"A velha mantinha passo após passo aquela marcha suspirada e cheia de
- ai, meu deus
sem olhar para os lados, surda para os motores ruidosos que por vezes lhe zuniam nos ouvidos ou para o trepidar de britadeira das rodas ao caírem numa infinidade de buracos, como se o chão fosse mesmo um imenso solavanco. E muito embora o coque cinza e desgrenado preso à cabeça lhe rabiscasse um aspecto perturbado, ela permanecia atenta aos chinelos que gastavam os vãos dos dedos e à neta que, pendurada em sua mão, tentava lhe acompanhar. Por vezes, diminuía o ritmo, balançando o corpo de um lado ao outro para que a pequena acertasse o passo, Primeiro o pé direito depois o esquerdo, ela pensava em dizer, no entanto sabia que em pouco a menina se distrairia com alguma pedra ou qualquer coisa à altura das mãos. Então, quieta a seu canto, a velha procurava com a língua um tanto de saliva para molhar os lábios e se perdia no labirinto de sua memória, dando voltas empoeiradas a se perguntar como haviam chegado naquele resto de mundo tão íngreme. Somente quando os grãos de areia se misturavam à carne ela voltava a se lembrar dos chinelos que lhe comiam os pés, pois lhe ardia não apenas o corpo, mas a garganta esturricada de um
- ai, meu deus"
Trecho do conto "Três a caminho", do livro "Beijando dentes", de Maurício de Almeida. O projeto gráfico desta obra vencedora do Prêmio SESC de Literatura 2007 é algo estupendo. As narrativas da obra são todas surpreendentes, muitas vezes líricas, com trechos maravilhosos. Entretanto, a falta de revisão compromete um pouco o resultado final. Nem os avais da Leyla Perrone, do José Castelo e do Daniel Piza conseguem disfarçar a falta que fez uma meticulosa revisão ortográfica e gramatical. No trecho selecionado um erro grave foi transcrito como está no livro.
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