projeta, com seu novo romance, o “belo num emaranhado de concreto e penumbra” (p. 96), o lúdico em meio a uma polifonia de desenganados de que toma parte a própria literatura. O que fica de todo esse fluxo são indagações que irão acompanhar o universo íntimo de cada leitor, até uma última virada de página.

Gustavo Dumas é escritor e revisor de textos. Publicou, em 2005, assinando como Zeh Gustavo, o livro de poesias Idade do Zero, pela Escrituras Editora.
Contato: zehgustavo@yahoo.com.br

15 de dezembro de 2007

Final de ano para um professor não é uma época muito boa. Fechar diários, dar vistas de provas, confeccionar avaliações de recuperação, corrigi-las depois. Hoje soube que meu romance "As espirais de outubro" foi finalista do Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional. Este post é para contar sobre esta novidade. Mas também para dizer que a partir da próxima semana escreverei mais para este blog, indicando vários livros e filmes que considero bons, ótimos ou excelentes.

2 de dezembro de 2007

O amigo e artista Edgar Franco está lançando seu primeiro álbum na Suíça. Trata-se do trabalho "Neocortex Plug-in". Quem quiser dar uma conferida, basta ler esta descontraída entrevista.