30 de dezembro de 2008

Um pouco mais

Irmãos por irmãos, fico com os Paolo e Vittorio Taviani, que dirigiram o filme "Bom dia, Babilônia", lançado em 1987.

22 de dezembro de 2008

Um pouco de cinema


Muito se tem falado sobre os tais irmãos Coen, como se fossem dois gênios. Eu vi "Burn after reading", que acho que ficou como "Queime depois de ler" mesmo. Assisti a "Onde os fracos não têm vez" (No country for old men), "Paris, te amo" (Paris, Je t'aime), "O homem que não estava lá" (The man who wasn't there), "O grande Lebowski" (The big Lebowski), "Barton Fink" e se brincar algum outro. Venho vendo filmes desses caras porque sempre alguém me diz que eles são demais, que reinventaram o cinema e outras bobagens do tipo. Mas ainda não consegui me encantar com o trabalho dos dois.
Agora, já "O desprezo" (Le mépris), de Jean-Luc Godard, é magnífico.

16 de dezembro de 2008

Prêmios e livros

Já disse aqui que o Cristovão Tezza escreveu o livro mais premiado do ano: levou também o Prêmio São Paulo de Literatura há algumas semanas. Mas a obra da Tatiana Salem Levy, que ganhou na categoria estreante, me chamou mais a atenção. Devo confessar que ainda estou nas primeiras páginas deste romance, mas já ganhou a minha confiança. Pena que esteja brigando com outro livro bem mais atraente para mim no momento: As cruzadas, de Zoé Oldenbourg, traduzido do francês por Vânia Pedrosa. Minha edição é antiga: Civilização Brasileira, 1968. Comprei ontem em um sebo e até onde sei não foi relançado não. Mas como normalmente eu digito aqui trechos de obras de ficção, vou inserir um trecho do livro da Levy.

[Você não imagina o alívio que acabo de sentir. Há quanto tempo está esparramada nessa cama, inamovível? Há quanto tempo lhe peço para se levantar?] Não sei, desconheço a resposta. Pode ser uma semana, um mês, um ano, ou mesmo uma vida. Sinto-me às vezes um bloco de cimento, às vezes uma nuvem diluída, não percebo sequer a minha forma, os meus contornos. Quero sair do lugar, mas ainda duvido se é essa a melhor escolha. [Não desanime. No início de uma partida, não existem escolhas melhores ou piores, apenas escolhas. É cedo para um julgamento.] Mas e se errar? Se me afundar ainda mais nesse poço de imprecisão e incerteza? Que garantia tenho de que não tropeçarei em mim mesma? [Não posso lhe garantir nada. Só posso prometer uma coisa: arrisque-se e estarei sempre pronta a lhe estender a mão.]

Vou transcrever a orelha do livro, escrita por Cíntia Moscovich:

Neta de judeus turcos, nascida em Lisboa, emigrada para o Brasil aos 9 meses de idade, a estreante Tatiana Salem Levy chega, neste A chave de casa, ao ponto que muitos almejam e bem poucos alcançam: condensar o jorro da memória e transformá-lo em literatura.
Concretizando o que denomina de "autoficção", a autora tece um romance de vozes diversas - como são as vozes da memória -, histórias que se complementam num tom de densa estranheza. Tudo se inicia quando a personagem-narradora recebe do avô a chave da casa da família deixada para trás, no tempo e na distância, em Esmirna. Rumo à Turquia, toca a ela procurar a herança passada, tarefa a que se entrega não sem medo e expectativa de modificar seu próprio presente.
Passando por temas como a morte da mãe e a relação com um homem violento - dores exploradas nos extremos do lirismo e da crueldade -, Tatiana demonstra grande pendor para o gênero a que se dedica. Escritora refinada, capaz de frases torneadas com precisão e de cortes e elipses nunca menos que exatos, o romance seduz pelo apelo sensorial, pela extrema competência narrativa e, em especial, por um alto sentido de humanidade.
Sobre os estilhaços da memória individual, Tatiana soube assentar as bases de uma literatura singular e vigorosa.

8 de dezembro de 2008

Juan José Millás

Vocês conhecem Juan José Millás? Ele á apresentado assim na orelha de um de seus livros: "Referência do jornalismo literário, Juan José Millás (Valência, 1946) é um dos romancistas espanhóis mais importantes e aclamados pelo público e pela crítica tanto na Espanha quanto nos outros quinze paíese onde sua obra está traduzida."
Sugiro dele: Cerbero son las sombras e La soledad era esto. Ambos são difíceis de achar aqui no Brasil. Não sei se foram traduzidos.
Então talvez fosse mais fácil se procurassem o "Laura e Julio", um livro bem interessante. O resumo da trama eu transcrevo da orelha da obra:
"Laura e Julio é um romance sobre a ausência. O jovem casal que dá título ao livro tem uma vida vazia, sem trocas, seja de palavras ou de afeto. Laura e Julio praticamente só conversam quando Manuel os visita. Novo morador do prédio, Manuel é um escritor que jamais escreveu um livro e que prefere vivenciar a história de Laura e Julio a colocá-la no papel. Para ele, os dois mais parecem personagens de ficção; não da vida real. Mas Manuel sofre um acidente que condena ao isolamento não apenas ele mesmo, mas também a dupla. E o inevitável finalmente acontece: laura pede a separação. Sem rumo, Julio refugia-se na casa desocupada do vizinho. O apartamento serve como uma espécie de vitrine por meio da qual passa a espionar a vida da ex-mulher, assim como Manuel deveria fazer quando morava ali. Pouco a pouco, Julio vai se apropriando dos objetos do vizinho e até de sua persona. Durante essa transformação, descobre que não é o único a viver uma mentira."

Um trecho aí do romance:

"Julio apagou a luz e sentou-se na cama, junto à cabeceira da menina, com quem trocou, já na penumbra, um olhar que o perturbou.
- Se quiser que eu durma, vai teer que me contar uma história - disse a menina.
- Eu não sei contar histórias - disse Julio.
- Então não vou dormir.
O adulto e a pequena permaneceram em silêncio alguns instantes, cada um à espera de que o outro resolvesse a situação. Finalmente, a menina cedeu.
- Você diz era uma vez e vai ver como sai sozinho.
- Era uma vez - disse Julio, e calou-se.
- Era uma vez um país - acrescentou a menina.
- Era uma vez um país...
Nesse instante, uma sombra causada por alguma atividade que vinha da rua atravessou a parede.
- Era um país - repetiu Julio - onde havia menos sombras que pessoas.
- Por quê?
- Porque a metade das pessoas nascia sem sombra.
- E como eram as pessoas sem sombra?
- Atordoadas.
- O que quer dizer atordoadas?
- Que pensavam pouco nas coisas.
- Que coisas?
- Todas as coisas. Prendiam os dedos nas portas; caíam pelas escadas; cortavam-se com as tesouras; queimavam-se com a sopa; engasgavam com a comida; deixavam as torneiras abertas e os cadarços dos sapatos desamarrados...
- Faziam xixi na cama?
- Também.
- Sabiam ler?
- Mal.
- E o que aconteceu?
- O governo desse país decidiu dividir as sombras existentes ao meio e distribuí-las entre os cidadãos para que todos tivessem pelo menos meia sombra."

25 de novembro de 2008

O filho eterno, de Cristovão Tezza, é a obra mais premiada este ano no Brasil. É um bom livro sim, mas não essa genialidade que andam divulgando por aí. Em breve vou postar alguns trechos do romance, cujo enredo é autobiográfico e versa sobre um pai que tem um filho com Síndrome de Down. Por enquanto recomendo a entrevista que o Tezza concedeu para o Jornal de Letras, de Portugal.

22 de novembro de 2008

Duas resenhas

Gostaria que lessem os seguintes textos: o primeiro, de Áurea Alves, sobre o livro de poesias de Zeh Gustavo e outro meu, tratando da mesma obra.

18 de novembro de 2008

Este calor, este calor, eu repetia sentado debaixo de uma sombra, nos arredores do terreiro de galos de rinha, enquanto passeavam em volta galinhas d'angola, preciosidades do dono do terreiro. Este calor, este calor, eu repetia ali, sentado, conforme vi em estampas da minha infância, com um pedaço de pau na mão, escarafunchando na terra, tendo ao lado um formigueiro medonhamente grande, o sol quem sabe em seu zênite, o caboclinho da estampa da minha infância talvez fosse mais feliz, havia aquele sorriso das estampas da infância, sorri também, resolvi entrar também nessa do sorriso, um sorriso esgazeado, um sorriso para tudo e para nada, e vi uma cobra serpenteando o formigueiro, me perfilei automático, mesmo sem me levantar me perfilei, e o sorriso ali, intacto, para tudo e para nada, para a cobra inclusive, pensei, este sorriso vai para a cobra também, para a cobra este sorriso vai, vai sim, vai para essa imensa cobra que pretende se aconchegar aos meus pés - súbito bati com aquele pedaço de pau na cobra, duas, três vezes, quatro, paulada e mais paulada, e a cobra se partiu em dois, três, quatro pedaços, e o sangue em torno era escuro, quase preto, e a terra ao redor de mim, a terra como eu nunca imaginara antes tremeu, tremeu sim, tremeu no duro, de verdade, um tremor de terra, e deu para perceber que alguma coisa no alto ia despencar em cima da minha cabeça, e depois disso não me perguntem mais nada, porque de nada adiantaria mentir que vi, que remexi, que aconteci.

João Gilberto Noll (1946 - ), em Harmada. O romance é tão bom quanto "A fúria do corpo". Não há uma história propriamente dita, mas vou transcrever o que está escrito na orelha: "Um ex-ator, escondido num asilo para mendigos, consola-se com o projeto de uma peça de teatro. Ele quer retornar a Harmada, a capital de seu país, mas se vê retido em uma paralisia na qual só a arte o ampara."

12 de novembro de 2008

Agendas 2009

Desde 2005 que esse pessoal publica minhas poesias nesta agenda, que já é bem conhecida de todo mundo. Quem estiver interessado em comprar, me mande uma mensagem que eu passo o contato de quem está vendendo. Além de mim, outros poetas da nova geração e clássicos.


10 de novembro de 2008

Minha pátria é onde os goiamuns
pressentindo o cair da noite
buscam as locas entre os mangues.

No meu país palustre
o peso das chuvas encurva os cajueiros
e o sol calcina lágrimas.

E uma espinha de carapeba
arranha a louça do dia
que a língua do mar lambe.

Entre casas de marimbondos
e caranguejeiras imóveis
a tarde me iluminava.

Eu soletrava a ferrugem
de navios sem nome que a lama
das lagoas mastigava.

Eu percorria as galáxias.
Fagulhas de estrelas caíam
nos coqueirais do tifo.

No chão das ilhas pegajosas
um planetário búzio avariado
guardava o aroma do mundo.

Minha pátria é a água negra
- a doce água cheia de miasmas -
dos estaleiros apodrecidos.

(Na cozinha, a boca alugada,
soprando carvões, fazia nascer
o fogo do dia.)

Quando eu estava dormindo
e chovia no meu sonho, nos vales
caíam trombas-d'água.

A manhã raiante se manchava
do sangue escuro da raposa
morta no chão memorável.

Minha terra é o novo caminho
que o homem abriu sem querer
no capim à beira do arrozal.

Entre lagartos e caga-sebos
vi as horas caírem sobre as cercas
que afrontavam os relâmpagos.

Foi na infância que aprendi a ver-te,
ó sol que me ilumina. E um arco-íris
abriu-se entre arraias do céu pálido.

Trecho da poesia "Minha terra", de Lêdo Ivo (1924 - ), retirado do livro "Poesia Completa", editado em 2004 pela Topbooks em parceria com a Braskem.

2 de novembro de 2008

A mesma situação de 1993. A diferença é que naquela época eu tinha 27 anos, meus pentelhos ainda não haviam embranquecido, e a vista era de frente para o mar.
Naquele final de ano eu acreditava na biologia. Tinha o tempo da espera e não havia me desencantado comigo mesmo. Um cara assim, nesta situação, digamos, de passaporte carimbado - agora entendo - está "apto" para amar e para acreditar nesse sentimento.
A situação em si mesma é um desastre consumado, e o termo "apto" é quase um xingamento, mas não encontro outro que comine ou conjugue melhor a expectativa do devir com a breguice genética de querer ser feliz. Portanto, acreditar na biologia era para mim acreditar no amor.

Primeiros parágrafos do romance "Animais em extinção", de Marcelo Mirisola, lançado em 2008 pela Editora Record.

13 de outubro de 2008

Finalmente encontrei o trecho que queria. Por isto, creio que será a última vez que postarei algo sobre este romance do Faulkner, Absalom, Absalom! É uma bonita parte do livro, na qual Bon, o noivo de Judith é assassinado por Henry. Enquanto prepara a comida, Judith ouve as marteladas dos empregados, que fabricam o caixão, para enterrarem o corpo.


The four years while I believed she waited as I waited, while the stable world we had been taught to know dissolved in fire and smoke until peace and security were gone, and pride and hope, and there was left only maimed honor's veterans, and love. Yes, there should, there must, be love and faith : these left with us by fathers, husbands, sweethearts, brothers, who carried the pride and the hope of peace in honor's vanguard as they did the flags; there must be these, else what do men fight for? what else worth dying for? Yes, dying not for honor's empty sake, nor pride nor even peace, but for that love and faith they left behind. Because he was to die; I know that, knew that, as both pride and peace were: else how to prove love's immortality? But not love, not faith itself, themselves. Love without hope perhaps, faith with little to be proud with: but love and faith at least above the murdering and the folly, to salvage at least from the humbled indicted dust something anyway of the old lost enchantment of the heart. - Yes, found her standing before that closed door which I was not to enter (and which she herself did not enter again to my knowledge until Jones and the other 'man carried the coffin up the stairs) with the photograph hanging at her side and her face absolutely calm, looking at me for a moment and just raising her voice enough to be heard in the hall below: 'Clytie. Miss Rosa will be here for dinner; you had better get out some more meal': then 'Shall we go down stairs? I will have to speak to Mr Jones about some planks and nails." That was all. Or rather, not all, since there is no all, no finish; it's not the blow we suffer from but the tedious repercussive anticlimax of it, the rubbishy aftermath to clear away from off the very threshold of despair. You see, I never saw him. I never even saw him dead. I heard an echo, but not the shot; I saw a closed door but did not enter it." I remember how that afternoon when we carried the coffin from the house (Jones and another white man which he produced, exhumed, from somewhere made it of boards torn from the carriage house; I remember how while we ate the food which Judith yes, Judith, the same face calm, cold and tranquil above the stove had cooked, ate it in the very room which he lay over, we could hear them hammering and sawing in the backyard (...)

12 de outubro de 2008

I

On n’est pas sérieux, quand on a dix-sept ans.
- Un beau soir, foin des bocks et de la limonade,
Des cafés tapageurs aux lustres éclatants !
- On va sous les tilleuls verts de la promenade.

Les tilleuls sentent bon dans les bons soirs de juin !
L’air est parfois si doux, qu’on ferme la paupière ;
Le vent chargé de bruits, - la ville n’est pas loin,
A des parfums de vigne et des parfums de bière...

II

- Voilà qu’on aperçoit un tout petit chiffon
D’azur sombre, encadré d’une petite branche,
Piqué d’une mauvaise étoile, qui se fond
Avec de doux frissons, petite et toute blanche...

Nuit de juin ! Dix-sept ans ! - On se laisse griser.
La sève est du champagne et vous monte à la tête...
On divague ; on se sent aux lèvres un baiser
Qui palpite là, comme une petite bête...

Trecho de "Roman", poesia de Arthur Rimbaud (1854 - 1891). Abaixo, o que Ivo Barroso conseguiu fazer:

I

Não se pode ser sério aos dezessete anos.
- Um dia, dá-se adeus ao chope e à limonada,
À bulha dos cafés de lustres suburbanos!
- E vai-se sob a verde aléia de uma estrada.

O quente odor da tília a tarde quente invade!
Tão puro e doce é o ar, que a pálpebra se arqueja;
De vozes prenhe, o vento - ao pé vê-se a cidade, -
Tem perfumes de vinha e cheiros de cerveja...

II

- Eis que então se percebe uma pequena tira
De azul escuro, em meio à ramaria franca,
Picotada por uma estrela má, que expira
Em doce tremular, muito pequena e branca.

Noite estival! A idade! - A gente se inebria;
A seiva sobe em nós como um champanhe inquieto...
Divaga-se; e no lábio um beijo se anuncia,
A palpitar ali como um pequeno inseto...

Podem até achar que sou radical, mas muitas vezes eu acho que é melhor não se traduzir poesia.


They will tell you different, but I did. Why shouldn't I? I had nothing to forgive; I had not lost him because I never owned him: a certain segment of rotten mud walked into my life, spoke that to me which I had never heard before and never shall again, and then walked out; that was all. I never owned him; certainly not in that sewer sense which you would mean by that and maybe think (but you are wrong) I mean. That did not matter. That was not even the nub of the insult. I mean that he was not owned by anyone or anything in this world, had never been, would never be, not even by Ellen, not even by Jones' granddaughter. Because he was not articulated in this world. He was a walking shadow. He was the lightblinded batlike image of his own torment cast by the fierce demoniac lantern up from beneath the earth's crust and hence in retrograde, reverse; from abysmal and chaotic dark to eternal and abysmal dark completing his descending (do you mark the gradation?) ellipsis, clinging, trying to cling with vain unsubstantial hands to what he hoped would hold him, save him, arrest him - Ellen (do you mark them?), myself, then last of all that fatherless daughter of Wash Jones' only child who, so I heard once, died in a Memphis brothel - to find severence (even if not rest and peace) at last in the stroke of a rusty scythe. I was told, informed of that too, though not by Jones this time but by someone else kind enough to turn aside and tell me he was dead. 'Dead?" I cried. 'Dead? You? You lie; you're not dead; heaven cannot, and hell dare not, have you!" But Quentin was not listening, because there was also something which he too could not pass - that door, the running feet on the stairs beyond it almost a continuation of the faint shot, the two women, the Negress and the white girl in her underthings (made of flour sacking when there had been flour, of window curtains when not) pausing, looking at the door, the yellowed creamy mass of old intricate satin and lace spread carefully on the bed and then caught swiftly up by the white girl and held before he as the door crashed in and the brother stood there, hatless, with his shaggy bayonet-trimmed hair, his gaunt worn unshaven face, his patched and faded gray tunic, the pistol still hanging against his flank: the two of them, brother and sister, curiously alike as if the difference in sex had merely sharpened the common blood to a terrific, an almost unbearable, similarity, speaking to one another in short brief staccato sentences like slaps, as if they stood breast to breast striking one another in turn neither making any attempt to guard against the blows.

Trecho de Absalom, Absalom!, de William Faulkner. Alguém se arrisca a traduzir?

9 de outubro de 2008

Nobel de Literatura 2008

The Nobel Prize in Literature 2008

Jean-Marie Gustave Le Clézio

The Nobel Prize in Literature for 2008 is awarded to the French writer Jean-Marie Gustave Le Clézio

“author of new departures, poetic adventure and sensual ecstasy, explorer of a humanity beyond and below the reigning civilization”.

2 de outubro de 2008

No. I hold no brief for myself. I don't plead youth, since what creature in the South since 1861, man woman nigger or mule, had had time or opportunity not only to have been young, but to have heard what being young was like from those who had. I don't plead propinquity: the fact that I, a woman young and at the age for marrying and in a time when most of the young men whom I would have known ordinarily were dead on lost battlefields, that I lived for two years under the same roof with him. I don't plead material necessity: the fact that, an orphan a woman and a pauper, I turned naturally not for protection but for actual food to my only kin: my dead sister's family: though I defy anyone to blame me, an orphan of twenty, a young woman without resources, who should desire not only to justify her situation but to vindicate the honor of a family the good name of whose women has never been impugned, by accepting the honorable proffer of marriage from the man whose food she was forced to subsist on. And most of all, I do not plead myself: a young woman emerging from a holocaust which had taken parents security and all from her, who had seen all that living meant to her fall into ruins about the feet of a few figures with the shapes of men but with the names and statures of heroes - a young woman, I say, thrown into daily and hourly contact with one of these men who, despite what he might have been at one time and despite what she might have believed or even known about him, had fought for four honorable years for the soil and traditions of the land where she had been born.

Trecho do magnífico romance "Absalom, Absalom!", de William Faulkner (1897 - 1962).

30 de setembro de 2008

Prêmio ALB/Braskem 2008

Art. 1 - A Academia de Letras da Bahia e a Braskem com a finalidade de promover a criação literária, instituem o Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem/Conto 2008, destinado a um livro de contos, escrito por autor de nacionalidade brasileira. A premiação será dupla: caberá ao vencedor a importância de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e o livro será publicado por uma editora de projeção nacional.

Art. 2 - As inscrições no Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia / Braskem/Conto 2008, serão abertas no dia 13 de março de 2008 e encerradas no dia 31 de outubro do mesmo ano.

Art. 3 - Concorrerão ao Prêmio textos de contos rigorosamente inéditos.

Art. 4 - Os originais deverão ser encaminhados à Academia de Letras da Bahia, Av. Joana Angélica, 198 - Nazaré - Palacete Góes Calmon, Slavador - Bahia - CEP 40050-000 - Telefax: (71) 3321-4308 e-mail: letrasba@terra.com.br.
Os originais remetidos pelo correio poderão ser aceitos até o dia do encerramento, 31 de outubro de 2008, data que deverá estar bem legível no carimbo da postagem com aviso de recebimento (AR).

Art. 5 - O texto original preencherá os seguintes requisitos:
a) apresentação em 03 (três) vias, em perfeitas condições de legibilidade num lado somente do papel, formato A-4, espaçamento simples, deverá ter 07 (sete) contos, sem limite máximo ou mínimo de páginas de cada conto;
b) as 03 (três) cópias devem ser acompanhadas de um disquete ou CD que contenha o texto gravado no formato .doc (Word) ou em outro processador de texto compatível;
c) ser acompanhado de um envelope lacrado contendo: ficha com nome do concorrente, pseudônimo, título da obra, endereço completo, xerox da identidade e telefone de contato.

Art. 6 - A Comissão Julgadora do Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem/Conto 2008 composta de 03 (três) membros de notória e reconhecida vinculação com a área do Prêmio, será nomeada pelo Presidente da Academia de Letras da Bahia que, sem direito a voto, presidirá o julgameto.
Parágrafo único - A Comissão será indicada e nomeada em 07 de novembro, devendo entregar o resultado até 18 de janeiro de 2009.

Art. 7 - Os membros da Comissão deverão reunir-se, pelo menos, uma vez, ocasião em que redigirão ata especial em que constem a decisão e os votos com justificativas.
Parágrafo primeiro - Em nenhuma hipótese o prêmio será fracionado, devendo a comissão, por unanimidade ou por maioria, indicar a obra vencedora.
Parágrafo segundo - O julgamento da Comissão terá caráter irrevogável.

Art. 8 - A Academia de Letras da Bahia e a Braskem darão ampla divulgação ao resultado do julgamento.

Art. 9 - O Prêmio Nacional Academia de Letras da Bahia/Braskem/Conto 2008 será entregue em março de 2009, em solenidade pública, na sede da Academia de Letras da Bahia.

Art. 10 - A Academia de Letras da Bahia não terá obrigação de devolver os originais apresentados.

Salvador, 13 de março de 2008.

Eduardo M. Boaventura
Presidente da Academia de Letras da Bahia

José Carlos Grubisich
Presidente da Braskem

28 de setembro de 2008

Comentários

Agora ficou mais fácil comentar os posts deste blog. Não há mais necessidade de se ter uma conta no google. Aproveitem.

24 de setembro de 2008

A revista "Algo a dizer" traz uma interessante entrevista com o saudoso Fausto Wolff, escritor que sempre admirei. Também uma resenha do Celso Gomes sobre o livro de Marcelino Freire, Contos Negreiros, que venceu o Jabuti em 2006. Os poemas certeiros de Paula Cajaty. Meu conto "sonâmbulos", que venceu o concurso Luiz Vilela ano passado também está lá. Fabio Weintraub sob a pena de Gustavo Dumas, uma crítica impecável. E assim por diante.

18 de setembro de 2008

Nasci atrás do palco improvisado por meu pai, no largo duma pequena aldeia dos arredores de Lisboa. Assim que os meus olhos conseguiram focar além dos vinte centímetros que me distanciavam do rosto de minha mãe, devo ter fixado algum pormenor da madeira. Pois durante anos, na imperfeição duma das tábuas que nos acompanharam na doce peregrinação que foi a minha infância, eu via sempre o enigmático olho dum enigmático animal que foi o meu primeiro e mais remoto amigo.
Nasci três horas antes do espetáculo. E embora o meu pai insistisse para que a minha mãe desse as deixas por detrás da cortina azul do fundo do palco deitada na sua cama improvisada, ela preferiu subir à cena para interpretar a costumeira Leonor Telles, ansiosa por mostrar ao público o seu último rebento. E como eu chorasse durante a fala escrita por meu pai com reminiscências de Marcelino Mesquita, em que Leonor enlouquece de paixão o pobre D. Fernando, minha mãe, num gesto arrebatado, tirou para fora o peito inchado e manchou de colostro a camisa de linho de Leonor, donde nenhuma lixívia jamais conseguiu apagar as nódoas amarelas.

Parágrafos iniciais do romance "O pranto de Lúcifer", de Rosa Lobato de Faria (Lisboa, 1932).

7 de setembro de 2008

A sociedade do escape

A Guy Debord

Toda a vida atual consiste
em um seminário de distâncias;
a distância é uma semana invisível
num calendário perdurante,
uma estância perdida onde não se há
o que se é, e o que seria também sucumbe;
um instante posta-se noutro
e o próximo desafago é apenas uma porta aberta
para um longe de afetos frustrados;
o dia encosta na noite, de relógio-alarme
em punho, cerrado de rotinas;
a voz imposta-se no grito de uma árvore
presa em tela seca na garganta;
e por fim uma chama fica cega,
quando a cor de tudo em torno é fuga, sem exílio.

Zeh Gustavo, em "Perspectiva do Quase", uma tocante antologia poética lançada há pouco pela Arte Paubrasil.

5 de setembro de 2008

A tendência deste blog é tratar mais de literatura, mas hoje vou dar uma dica de cinema: Vontade Indômita (The Fountainhead), de King Vidor, de 1949, com Gary Cooper, Henry Hull e Patricia Neal. O filme conta a história do arquiteto Howard Roark, que luta contra uma cidade em fúria para defender seus projetos. Pelos diálogos, pela direção e pelas atuações, este é um dos melhores filmes que já vi.

1 de setembro de 2008

"A velha mantinha passo após passo aquela marcha suspirada e cheia de
- ai, meu deus
sem olhar para os lados, surda para os motores ruidosos que por vezes lhe zuniam nos ouvidos ou para o trepidar de britadeira das rodas ao caírem numa infinidade de buracos, como se o chão fosse mesmo um imenso solavanco. E muito embora o coque cinza e desgrenado preso à cabeça lhe rabiscasse um aspecto perturbado, ela permanecia atenta aos chinelos que gastavam os vãos dos dedos e à neta que, pendurada em sua mão, tentava lhe acompanhar. Por vezes, diminuía o ritmo, balançando o corpo de um lado ao outro para que a pequena acertasse o passo, Primeiro o pé direito depois o esquerdo, ela pensava em dizer, no entanto sabia que em pouco a menina se distrairia com alguma pedra ou qualquer coisa à altura das mãos. Então, quieta a seu canto, a velha procurava com a língua um tanto de saliva para molhar os lábios e se perdia no labirinto de sua memória, dando voltas empoeiradas a se perguntar como haviam chegado naquele resto de mundo tão íngreme. Somente quando os grãos de areia se misturavam à carne ela voltava a se lembrar dos chinelos que lhe comiam os pés, pois lhe ardia não apenas o corpo, mas a garganta esturricada de um
- ai, meu deus"

Trecho do conto "Três a caminho", do livro "Beijando dentes", de Maurício de Almeida. O projeto gráfico desta obra vencedora do Prêmio SESC de Literatura 2007 é algo estupendo. As narrativas da obra são todas surpreendentes, muitas vezes líricas, com trechos maravilhosos. Entretanto, a falta de revisão compromete um pouco o resultado final. Nem os avais da Leyla Perrone, do José Castelo e do Daniel Piza conseguem disfarçar a falta que fez uma meticulosa revisão ortográfica e gramatical. No trecho selecionado um erro grave foi transcrito como está no livro.

27 de agosto de 2008

Primeiro as palavras que fingimos existir e depois as estratégias e depois o pode e deve ser e assim. E depois aqueles consentimentos tímidos que se transformam em deliciosos absurdos límpidos libelos de incontensão. E depois usamos muitas palavras dizendo muito durante horas contando histórias e inventando muita coisa pra fazer amanhã e depois de amanhã. E depois mais desejo e os desdobramentos e aquele tipo de festa e aquele tipo de cansaço. E depois o tempo e os dedos do tempo as raízes do tempo a secura do tempo a umidade excessiva do tempo: os dias começam a se acumular e eu sei o que ela dirá e ela sabe o que eu direi. O que diremos daqui a pouco. O que será dito em cinco minutos. E de novo. E depois eu percebo que ela está olhando nada pela janela está deixando um cigarro aceso no cinzeiro se esquece de regar as violetas ouve o mesmo Liszt folheia uma revista de economia e responde uma coisa sem sentido porque não prestou atenção na minha pergunta: e então eu sei que uma outra figura fulge flameja vibra nos pensamentos dela na pele.

Trecho do conto "É", que está no novo (belo) livro de Luci Collin, "Vozes num divertimento", lançado recentemente pela Travessa dos Editores.

12 de agosto de 2008

O nome da musa

Para Adalgisa Neri

Não te chamo Eva,
não te dou nenhum nome de mulher nascida,
nem de fada, nem de deusa, nem de musa, nem de sibila, nem de terras,
nem de astros, nem de flores.
Mas te chamo a que desceu do luar para causar as marés
e influir nas coisas oscilantes.
Quando vejo os enormes campos de verbena agitando as corolas,
sei que não é o vento que bole, mas tu que passas com os cabelos soltos.
Amo contemplar-te nos cardumes das medusas que vão para os mares boreais,
ou no bando das gaivotas e dos pássaros dos pólos revoando
sobre as terras geladas.
Não te chamo Eva,
não te dou nenhum nome de mulher nascida.
O teu nome deve estar nos lábios dos meninos que nasceram mudos,
nos areais movediços e silenciosos que já foram o fundo do mar,
no ar lavado que sucede às grandes borrascas,
na palavra dos anacoretas que te viram sonhando
e morreram quando despertaram,
no traço que os raios descrevem e que ninguém jamais leu.
Em todos esses movimentos há apenas sílabas do teu nome secular
que coisas primitivas escutaram e não transmitiram às gerações.
Esperemos, amigo, que searas gratuitas nasçam de novo,
e os animais da criação se reconciliem sob o mesmo arco-íris;
então ouvires o nome da que não chamo Eva
nem lhe dou nenhum nome de mulher nascida.

Jorge de Lima (1893 - 1953).

4 de agosto de 2008

Convém lavarmo-nos, pêlos e sombras, solidão e desgraça, também lavei Ehud no fim algumas vezes, sovacos, coxas, o escuro buraco, sexo, bolotas, Ai Senhor, tu tens igual a nós o fétido buraco? Escondido atrás mas quantas vezes pensado, escondido atrás, todo espremido, humilde mas demolidor de vaidades, impossível ao homem se pensar espirro do divino tendo esse luxo atrás, discurseiras, senado, o colete lustroso dos políticos, o cravo na lapela, o cetim nas mulheres, o olhar envesgado, trejeitos, cabeleiras, mas o buraco ali, pensaste nisso? Ó buraco, estás aí também no teu Senhor? Há muito que se louva o todo espremido. Estás destronado quem sabe, Senhor, em favor desse buraco? EStás me ouvindo? Altares, velas, luzes, lírios, e no topo uma imensa rodela de granito, umas dobras no mármore, um belíssimo ônix, uns arremedos de carne, do cu escultores líricos. E dizem que os doutos que Tua Presença ali é a mais perfeita, que ali é que está o sumo, o samadhi, o grande presunto, o prato.


Hilda Hilst, trecho de "A obscena senhora D". Sobre este livro escreveu Caio Fernando Abreu: "A história - se é que há uma história aqui - é simples: após a morte do amante, Hillé, a Senhora D, se recolhe ao vão da escada, 'um Nada igual ao teu, repensando misérias, tentando escapar, como tu mesmo, contornando um vazio, relembrando', em direção à própria morte. Numa prosa que se dilata e contrai, às vezes estufada, barroca, repleta de cintilâncias, outras se fazendo navalha, corte seco, a linguagem de Hilda Hilst avança sobre as camisas-de-força da sintaxe para desvendar insuspeitados espaços. O resultado é um texto que, fora de nossa literatura, ao lado de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, só encontraria paralelo em Joyce ou Samuel Beckett. Mais além: é vivo."

3 de agosto de 2008


Et maintenant, comment voulez-vous que je le regrette,
votre Paris bruyant et noir? Je suis si bien dans mon moulin!
C'est si bien le coin que je cherchais, un petit coin parfumé et chaud, à mille lieues des journaux, des fiacres, du brouillard!... Et que de jolies choses autour de moi! Il y a à peine huit jours que je suis installé, j'ai déjà la tête bourrée d'impressions et de souvenirs... Tenez! pas plus tard qu'hier soir, j'ai assisté à la rentrée des troupeaux dans un mas (une ferme) qui est au bas de la côte, et je vous jure que je ne donnerais pas ce spectacle pour toutes les premières que vous avez eues à Paris cette semaine. Jugez plutôt.

E agora, como sentir falta dessa sua Paris barulhenta e escura? Estou bem no meu moinho! É exatamente o canto que procurei, um cantinho perfumado e quente, a mil léguas dos jornais, dos fiacres, dos nevoeiros!... E quanta coisa bonita ao meu redor! Faz oito dias que me instalei, e já tenho a cabeça cheia de impressões e de lembranças... Veja, ontem à noite assisti ao retorno dos rebanhos para um "mas" (um sítio), que fica abaixo da encosta e juro que não trocaria este espetáculo por todas as premières a que assistiram em Paris esta semana. Julgue você mesmo.

Alphonse Daudet (1840-1897), trecho do romance "Lettres de mon moulin". A tradução é minha. Este post foi só para que pensassem no seguinte: é mesmo necessário morar nas capitais para se escrever uma obra-prima? Claro que a questão de se viver nas cidades grandes passa pelo fato de que nestas metrópoles se concentram as grandes editoras. Em conversa com o Nelson de Oliveira, surgiu a seguinte questão: um gênio morreria despercebido lá no seu interior? Ninguém poderia responder a esta pergunta, mas do mesmo modo que descobriram Van Gogh e Kafka, muitos outros provavelmente estão mortos e bem enterrados até hoje nos porões de sua misantropia.

24 de julho de 2008

To Others than You

Friend by enemy I call you out.

You with a bad coin in your socket,
You my friend there with a winning air
Who palmed the lie on me when you looked
Brassily at my shyest secret,
Enticed with twinkling bits of the eye
Till the sweet tooth of my love bit dry,
Rasped at last, and I stumbled and sucked,
Whom now I conjure to stand as thief
In the memory worked by mirrors,
With unforgettably smiling act,
Quickness of hand in the velvet glove
And my whole heart under your hammer,
Were once such a creature, so gay and frank
A desireless familiar
I never thought to utter or think
While you displaced a truth in the air,

That though I loved them for their faults
As much as for their good,
My friends were enemies on stilts
With their heads in a cunning cloud.

Dylan Thomas (1914-1953).

16 de julho de 2008

Essa história de clichê, de lugar-comum, atormenta os escritores, mas na verdade é difícil definir o que vem a ser essa aberração literária. Vejam a frase:

"É o que lhe peço com o coração nas mãos."

Não dá a impressão de ser um baita chavão? Se qualquer escritor hoje colocasse esse trecho em um conto ou em um texto, seria amaldiçoado. Mas não seu autor: Machado de Assis. Talvez que em 1872, ano em que foi publicada, "coração nas mãos" pudesse não ser uma frase batida, o que não creio.

O fato é que não há livro que não tenha suas metáforas duvidosas, suas construções incertas e não há mestre que consiga uma genialidade perene.

8 de julho de 2008

Concurso de resenhas

Meu conto "sonâmbulos", que foi o vencedor do Prêmio Luiz Vilela ano passado, é objeto de um concurso de resenhas, cujo edital está aqui. Ou aqui. A narrativa pode ser lida, na íntegra, aqui. Participem!

7 de julho de 2008

FLIP 2

Alessandro Baricco é um escritor bem pragmático. Quando questionado sobre a utilidade da literatura, disparou que é a de fazer escritores felizes. Encontrei o Carlos Rosa, do meiotom e da Dulcinéia Catadora, que, junto com sua esposa Lúcia, vendia os belos livros artesanais do projeto. Fernando Vallejo tentou polemizar ao revelar que nunca leu Machado de Assis, mas foi em vão, o público não se importou (talvez a maioria ali também jamais tenha lido nada do escritor carioca). Contardo Calligaris, com sua elegância habitual, narrou os jantares com Lacan. Ingo Schulze tentava falar alemão com quem lhe pedia autógrafos - às vezes sorria quando conseguia se comunicar em seu idioma. Neil Gaiman, cuja obra desconheço completamente, autografou durante mais de cinco horas. Maitê Proença, agora escritora, atraía tietes para o bar onde bebericava alguma coisa.

6 de julho de 2008

FLIP 1

Em Paraty pude ver em ação a Inês Pedrosa, que partilhou a mesa com Cíntia Moscovich e Zoë Heller. Todos gostaram muito da Pedrosa. Uma multidão de fãs esperando pelo autógrafo da portuguesa, mas eu preferi a Zoë. Também a Cíntia estava muito bem. Inês com seu feminismo e sua luta em favor do aborto não convenceu muito. Zoë foi mais honesta com seu pragmatismo. Chegou a dizer que quando aceitou que adaptassem seu livro para o cinema, só pensou no chque e no quanto poderia ficar sossegada para escrever sua ficção. Já Inês deveria falar mais de sua literatura. Zoë é inteligente e certeira. Fala as coisas certas na hora certa e é uma boa escritora. Vi também o Ingo Schulze na mesma mesa que o Modesto Carone. A simpatia do alemão, sua cultura, sua responsabilidade com o ofício, sua literatura surpreendente deixaram o Carone sem ter muito o que dizer. Ainda bem, pois o brasileiro se mostrou um pouco chato com o público. Ao contrário do Contardo Calligaris, um gentleman, muito alegre, simpático e humilde. Seu romance "O conto do amor" estava sendo lançado por lá. Ainda não li, mas o trouxe para casa e se for bom eu devo comentá-lo em breve. Fui para ver também o Alessandro Baricco e não me decepcionei. O escritor italiano mostrou que encara a literatura de maneira bem diferente da dos brasileiros. A mediação do Manuel da Costa Pinto, entretanto, deixou a desejar. A melhor mesa, de longe, foi a do holandês Cees Nooteboom e do colombiano Fernando Vallejo. O Vallejo mostrou que, além de grande escritor, é um indivíduo furioso, prester a explodir por qualquer coisa. Disparou torpedos pesadíssimos contra a igreja católica, contra nosso presidente, contra a literatura de Cees, contra a língua inglesa, contra seu tradutor brasileiro, contra quase tudo que se pode imaginar.

19 de junho de 2008

Darse prisa darse prisa
Están prontas las semillas
Esperando una orden para florecer
Paciencia ya logo crecerán
Y se irán por los senderos de la savia
Por su escalera personal
Un momento de descanso
Antes del viaje al cielo del árbol
El árbol tiene miedo de alejarse demasiado
Tiene miedo y vuelve los ojos angustiados
La noche lo hace temblar
La noche y su licantropía
La noche que afila sus garras en el viento
Y aguza los oídos de la selva
Tiene miedo digo el árbol tiene miedo
De alejarse de la tierra


Trecho do belíssimo "Canto IV", do chileno Vicente Huidobro (1893 - 1948). Do livro "Altazor" (1931).

18 de junho de 2008

O Carlos Nejar prosador é tão bom quanto o Nejar poeta. Leiam o trecho inicial de seu livro "O poço dos milagres":

A noite ficou cega de nascença para as estrelas nos verem - pensei. E ao raiar, a luz não caía bem aquela hora em Pontal de Orvalho, junto ao rio Eufrates, que se mantinha correndo, por não poder parar, como o tempo. E as letras estão todas na foz com as ervas e o limo. Talita, aos onze anos, fazia seu dever de casa. Desajeitada, distraída, simpática e gentil, com algumas sardas no lado esquerdo do rosto. Por certa displicência e desinteresse no vestir, escutou de sua mãe: - Tens roupas novas e não usas. - Fazia que nem ouvia. Desde cedo gostava de ler e seu mundo era mágico. O que é mágico existe sozinho. Solta-se a palavra e ela se inventa. Nada pode embaciá-la. É como se enfia a cara na lua. Ou na luz. E a luz é tão inocente como o lugar onde troveja. Por ser mágico e inóspito. Inventa-se o que não se conhece. E o que se inventa não carece nem de nome, mas de verdade. Não está só quem se inventa e por isso Talita se achava povoada.

16 de junho de 2008

Tantas vezes disseste, tantas disse,
"já não brinco", e com olhos tão graves
como o pôr-do-sol. E porém não sabia
a língua que dançava entre palato e dente
o que é sério afinal. E os olhos
eram redondos néscios, sequer adivinhavam
que coisa é pôr-se o sol. Preciso era
que viesse uma leve e menor mudança,
qual não haver já língua,
qual não haver já olhos,
para saber que não se brinca mais.

Pedro Tamen, no livro "Guião de Caronte". No Brasil, a editora Escrituras lançou, em 2004, sob o título "Caronte e Memória", que reúne dois livros: o já citado Guião e "Memória Indescritível". Pedro Tamen nasceu em 1934, em Lisboa, e atualmente é administrador da Fundação Calouste Gulbenkian.

12 de junho de 2008

Aqui do meu lado descansam empilhados Bombons chineses, a obra completa do Murilo Mendes, Oráculos de maio, Eu receberia as piores notícias dos teus lindos lábios, A república dos sonhos, O veneno da madrugada (este do GG Márquez) e quase em meu colo A rosa do povo. Em qualquer um encontraria um trecho interessante para inserir aqui nesta postagem.
Ou poderia escrever um pouco sobre o caloroso debate que acabei de assistir, entre Daniel Galera e Santiago Nazarian.
Mas resolvi recorrer a um antigo miniconto que escrevi:


A dor

Alimentei-te com o sumo do meu desgosto: eis como te nutri, criança, com essa ironia cândida e belicosa que sugamos do peito alheio por não termos capacidade de gerá-la para nós próprios. Aí surgem os laços, estreitados ou não no decorrer das necessidades. Olhos e coragem de culpa para confessar-te que sou assassino: do mesmo amálgama com que forjei a tua vida, esculpi a morte, dois lados de um mesmo egoísmo, este pleno senhor de todos os devaneios do espírito e sandices da carne. Daí, do teu trono infante, erija um complexo parlatório de desculpas e, do alto: grite, brade, rogue quantas pragas já tiver aprendido, mas saiba que (nenhum desvio te salvará) não há outro caminho que o da desintegração e o da miséria. És um adubo que o tempo começa a curtir. Prevejo que serás outra presa a sucumbir ao paradoxo: ao mesmo tempo em que tentarás encontrar um significado para a tua geralmente longuíssima e tediosa cruzada, não quererás se render jamais aos achaques do corpo ou à cobiça da morte.

3 de junho de 2008

O livro "A poesia em pânico" é o mais violento de Murilo Mendes. Desta obra:


O impenitente

Quem me consolará no mundo vão?
Homens, tenho convosco a relação da forma.
Nuvem sólida, rosa virginal, água branca
E tu, antiga sinfonia aérea,
Pertenceis ao anjo, não a mim.
Eu digo ao pecado: Tu és meu pai.
Eu digo à podridão: Tu és minha irmã.
A presença real do demônio
É meu pão de vida cotidiano:
Minha alma comprime a aleluia gloriosa.

Hóstias puras,
Inutilmente vos ergueis sobre mim.

28 de maio de 2008

Eu sabia que alguma coisa específica no livro "Respiração artificial", do Ricardo Piglia havia me incomodado. Então resolvi pescar o livro na estante para relê-lo. E descobri que foi a epígrafe do primeiro capítulo, um trecho maravilhoso do poema "The dry salvages", do T. S. Eliot:

We had the experience but missed the meaning,
and approach to the meaning restores the experience.

Além disso, há um trecho interessante, em que Piglia junta, em um único parágrafo, vários mestres:

No fim, eu escrevera um romance com essa história, usando o tom de As palmeiras selvagens, ou melhor: usando os tons que Faulkner adquire quando traduzido por Borges, com o que, sem querer, o relato ficou parecendo uma versão mais ou menos paródica de Onetti.


O trecho eu retirei da edição da Iluminuras, de 1987, em tradução da Heloisa Jahn. Quem quiser conhecer todos os versos do poema "The dry salvages", aqui.

21 de maio de 2008

E então as formigas vermelhas e as baratas começaram a proliferar-se com especial ferocidade. Alguma coisa encontram nesta seca que as ajuda a se reproduzir, dizem alguns; outros garantem que sempre estiveram por aí, como animais subterrâneos, e que só aparecem de noite; mas chega o momento em que devem sair à superfície para buscar a comida a toda hora, arriscando-se ao sol e às pisadas. Lucio respeita as formigas pela sua vontade de criar seus próprios palácios; em compensação, detesta o oportunismo das baratas, que tomam de assalto qualquer tubulação, caverna, buraco, canal ou amontoado de livros. Mas esse mesmo desprezo o motiva a criá-las e alimentá-las no quarto ao lado, onde joga os livros censurados, pois considera que esse deve ser seu indigno fim. O fogo não lhe parece uma punição adequada; isso dá a um livro oco a utilidade de produzir calor, a notoriedade de se tranformar em luz. O inferno deve ser alguma coisa que consuma lentamente, entre urina e goelas que pulverizem com tenacidade capas, orelhas, fotografias de autores e autoras, com a pose de intelectual de uns e o desejo de beleza de outras. Os bichos terão de regurgitar prêmios, conquistas e, sobretudo, elogios falsos, uma das maiores obras, mostra da enorme qualidade literária, um lugar privilegiado nas letras, pode ingressar no templo dos grandes escritores, sua obra ocupa um lugar de destaque e tantas outras tentativas de empurrar livros sem motor próprio. Imagina com prazer uma barata pondo seus ovinhos cor de café sobre aquela obscura frase de Soledad Artigas em que ela declara que Margarita se sentiu como um cometa que, para além do firmamento, procura pousar no planeta que a acolha como uma amorosa mulher estéril; ou deixando cair seu minúsculo esterco sobre personagens como Raúl Sarabia, que, em vez de morrer com dignidade, como Josep Trovich ou Basualdo Fornes, falece dando lições de história e filosofia e falso amor pelo México, e desejava que esse romance se fechasse abruptamente, desembuchando a incauta barata, fazendo com que ela evacuasse sua linfa amarelenta sobre qualquer um dos diálogos tão perfeitamente elaborados como, se o senhor me permite, doutor Sarabia, devo dizer-lhe, entretanto, que, a despeito do seu peculiar interesse pela senhorita Carrington, o senhor tem, como dever primeiro, a pátria, assim sendo, o senhor deve compreender, e sem dúvida há de convir que... e, assim, a morte do inseto esmagado pareceria uma obra de arte entre tanto vocábulo insosso.

Trecho do romance "O último leitor", de David Toscana, em tradução de Ana Lúcia Pelegrino e Magali Pedro, para a Casa da Palavra. Edição de 2005.

20 de maio de 2008

Amanhã ou depois eu prometo postar aqui uns trechos do David Toscana ou então do Enrique Vila Matas. Hoje eu só quero convidá-los a ler uma matéria minha sobre o novo livro do Deonísio da Silva, que saiu no Observatório da Imprensa.

6 de maio de 2008

Continuò a girare, l'automobile, per un tempo che nessuna lancetta misurò mai. Elizaveta non contò quante volte vide il rettilineo d'arrivo, ma si accorse che a poco a poco quel che Ultimo
aveva cercato spesso di spiegarle, stava succedendo. Sentì ogni curva sciogliersi gradualmente nell'ordine illogico di un unico gesto, e trovò nella propria mente il cerchio che non esisteva se
non per lei. Nel cuore della velocità, trovò la perfezione di un semplice anello. Pensò allora all'infinito caos di ogni vita, e all'arte sopraffina delle cose che sanno pronunciarlo in un'unica
figura, compiuta. E capì cosa ci commuove nei libri, nello sguardo dei bambini e negli alberi solitari, in mezzo alla campagna. Quando si accorse di essere scesa nel segreto di quel disegno,
chiuse gli occhi, vide gli occhi di Ultimo, sorrise. Poi appoggiò una mano sul braccio del ragazzo che guidava. L'automobile rallentò come se si fosse staccata dall'invisibile forza che fin lì l'aveva trascinata. Percorse sulla spinta ancora due curve, che tornarono, in quella antica lentezza, a sembrare curve. Poi, giunta sul rettilineo, la macchina si fermò.


Continuou rodando, o automóvel, por um tempo que nenhum ponteiro jamais mediu. Elizaveta não contou quantas vezes viu a reta de chegada, mas percebeu que, aos poucos, o que Ultimo muitas vezes procurara lhe exolicar agora estava acontecendo. Sentiu cada curva se desmanchar gradualmente na ordem ilógica de um único gesto e encontrou na própria mente o círculo que só existia para ela. No coração da velocidade, encontrou a perfeição de um simples anel. Pensou, então, no caos infinito de toda vida e na arte requintada das coisas que sabem pronunciá-lo numa única figura, completa. E compreendeu o que nos toca nos livros, no olhar das crianças e nas árvores solitárias, no meio do campo. Quando percebeu que havia descido no segredo daquele desenho, fechou os olhos, viu os olhos de Ultimo, sorriu. Depois, apoiou uma das mãos no braço do rapaz que dirigia. O carro desacelerou como se tivesse se despregado da força invisível que o arrastara até ali. Percorreu no embalo mais duas curvas, que voltaram, naquela antiga vagarosidade, a parecer curvas. Depois, ao chegar à reta, o carro parou.

Trecho de "Questa storia" (Esta história), de Alessandro Baricco. A tradução é de Roberta Barni e foi lançada pela Companhia das Letras. O romance conta a história de Ultimo, um sonhador que se apaixona por carros quando criança e persegue, durante a segunda guerra, o desejo de construir um circuito fechado, para que nele jamais seja disputada nenhuma prova.

20 de abril de 2008

All'uomo più imprendibile del Giappone, al padrone di tutto ciò che il mondo riusciva a portare via da quell'isola, Hervé Joncour provò a raccontare chi era. Lo fece nella propria lingua, parlando lentamente, senza sapere con precisione se Hara Kei fosse in grado di capire. Istintivamente rinunciò a qualsiasi prudenza, riferendo senza invenzioni e senza omissioni tutto ciò che era vero, semplicemente. Allineava piccoli particolari e cruciali eventi con voce uguale e gesti appena accennati, mimando l'ipnotica andatura, malinconica e neutrale, di un catalogo di oggetti scampati a un incendio.
Hara Kei ascoltava, senza che l'ombra di un'espressione scomponesse i tratti del suo volto. Teneva gli occhi fissi sulle labbra di Hervé Joncour, come se fossero le ultime righe di una lettera d'addio. Nella stanza era tutto così silenzioso e immobile che parve un evento immane ciò che accadde all'improvviso, e che pure fu un nulla.
D'un tratto,
senza muoversi minimamente,
quella ragazzina,
aprì gli occhi.
Hervé Joncour non smise di parlare ma abbassò istintivamente lo sguardo su di lei e quel che vide, senza smettere di parlare, fu che quegli occhi non avevano un taglio orientale, e che erano puntati, con un'intensità sconcertante, Su di lui: come se fin dall'inizio non avessero fatto altro, da sotto le palpebre. Hervé Joncour girò lo sguardo altrove, con tutta la naturalezza di cui fu capace, cercando di continuare il suo racconto senza che nulla, nella sua voce, apparisse differente. Si interruppe solo quando gli occhi gli caddero sulla tazza di te, posata per terra, davanti a lui. La prese con una mano, la portò alle labbra, e bevve lentamente. Ricominciò a parlare, mentre la posava di nuovo davanti a sé.



Ao homem mais inexpugnável do Japão, ao dono de tudo o que o mundo conseguisse levar daquela ilha, Hervé Joncour tentou contar quem era. Falou em seu próprio idioma, lentamente, sem saber com certeza se Hara Kei podia entender. Instintivamente renunciou a qualquer prudência, informando sem invenções e sem omissões tudo aquilo que era verdadeiro, simplesmente. Alinhava pequenos detalhes e acontecimentos cruciais com voz igual e gestos apenas esboçados, areemedando o hipnótico ritmo, melancólico e neutro, de um catálogo de objetos salvos de um incêndio. Hara Kei escutava, sem que nenhuma sombra de expressão alterasse os traços de seu rosto. Mantinha os olhos fixos nos lábios de Hervé Joncour, como se fossem as últimas linhas de uma carta de adeus. No cômodo tudo estava tão silencioso e imóvel, que pareceu desmedido o que ocorreu de súbito e que, no entanto, foi um nada.
De repente,
sem movimento algum,
a menina
abriu os olhos.
Hervé Joncour não parou de falar, mas baixou instintivamente o olhar para ela, e o que viu, sem parar de falar, foi que aqueles olhos não tinham o corte oriental e estavam apontados, com uma intensidade desconcertante, para ele: como se desde o início não tivessem feito outra coisa, sob as pálpebras. Hervé Joncour virou o olhar para outra parte, com toda a naturalidade de que foi capaz, tentando continuar sua narrativa sem que nada, em sua voz, parecesse diferente. Interrompeu-se só quando seus olhos baixaram para a xícara de chá, no chão, diante dele. Pegou-a com uma das mãos, levou-a aos lábios e bebeu lentamente. Recomeçou a falar, enquanto a punha de novo diante de si.


Trecho do romance "Seta" (Seda), do italiano Alessandro Baricco. Em português a tradução de Léo Schlafman, para a editora Companhia das Letras (2007). Na orelha da versão brasileira: Baricco nasceu em 1958, em Turim, onde mora ainda hoje. Estreou na literatura aos 33 anos, e é considerado um dos principais escritores contemporâneos da Itália. Seda foi traduzido para dezesseis idiomas e virou filme de François Girard.

14 de abril de 2008

Aqui, uma resenha que escrevi sobre o livro "O diário escarlate", do americano Louis Auchincloss, em tradução de Rafael Mantovani, lançado pela editora "A girafa", em 2005.

8 de abril de 2008

Há um personagem do Alphonse Daudet, que anda esquecido aqui no Brasil. É o Tartarin.

O romance "Tartarin de Tarascon" começa assim:

"Ma première visite à Tartarin de Tarascon est restée dans ma vie comme une date inoubliable ; il y a douze ou quinze ans de cela, mais je m’en souviens mieux que d’hier. L’intrépide Tartarin habitait alors, à l’entrée de la ville, la troisième maison à main gauche sur le chemin d’Avignon. Jolie petite villa tarasconnaiseavec jardin devant, balcon derrière, des murs très blancs, des persiennes vertes, et sur le pas de la porte une nichéede petits Savoyards jouant à la marelle ou dormant au bon soleil, la tête sur leurs boîtes à cirage."

Em tradução de Ondina Ferreira:

"A primeira visita que fiz a Tartarin de Tarascon permaneceu na minha vida como data inesquecível; isso aconteceu há cerca de dez ou quinze anos, mas dela me lembro melhor do que do dia de ontem. O intrépido Tartarin morava, então, à entrada da cidade, na terceira casa à esquerda, no caminho de Avinhão. Bonita vivendazinha tarasconesa com jardim na frente, terraço aos fundos, paredes muito brancas, persianas verdes, e, nos degraus à soleira da porta, uma ninhada de pequenos saboianos brincando de amarelinha, ou dormindo ao sol, com a cabeça pousada nas suas caixas de engraxates."

4 de abril de 2008

Escrevi um pequeno comentário sobre o livro "A morte de um estranho", do ucraniano Andrei Kurkov. Leia aqui.

31 de março de 2008

Esta dica é em especial para o Alexandre.

Se tem um livro que eu gosto do García Márquez e que eu acho que foi muito bem escrito, meticulosamente escrito, é "El otoño del patriarca". É um romance que a gente tem que ler várias vezes, a vida inteira.

"Durante el fin de semana los gallinazos se metieron por los balcones de la casa presidencial, destrozaron a picotazos las mallas de alambre de las ventanas y removieron con sus alas el tiempo estancado en el interior, y en la madrugada del lunes la ciudade despertó de su letargo de siglos con una tibia y tierna brisa de muerto grande y de podrida grandeza. Sólo entonces nos atrevimos a entrar sin embestir los carcomidos muros de piedra fortificada, como querían los más resueltos, ni desquiciar con yuntas de bueyes la entrada principal, como otros poponían, pues bastó con que alguien los empujara para que cedieran en sus goznes los portones blindados que en los tiempos heroicos de la casa habían resistido a las lombardas de William Dampier."


Em tradução de Remy Gorga Filho:

"Durante o fim de semana, os urubus meterem-se pelas sacadas do palácio presidencial, destroçaram a bicadas as malhas de arame das janelas e espantaram com suas asas o tempo parado no interior, e na madrugada da segunda-feira a cidade despertou de sua letargia de séculos com uma morna e terna brisa de morto grande e de apodrecida grandeza. Só então nos atrevemos a entrar sem investir contra os carcomidos muros de pedra fortificada, como queriam os mais decididos, nem arrombar com juntas de bois a entrada principal, como outros propunham, pois bastou que alguém os empurrasse para que cedessem em seus gonzos os portões blindados que nos tempos heróicos da casa haviam resistido aos canhões de William Dampier."

Na orelha escrita pelo tradutor, podemos ler:

"Toda a fauna que povoa estas 260 páginas, nada disto é tão fantástico e tão real (ao mesmo tempo) quanto a triste e solitária figura do Patriarca, um homem que tem uma idade indefinida ente os 107 e os 232 anos. Perdido nas troneiras da memória, dono de muitas vidas e muitas mortes, dele não se viam mais que os tristes olhos, os lábios pálidos, a mão pensativa dando adeusinhos. Como todo ditador, distante da realidade do seu povo, mal-informado, erra nas decisões, mas decide sempre no sentido de afirmar seu poder e de se perpetuar."

29 de março de 2008

21 de março de 2008



The rabbit catcher

Ted Hughes

It was May. How had it started? What
Had bared our edges? What quirky twist
Of the moon's blade had set us, so early in the day,
Bleeding each other? What had I done? I had
Somehow misunderstood. Inaccessible In your dybbuk fury, babies
Hurled into the car, you drove. We surely
Had been intending a day's outing,
Somewhere on the coast, an exploration -
So you started driving.
What I remember
Is thinking: She'll do something crazy. And I ripped
The door open and jumped in beside you.
So we drove West. West. Cornish lanes
I remember, a simmering truce
As you stared, with iron in your face,
Into some remote thunderscape
Of some unworldly war. I simply
Trod accompaniment, carried babies,
Waited for you to come back to nature.
We tried to find the coast. You
Raged against our English private greed
Of fencing off all coastal approaches,
Hiding the sea from roads, from all inland.
You despised England's grubby edges when you got there.
That day belonged to the furies. I searched the map
To penetrate the farms and private kingdoms.
Finally a gateway. It was a fresh day,
Full May. Somewhere I'd bought food.

O caçador de coelhos

(Tradução de Paulo Henriques Britto)

Era maio. Como foi que começou? O que
Pôs a nu os nossos gumes? Que súbita virada
Da lâmina da lua nos levou nessa manhã, tão cedo,
A tirar sangue um do outro? O que fizera eu? Algum
Mal-entendido. Inacessível
Em sua fúria de dibuk, você jogou
No carro as crianças e partiu. Com certeza
Planejáramos algum passeio
A algum lugar na costa, uma viagem de família -
E assim você saiu com o carro.
Lembro
Pensar: Ela vai fazer uma loucura. À força
Abria porta e sentei-me ao seu lado.
Seguimos para o oeste. Oeste. Estradas estreitas
Da Cornualha, lembro, uma trégua tensa,
Você olhando fixamente, olhar de ferro,
Para alguma remota paisagem destruída
De alguma guerra imaginária. Eu simplesmente
A acompanhava, carregava crianças,
Esperava que você voltasse ao normal.
Tentamos encontrar a costa. Você
Deblaterava contra a ganância dos ingleses,
Mania de cercar todos os acessos à costa,
Escondendo o mar das estrelas, de todo o interior.
Chegando, execrou a imundície de nossas praias.
Aquele dia era das fúrias. Vasculhei o mapa,
Investigando fazendas e reinos privados.
Por fim, uma passagem. Era um dia limpo,
Em pleno maio. Eu comprara comida em algum lugar.


Estes são os versos iniciais da poesia "O caçador de coelhos", que está em "Cartas de aniversário". Este livro, Ted Hughes escreveu para sua primeira esposa, a poetisa Sylvia Plath, que se suicidou aos trinta anos, de uma forma que se tornou clássica: enfiando a cabeça no forno e ligando o gás. Hughes, com ou sem razão, não vem ao caso, foi perseguido pelas feministas da época. Depois que sua segunda esposa, Assia Wevill, se matou, a coisa pareceu piorar ainda mais. Nas palavras de Leonardo Fróes: "Ted Hughes, cujo destino amoroso foi ainda mais trágico que o de poetas ingleses de outras eras também sujeitos a grandes infortúnios, como o romântico Percy Bysshe Shelley ou o elizabetano Walter Ralegh, rompeu com 'Cartas de aniversário' um silêncio de 35 anos, para afinal admitir-nos à intimidade que aqui se descortina. Tinha sem dúvida essa necessidade que vemos - a de mostrar-se na maior inteireza para mostrar ao mesmo tempo que os amores humanos, por mais intensos que sejam, nem sempre dão muito certo. Diante de experiência tão forte e inusual, ouvir o depoente sem a tentação de julgá-lo é a postura mais sensata para quem se encontra hoje tão distante de tudo. Mas é impossível abstrair-se do enredo e percorrer este livro, 'apenas', como uma coleção de poemas. O romance que nele está contido nos envolve e arrasta a procurar verso a verso pelos fios da intriga."

20 de março de 2008

Primeiro o autor: Andrei Kurkov nasceu em 1961, na Ucrânica. É escritor, jornalista e roteirista. Autor de treze romances e novelas, cinco livros infantis e mais de vinte roteiros para filmes e documentários cinematográficos, foi editor da revista Dnipro. Na imprensa européia, é conhecido por retratar por um um viés ácido e com toques de nonsense o cotidiano colapsado de uma sociedade pós-União Soviética.
É o que se lê nas orelhas do livro "A morte de um estranho", lançado aqui no Brasil pela editora "A girafa", em 2006, traduzido do russo por Nivaldo Santos. O autor é best-seller, seu romance "Piquenique no gelo" vendeu mais de 150 mil exemplares. Mas isso não quer dizer nada. O livro "A morte de um estranho" é bom, é excelente, tem um humor sarcástico, bastante irônico. A trama é interessantíssima, eu recomendo.
Vai um trecho aí logo do início do romance:
"Noite. Cozinha. Escuridão. Simplesmente desligaram a eletricidade e a luz apagou. Na escuridão ouviam-se os passos do pingüim Micha; ele aparecera na casa de Viktor um ano atrás, no outono, quando o zoológico distribuíra animais famintos a todos que pudessem sustentá-los. Então Viktor pegara um pingüim real. Exatamente uma semana antes disso, sua namorada o havia deixado. Ele ficara sozinho, e o pingüim Micha trouxera consigo a sua própria solidão; agora, os dois solitários simplesmente completavam um ao outro, criando a impressão mais de interdependência do que de amizade."

10 de março de 2008

Nas orelhas do livro "O jovem Törless", de Robert Musil, editado em 1982 pela Editora Nova Fronteira, com tradução de Lya Luft, podemos ler:

"O jovem Törless (Die Verwirrungen des Zöglings Törless - As perturbações do aluno Törless) é o primeiro romance de Robert Musil. Lançado em 1906, nele já estão presentes as audaciosas análises psicológicas que logo depois se tornariam características do expressionismo alemão. Trata-se de um estudo da adolescência no qul Musil coloca sua própria experiência como ex-aluno de um colégio militar austríaco, e onde a matéria e a forma quase se retraem em favor da penetração poética na 'alma' dos personagens.
Além disso, com três décadas de antecedência, a história do jovem Törless pode se lida - e sobretudo pensada - como uma antecipação do nazismo e suas motivações psicológicas baseadas na violentação do indivíduo pelo sistema."

Assim, seleciono um trecho do romance:

"Pensou nos antigos quadros que vira em museus, sem entendê-los bem. Esperava alguma coisa, como sempre esperara diante daquelas pinturas... Algo que jamais acontecia... O quê? Algo surpreendente, jamais visto; uma visão monstruosa, da qual não tinha a menor idéia; uma terrível sensualidade animal, que o pegasse pelas unhas e o dilacerasse, começando pelos olhos; uma experiência que... devesse se ligar... de uma forma ainda muito imprecisa... aos vestidos sujos das mulheres, com suas mãos grossas e a miséria dos seus quartinhos, com a lama dos quintais... Não, não; não é tão ruim como as palavras o fazem parecer; é algo mudo... um nó na garganta... um pensamento quase imperceptível, que só brota quando a todo custo se quer dizê-lo em palavras; mas então seria parecido apenas de longe, como algo imensamente aumentado, onde não somente se vê tudo mais nítido, mas também se percebem coisas que sequer existem... Ainda assim, aquilo o envergonhava."

1 de março de 2008

Um motim de açucenas, um albergue
de peixes, uma espada
(se te moves) um largo meridiano
de painas e centelhas apresadas.
Um fio para que cantes, um silêncio
de mão jogada ao fruto, um vago, um livre
passeio de tendões rumo a si mesmos.

Ah, se te moves, que não buscas nada,
que não conquistas, colhes ou retomas,
que és tu, lançado e frio, êste motim
que imagino e alimento, contra mim.


Assim se inicia o livro "Cantata", de Walmir Ayala, Prêmio Olavo Bilac da Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro em 1961. A comissão que julgou o certame foi composta por Manuel Bandeira, Ledo Ivo e Carlos Drummond de Andrade. Ayala nasceu em Porto Alegre, RS, em 1931 e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 1991.

25 de fevereiro de 2008

Autoritárias, paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito, também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos, Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas, dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda, tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos, coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra frase de efeito é permitida, nos novelos da vida.

Trecho do romance "A caverna", de José Saramago.

24 de fevereiro de 2008

Na página de Leia livro eu falo sobre uma das obras mais interessantes da literatura mundial: As ilusões perdidas, de Honoré de Balzac.

20 de fevereiro de 2008

Marta permaneceu no cais vendo o navio afastar-se lentamente, até não mais distinguir a fisionomia de sua mãe quebrada por um pranto súbido, irrompido no derradeiro instante da despedida, como se apenas nesse momento ela se tivesse dado conta de uma realidade que, embora preexistindo, só agora divisava claramente. Em pouco sua silhueta se foi apagando, confundindo-se com as manchas de cor dos vultos de outros viajantes, depois já não se vendo senão o bojo do navio, até que também este começou a diminuir, à medida em que acelerava a marcha em demanda à barra.
As pessoas que se aglomeravam no porto foram cedendo à lassidão do cansaço, dispersando-se vagarosamente debaixo do sol de meio-dia entre debilmente chorosas e secretamente aliviadas da prolongada tensão da despedida, recobrando a consiência da inutilidade de continuarem acenando com os lenços no ar, sentindo-se elas próprias quais trapos moles e pendentes.

Parágrafos iniciais do romance "O muro de pedras", de Elisa Lispector, Prêmio José Lins do Rego, da Livraria José Olympio Editora, em 1963; Prêmio Coelho Neto, da Academia Brasileira de Letras, em 1946.

18 de fevereiro de 2008

Qui manducat meam carnem, et bibit meum sanguinem, in me manet, et ego in illo. Quem come o meu corpo, e bebe o meu sangue (diz Cristo) está em mim, e eu estou nele. Se perguntarmos aos Intérpretes o entendimento destas palavras, todos respondem que significam uma união real e verdadeira, com que por meio da comunhão ficamos unidos a Cristo. Isto dizem os Expositores e os Teólogos comumente; mas eu, com licença sua, tenho para mim, que neste mistério não há só uma união, senão duas, e essas mui diferentes: uma união, com que Cristo nos quis unir consigo; e outra união, com que nos quis unir conosco. O efeito da primeira união, é estarmos unidos com Cristo: o efeito da segunda união, é estarmos unidos entre nós. Pnderemos o nosso texto: Qui manducat meam carnem, et bibit meum sanguinem: Quem come o meu corpo, e bebe o meu sangue. In me manet, et ego in illo: está em mim, e eu estou nele. Reparo muito nesta duplicação de termos: ele em mim, e eu nele. Se Cristo na comunhão pretendera somente unir-se conosco, um destes termos bastava, e o outro era supérfluo. Provo. Porque para estas duas mãos estarem unidas, basta que a direita esteja na esquerda, ou a esquerda na direita. Da mesma maneira para Cristo e nós estarmos unidos, basta que nós estejamos em Cristo: In me manet: ou que Cristo esteja em nós: Et ego in illo. Pois se para explicar a união que há entre Cristo e o que comunga, bastava qualquer destes termos; porque os dobra e multiplica Cristo? Por isso mesmo. Dobra Cristo e multiplica os termos, porque também a união se dobra e se multiplica. Se a união fora uma só, bastava dizer: In me manet ou et ego in illo, mas diz: in me manet et ego in illo duplicadamente, para significar as duas uniões que obra aquele mistério: uma união imediata com que nos unimos a Cristo, e outra união mediata, com que mediante Cristo nos unimos entre nós. Notai os termos destas uniões, e vereis como são distintas. Uma união se termina de nós a Cristo: In me manet e outra união se termina de Cristo a nós: et ego in illo. Pela união que se termina de Cristo a nós, fica Cristo unido a cada um de nós, e como dividido de si: pela união que se termina de cada um de nós a Cristo, ficamos todos unidos com Cristo, e todos unidos entre nós.

Trecho do "Sermão do Santíssimo Sacramento", de Antonio Vieira. Há uma bela edição da Hedra, de 2003, em dois volumes, organizada pelo estudioso Alcir Pécora, com os principais sermões do padre.

15 de fevereiro de 2008

Meu novo livro de contos, Abismo Poente, fala sobre a vinda de Libaneses para o Brasil. Não há como fugir da pesquisa. Para quem quer conhecer um pouco do Líbano, dos conflitos que ocorrem por lá até hoje, da origem do Hezbollah, recomendo o livro (infelizmente ainda não traduzido para o português) "Lebanon - A house divided", de Sandra Mackey, de 2006. Dois trechos para vocês apreciarem o estilo da autora:

In Lebanon Phoenician was besieged by Greek, Christian was martyred by Muslin; and in the unfinished struggle for cultural dominance, Lebanese murder Lebanese ina a bloody contest for the nation's identity.

By 1400 B.C., the Phoenicians hold a monopoly on the cedar forests that covered the mountains behind the port of Byblos. Thus, emissaries of Egypt's great pharaohs trekked north to buy wood to embellish their grand public buildings, and oil and resin to preserve their dead. In time, every Egyptian death meant money in a Phoenician pocket.

9 de fevereiro de 2008

Todo escritor gosta de participar de um concurso literário, não? Um pouco pelo dinheiro, outro pelo reconhecimento e mais um tanto para testar a qualidade de seus trabalhos. Há três páginas na Internet, que são bem completas, trazem muitos editais de certames em língua portuguesa. Os três se completam: Meiotom, Encantadores de Serpente e Concursos literários, esta última uma comunidade do Orkut. Se me permitem umas dicas: não participar de concurso que exija taxa de inscrição. Normalmente este dinheiro é utilizado para bancar a edição do livro com os trabalhos premiados e ainda sobra um troco para o organizador do concurso. Não participar de concursos que premiam os três primeiros colocados e rateiam a publicação dos demais em sistema cooperativado (o organizador do concurso certamente está embolsando uma grana aí também). Desconfiar de certames que pedem tema ou número fixo de páginas.

4 de fevereiro de 2008

John Robie, um ex-ladrão de jóias, mais conhecido como "Gato", pelo seu modo silencioso e rápido de escalar telhados, é acusado de uma nova série de assaltos e precisa fugir do restaurante do amigo Bertani (Charles Vanel), onde a polícia chega para caçá-lo. Bertani pede a Danielle (Brigitte Auber) que o ajude.

Bertani - Leve o Sr. Robie até o Beach Club. O que está esperando? Faça o que lhe pedi. Rápido!

Danielle - Ok, Sr. Gato, vamos!

Robie - Danielle, por favor, não me chame assim.

Danielle - Só faço um favor por dia.

A cena está no filme "Ladrão de casaca" (To catch a thief), de Hitchcock, de 1955.

3 de fevereiro de 2008

Diálogo de “Era uma vez no oeste”, de Sergio Leone: Harmonica (Charles Bronson) diz para Cheyenne (Jason Robarts). Eles estavam medindo forças:

- Então sabe contar até dois!

Cheyenne levanta a arma até seu rosto e responde:

- Até seis, se for preciso! E talvez mais rápido do que você.

(O roteiro é do Bernardo Bertolucci.)

2 de fevereiro de 2008

Um ar de família


Felipe Fortuna


“A crítica contemporânea está realmente aparelhada de forma também contemporânea?” A pergunta, feita ao poeta Manoel Ricardo de Lima na revista Modo de Usar & Co., reflete uma incompreensão da função da crítica: afinal, esta é mesmo contemporânea quando surge no instante subseqüente ao da obra sobre a qual discorre. O exemplo da crítica de Mario Faustino é aqui lapidar: no momento exato em que analisou a obra de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Cassiano Ricardo, a maioria desses poetas estava viva e exercia notável influência no seu entorno literário. Famosamente, Mario Faustino assim julgou o poeta Drummond, valendo-se da terminologia encontrada em Ezra Pound: “Não escreve a sério sobre poesia, (...) nem oralmente nem por escrito. (...) É, quando muito, um master. Não é um inventor (...).” A leitura das cartas encaminhadas a Mário de Andrade, por exemplo, indica que o crítico não estava longe de uma avaliação muito precisa sobre o alheamento do poeta mineiro quanto à evolução da poesia brasileira em sua época.

Porém, uma nova pergunta feita pela revista indica maior confusão: “Você acha que a crítica ainda segue parâmetros que a poesia de hoje põe justamente em cheque [sic]?” Em língua portuguesa, deve-se escrever xeque no lugar daquele documento bancário – mas os editores já haviam prometido “um clima de intervenção”. O que importa, no entanto, é reconhecer que a evolução da poesia (e tudo o que supostamente vier a ser questionado nessa evolução) não deverá, necessariamente, alterar o conjunto de características da crítica literária. Na análise provocadora que Décio Pignatari fez do soneto “Áporo”, de Carlos Drummond de Andrade, jamais se reclama de que um modernista escreveu um soneto, forma de resto exorcizada vigorosamente também pelos concretistas. Na resposta à pergunta, Manoel Ricardo de Lima vai ao ponto: “Não é um problema da crítica, apenas, mas também do poema, ambos como política, política sempre como um nó do real (...).”

Como se comentou anteriormente, a multiplicação de revistas e antologias literárias não vem afirmando a presença de uma tendência dominante ou de jovens poetas “com voz forte”. Paradoxalmente, reforça-se a percepção quanto à dificuldade de se constituir vida literária no país, o que já tinha sido divulgado por Mario Faustino no mesmo artigo em que avaliou tão severamente os poetas em atividade: “Vida literária, emulação, reuniões sérias, leituras de poesia inédita, troca de experiências, debates, nada disso temos. Quando se conversa sobre um poema, o mais que sai, em geral, é o ‘tá bom’, o ‘muito ruim’, o ‘é uma beleza’. Em lugar disso tudo, há o fenômeno amizade, o mesmo que se verifica em nossa administração, em nossa política: meu amigo escreve bem, meu inimigo escreve mal.”

Um dos editores de Modo de Usar & Co., Fabiano Calixto publicou Sangüínea (Editora 34, 127p., R$26), que reúne seus poemas do período 2005-2007. Era de se esperar (pois os editores prometeram “a mesma responsabilidade imposta a si mesmos”) que a produção respondesse aos princípios constantes na apresentação da revista, ou seja, o surgimento de “possíveis novas formas”. Nada, contudo, distingue os poemas do livro da corrente poética que exibe influências da canção popular (não apenas brasileira), da citação ou da alusão literária entremeada aos versos, além das técnicas de composição trazidas pelo modernismo. Num poeta tão refratário ao pedantismo (tema obcecante em poemas, artigos e entrevistas), surpreende a quantidade de citações, em três línguas, que praticamente transforma alguns dos versos em palimpsestos.

Mais significativo é perceber o que Marcos Siscar denominou “a retórica das dedicatórias” nos poemas de Fabiano Calixto, que o crítico vai explicar sem perceber que denuncia a dimensão menor dessa poesia: “Com os fios da amizade poética, explicitando laços e afinidades, Sangüínea vai tecendo um espaço comum, um ar de família, na tentativa de estabelecer comunidade.” Na apresentação do mesmo livro, mal escapando à anotação típica do colunismo social, Carlito Azevedo observa que “Fabiano Calixto é um poeta que sabe se fazer querido pelos amigos. E alguns dos belos-amaros poemas deste livro praticam um procedimento que consiste em transformar numa espécie de ‘voz off’ as vozes de amigos (...)”.

Recolho uma estrofe de “A Falta que Ela me Faz”:

ontem falei ao telefone com Carlito

(estava calçando seu All-star verde

e ia dar uma volta à Lagoa com Marilinha).

Com desenvoltura, o livro é bem o modelo endogâmico que transforma os amigos e poetas em audiência receptiva e cúmplice de um contexto já conhecido; ainda mais marcante na série de poemas reunida em “Caixa de Saída”, onde o poeta envia e-mails para algumas amistosas admirações.

Também dedica “Soneto” a Dirceu Villa, o mesmo que escreveu a seguinte crítica sobre livro em que está citado também nos agradecimentos: “Fabiano Calixto é meu amigo, o que tornaria as coisas complicadas para mim, neste exato momento, se não fosse o ótimo poeta que é. (...) Foi um dos agraciados do PAC do ano passado, e a gente agradece ao PAC por esse tipo de coisa.” Quem é a gente – um coletivo de poetas? Aqui o elogio cordial ao amigo se estende ao Programa de Ação Cultural, mantido pelo Estado de São Paulo, que subvencionou Sangüínea. Assim se fecha um ciclo: o crítico fraterno fala bem do poeta e, no caminho, também da ajuda governamental. Mas o crítico não está sozinho: ele é “a gente”. E isso é Brasil.

Lírico e ardoroso, Fabiano Calixto pergunta em “E-Mail para Paul McCartney”:

as canções

de que são feitas?

da mesma erupção de

azuis de que são feitos

os oceanos? ou

do mesmo tecido que

veste vôos de borboletas? (...)

Mais adiante, continua a indagar:

da coleção de fuzilamentos

de mulheres

como Anna Akhmátova?

Aqui a emoção fica suspensa, infelizmente, pelo erro de informação biográfica, pois a poeta russa morreu de causas naturais numa casa de repouso, havendo realizado o milagre de sobreviver a Joseph Stálin. Contra os fatos não há argumentos – mas haverá a canção?


Matéria publicada no caderno Idéias & Livros, do Jornal do Brasil, hoje, dia 02 de fevereiro de 2008.