29 de dezembro de 2011

Sobre "Perdição', de Luiz Vilela

Não escrevo resenhas há três anos e as observações que farei aqui não podem ser consideradas crítica literária, mas somente comentários baseados em minhas leituras. Muito do que vem a seguir pode ser aplicado a qualquer obra de Luiz Vilela, embora eu esteja tratando, especificamente, de Perdição, seu romance recém-lançado.

- Nos textos de Vilela, o narrador não é onipresente - ele sempre sabe de algo porque viu ou porque alguém lhe contou. Ele, portanto, repassa ao leitor a sua mensagem, que, evidente, pode estar corrompida. Isso gera um efeito interessante: nunca se sabe o que é verdade e o que é invenção.

- Os diálogos são o ponto principal da obra de Luiz Vilela. Mas diálogo é algo complicado na literatura. Então, o escritor tem de fazer uma escolha: ou ele transcreve a fala das pessoas, imitando-a em seus menores detalhes como ela é ou considera a fala algo diferente da escrita e por isso adota a norma culta para os diálogos. Luiz Vilela escolhe a segunda opção. Assim, pode parecer estranho que um feirante utilize o pretérito maisque-perfeito, mas não é, pois o diálogo é somente uma representação escrita do que foi dito oralmente, de uma outra maneira, mas com o mesmo significado. Como o narrador não é onipresente, a "transcrição" dos diálogos não precisa ser fidedigna. E mesmo se em alguns casos ele está presente durante o diálogo, não é neste momento que ele passa para o papel o que ouviu.

- A força e a precisão dos diálogos está na voz própria de cada personagem - um padre tem seus cacoetes linguísticos, um pescador idem.

- Para dar um caráter informal e também para amenizar e ao mesmo tempo aumentar a tensão, há piadas, muitas piadas e também ditos populares. De amenidade em amenidade, o leitor prende a respiração, se prepara para a fisgada, pois sabe que a qualquer instante a conversa pode tomar um rumo inesperado.

- A história principal é simples e curta: um pescador se torna pastor, vai para a capital, ganha muito dinheiro com os fiéis e se crê acima de tudo, poderoso. Leva um tombo e se decepciona com o mundo. Só que não se pode escrever 400 páginas sobre isso. Daí que o livro traz muitas personagens secundárias, muitas histórias paralelas.

- Um clássico.



14 de novembro de 2011

O sol nas feridas



Ronaldo Cagiano retorna com tudo à poesia. E volta mais irônico, mais cáustico, o que pode ser percebido por meio dos temas, alguns deles trabalhados pela primeira vez pelo poeta. A força da linguagem permanece, o lirismo e as homenagens também estão lá. Mas Cagiano parece ter abandonado aquele trato quase contido com as situações, aquele pisar em ovos dos livros anteriores, para escancarar a sua visão das coisas, o que foi extremamente positivo para sua literatura. Ouso até afirmar que os seus versos ficaram mais amargos. Vejam um exemplo no poema "Onde estava Deus,"

Onde estava Deus,

quando Hitler avançou 
com seus coturnos, suas bombas
seus campos de concentração
sobre toda a humanidade?

Em outro poema, "Ad nauseam", ainda sobre o mesmo tema das religiões:

Quando alguém vem falar de Deus
dou-lhe as costas
e abro um livro.

Mas não é somente denúncia, é também recordação. A sua Cataguases, sempre mítica e inalcançável em sua pequenas de província também está neste livro:

Quando nasci, uma parteira,
dessas que nos inauguram
na febre dos dias, disse:
Vai, menino! ser alguém no mundo,
e saia de Cataguases
para não ficares menor que ela.

Ao falar de si, de suas provações, de suas dores, Cagiano é mais incisivo, como no poema "Despedida":

No agosto em que meu pai morreu
a vida tornou-se uma pátria incompreensível
e o mundo um albergue de inverdades.

No leito em que dormitavam com ele
todas suas dores e
                           falhavam as energias
eu depositava décadas de silêncios
                           e olhares mudos.

Aquele que encarar os mais de sessenta poemas pode ter certeza de que não sairá impune da empreitada. "O sol nas feridas" é para corajosos, para esses leitores cada vez mais raros.


25 de outubro de 2011

As certezas e as palavras, Carlos Henrique Schroeder





Os dezenove contos deste livro de Schroeder tratam da única certeza que todos temos: a de estarmos sós. Assim, os relacionamentos não funcionam, nenhum tipo deles, pois o homem parece sempre em busca de algo que não poderá ter jamais. Esse sentimento de impotência é muito bem retratado na literatura de Schroeder, muito por causa de um lirismo às vezes impertinente, que surge quase por acaso em um parágrafo ou outro.
E há também a violência, o despudor. O maniqueísmo não tem mais lugar no mundo de hoje, “meus heróis morreram de overdose”, cantaria Cazuza. “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, sentenciaria Augusto dos Anjos. Mas essa violência nunca é gratuita, é uma face da solidão e Schroeder sabe disso, essa Geração zero zero, à qual pertence, sabe disso.
Ao mesmo tempo, o leitor perceberá que não há explicação para nada. Há a tentativa de explicação – as palavras, que, se chegam até o homem, não o humanizam. A muleta das palavras, como diz o próprio autor em uma das epígrafes do livro. Uma muleta capenga, que não ajeita o passo de ninguém, apenas ampara, de uma maneira limitada, mas eficiente. A muleta necessária, mas não suficiente.
Há vários contos que me agradam muito, como “As certezas e as palavras”, em que uma das personagens é viciada na palavra “opróbio” e fica criando textos em cima dela, exercitando a sua própria solidão. Ou então “O tempo que resta”, sobre uma rodovia que tira vidas, um conto melancólico, em que nada parece acontecer, como se todo o texto fosse apenas a descrição de uma fome e de um medo, um medo comum a todos, um medo alimentado pela certeza da solidão e da morte. Gosto também do erotismo romântico do conto “Não diga noite”, em que a imagem se torna mais importante do que o sentimento, ou então que o sentimento só pode ser compreendido pela imagem. O que faz todo o sentido, pois atravessamos uma época em que tudo nos chega primeiramente pela visão. Outro dia comecei um texto me perguntando sobre a tarefa do escritor nos dias de hoje, em que, no câmbio cultural, precisamos de mil palavras para comprar uma imagem. Schroeder sabe disso, ele sabe que a palavra não muda mais nada, que a palavra está em desuso, que a palavra não chega a mais ninguém, porque os homens estão caminhando para seu destino de máquinas (novamente parafraseio uma epigrafe de “A certeza e as palavras”).
E os contos têm muitas citações, muitas homenagens, mas elas nunca parecem excessivas, pois fazem parte do contexto, estão ali para ajudar o roteiro. Além disso, sabemos que o leitor não está acostumado a ler Paul Auster, Maurice Blanchot, Alan Pauls ou Dylan Thomas, o que significa que as passagens escolhidas por Carlos Henrique Schroeder têm a função de apresentar estes autores, de fazer com que o leitor se apaixone por estes grandes pensadores, que o leitor  Para contrabalançar, há muitas menções pops, principalmente pinçadas do rock. Legião Urbana, Joy Division e assim por diante, o que nos deixa, nós que estamos chegando aos quarenta, mais à vontade. Ouvir Joy Division hoje ainda é possível. Gravar Joy Division e The National num mesmo pen drive é possível.
Eu recomendo este livro porque é bom, é fruto de um autor maduro e quem ler os contos que foram reunidos nesta obra pode ter a certeza que passará bons momentos em companhia de uma literatura forte, que não deixa e nem quer deixar nada a dever a nada ou a ninguém.

15 de outubro de 2011