30 de julho de 2009

Os estranhos




Há alguns anos escrevi o prefácio para um romance da Carla Dias, que me tocou profundamente. Sempre insisti para que ela o inscrevesse em algum certame e que o editasse logo. Então ela acabou ganhando um concurso importante aqui no estado de São Paulo e seu livro será lançado dia 22 de agosto próximo, na Livraria da Vila (Alameda Lorena, 1731), na capital. É uma boa oportunidade para conhecer a obra desta escritora que, eu tenho certeza, ainda ganhará muitos outros prêmios importantes.
Abaixo o release do livro da Carla.

Romance aborda a solidão presente na proximidade

Premiado pela Secretaria de Estado da Cultura, através do ProAc – Programa de Ação Cultural – o livro Os estranhos, da paulista Carla Dias, é o primeiro título da [sic] editorial. Por meio do cotidiano aparentemente simples, Carla tece a trama de personagens complexos.
Alice, a personagem central, tem um trabalho comum numa vida ainda mais comum. Nas horas vagas, gosta de  lmar depoimentos de pessoas atormentadas e com desequilíbrio emocional. Kalé, o outro protagonista do romance, é um escritor às voltas para  nalizar mais um livro. A proximidade dos dois acontece ao acaso, assim como a proposta abrupta de Kalé para ocupar um dos quartos da casa de Alice e dividir com ela as despesas. Mas o que une Alice e Kalé é a solidão que cada um à sua maneira cultua. E esta proximidade entre eles empurra-os para questionamentos e descobertas.
Afinal, até onde as pessoas podem ser estranhas mesmo estando próximas? Até onde a proximidade pode ser alento? Até onde pode machucar? Essas são algumas das muitas perguntas que Carla Dias faz brotar na cabeça do leitor já nas primeiras páginas do romance Os estranhos. Mas não espere resposta pronta. O talento de Carla é daqueles que instigam.
Para o escritor Whisner Fraga, que assina a apresentação de Os estranhos, o livro de Carla “é grande literatura. Aqui há solidão, desesperança, amizade, arte, intrigas, mas tudo permeado de uma ironia refinada, de dúvidas e da presença da cidade grande, esse mito aterrorizante que constrói individualidades asfixiadoras”.
Carla Dias é escritora, baterista e produtora de eventos. Em 1997, publicou O Azul, seu primeiro livro, uma coletânea de contos e poesias. Em 1998, participou com o conto Queda da antologia Encontros, organizada por Whisner Fraga. No mesmo ano, tornou-se colaboradora do site Crônica do Dia, no qual publica até hoje. Ficou em segundo lugar no III Concurso de Contos José Cândido de Carvalho promovido em 2001 pela ANE – Associação Nacional dos Escritores – com o conto Vôo cego.

28 de julho de 2009

O quarto de Jacob




Será que se não conhecêssemos a biografia de Virginia Woolf, saberíamos que o Jacob do livro é, na verdade, seu irmão Thoby? Será que se ela não escrevesse um diário narrando a confecção deste romance, saberíamos tanto sobre o livro, uma vez que a linguagem da obra é bastante rebuscada? Será que o fato de não relacionarmos a vida pessoal de Virginia Woolf com passagens e detalhes de sua obra diminuiria o nosso poder de interpretá-la?
Andei lendo uns artigos sobre este livro da Woolf e fiquei um pouco chateado porque dão muito valor à história do ponto e vírgula e da reticências, que ela usava muito. Mas ninguém foi mais fundo para saber o verdadeiro motivo. Acredito que as pessoas ainda têm muito medo de ler Virginia, mas acho ela bem mais acessível do que o TS Eliot. Os brasileiros têm muito medo de textos herméticos, por isso um Campos de Carvalho nunca foi mais adiante. E olha que Campos é dono de um estilo irresistível.

23 de julho de 2009

Um estrangeiro


Não tenho dúvida alguma que um grande livro é aquele que deixa o leitor confuso, que com uma linguagem requintada e cheia de lirismo vai além da trama, de encontro ao que poderia chamar de incômodo. E para alcançar esse objetivo, para desconcertar o leitor, o autor desta obra não pode ter medo de arriscar.
Guy Corrêa é um autor que não se deixa iludir pelo caminho fácil de um texto linear (ele se encaixa no tipo de escritor a que me referi no parágrafo acima, àquele que não subestima seu leitor) e seu romance "O hóspede perplexo" mereceu a minha atenção e preenche todos os requisitos de uma obra de arte.
O livro pode ser dividido em três tempos e há um tema a perpassar toda a história: a imigração. O próprio Guy, jornalista experimentado, já foi um imigrante em Portugal e na Inglaterra. A primeira parte narra um pesadelo que o personagem principal está tendo - e aí já se inicia o drama da imigração. Ao que parece, um homem tenta desesperadamente nadar em um mar inabalável, como se estivesse em uma difícil travessia clandestina, rumo ao sonho de uma vida melhor em uma praia de um país de primeiro mundo.
Na segunda parte conhecemos o narrador do sonho, Edgard, um bem-sucedido empresário, que não consegue se relacionar com pessoas, a menos que estas se portem como objetos e possam ser comercializadas. Assim, conhecemos suas idas e vindas em uma sociedade em que nada acontece além da busca pelo lucro e seu relacionamento mercantil com a esposa e os filhos.
Na última parte, Edgard cede seu espaço para um jovem de 30 anos, alterego de Guy, que chega a Lisboa e enfrenta todas as dificuldades de um estrangeiro em uma Europa cada dia mais xenófoba. A xenofobia é um tema que aparece todos os dias nos jornais e o crescimento dos grupos neonazistas nos deixa claro que ele está mais vivo do que nunca.
Um detalhe curioso sobre o livro é que eu o havia adquirido e não o tinha lido. Quando fui premiado com o PAC da Secretaria de Cultura do estado de São Paulo e estava procurando uma editora, recorri à uma leitura rápida do primeiro capítulo do romance, para me certificar que a Ficções tinha um certo critério de qualidade para suas publicações. Foi aí que tive a certeza que queria publicar por essa editora. No site da Ficções está publicado o primeiro capítulo do romance de Guy Corrêa.
Ah, sobre o título. Por que Hóspede perplexo? Nas palavras do próprio Guy, com quem troquei algumas mensagens para melhor compreender os objetivos de sua obra: "Os personagens têm mesmo esse caráter transitório, de hóspedes do mundo. O leitor também se hospeda nas páginas de livros." Não podemos nos esquecer também que um dos significados para "hóspede" é o de estrangeiro que visita ou viaja em um determinado país.

Trecho

Tinham partido havia menos de uma hora - a viagem carregava consigo a promessa de brevidade. Dois rapazes magriços, polarizados no meio da embarcação, faziam movimentos sincronizados com os remos, torvelinhando aquelas águas, transportando aquela gente sofrida, rumo a algum ponto remoto de uma praia, no lado oposto do estreito. Agiam esses remadores como profissionais e isso era mesmo verdade. Havia ainda um terceiro homem na proa do barco, motivado por alguma pequena quantia em dinheiro, que supervisionava o movimento dos dois; vestido com um conjunto safári bege e calçando um par de tamancos, ele libertava uma expressão rude e ainda vasculhava os 360 graus da porção de mar que os circundavam com o auxílio de um binóculo. A noite tinha se dissolvido, mas a claridade do dia não carregava consigo a almejada nitidez, pelo contrário, uma névoa foi se instalando com tamanha violência até conseguir alterar o semblante da tripulação que semanalmente fazia esse serviço.

10 de julho de 2009

Cavalos do amanhecer




Há um livro precioso de Mario Arregui chamado "Cavalos do amanhecer", que pode ser facilmente encontrado nas livrarias ou nos sebos. A nota bibliográfica da edição que eu tenho não dá dicas sobre qual livro do escritor uruguaio foi traduzido. Suponho que tenha sido seu primeiro, "Noche de San Juan y otros cuentos", de 1956. Arregui está tão esquecido que não consigo encontrar seus livros nem em espanhol em livraria nenhuma, inclusive do Uruguai. Aceito sugestões.

Os oito contos da obra são magníficos, são uma aula de literatura. É o tipo de leitura da qual nunca saímos sem pensar que o melhor é não escrevermos nada nunca mais. No conto de abertura, "Noite de São João", lemos a tradução de Sérgio Faraco:

Depois de muitos dias consumidos em tropeadas por campos e caminhos onde o outono semeava suas mil mortes, regressava Francisco Reyes ao povoado. Era um entardecer límpido e alto como a espada vitoriosa de um anjo, e cem fogueiras dispersas anunciavam o nascimento da noite de São João. Os cascos do cavalo golpeavam sonora e compassadamente a branca carreteira, e ele abria com avidez os olhos para os cordiais fogos dos homens e o balbuciar das primeiras estrelas. Seu peito também se abria, docemente se abria e se dilatava para antigas ternuras, recordações ainda palpitantes que o alcançavam desde o sítio onde se esconde a infância. Seu coração disparava como o de um menino.

É muito mais do que um relato sobre gaúchos, é um relato universal, no melhor sentido da palavra, a despeito do debate entre Atiq Rahimi e Bernardo Carvalho na Flip. Francisco Reyes remói a sua solidão entre os lençóis de uma prostituta, conhecida antiga. Ao sair da casa dessas mulheres da vida, Reyes conhece Ofélia:

Longos minutos permaneceram assim, como dois náufragos arrojados pelo destino na concavidade de uma mesma onda.

Em seguida vem o conto "Os contrabandistas". O contexto em que se passa a história foi muito bem explicado pelo jornalista Gilberto Pereira. Pouco depois, o notável "Cavalos do amanhecer", que narra a fuga de Martiniano, que já enfrentara duas guerras e não queria lutar a terceira. Percebemos o nervosimos e a covardia do herói:

Interrompeu-o a entrada de Correntino, com latidos que eram um único latido (ele saíra do rancho, recorrera as cercanias e voltava sobrecarregado de alarmas). Martiniano calou-o com um grito rouco e um pontapé, o cão refugiou-se debaixo do catre do garoto. Este despertou-se e ergueu-se.

Martiniano decide se esconder no poço ao lado de sua casa e deixa a mulher o filho se entenderem com os ginetes que se aproximam.

O próximo conto, "Diego Alonso", é dos que mais gostei. Conta a história de um conflito silencioso, suspenso por um um terror tênue e assustadiço, que qualquer sussurro poderia derrubar. Diego Alonso e o barbeiro estão enamorados pela mesma mulher. Quando Diego aparece na barbearia, percebe-se que é hora do confronto.

"Lua de outubro" é a próxima narrativa. Fala de Pedro Arzábal e de sua aventura na casa dos Lopes, com a menina Leonor.

O livro inteiro é permeado por um lirismo assustador, que faz com que sua leitura seja essencial e urgente.

7 de julho de 2009

FLIP de novo

Tem gente falando que o Tezza sumiu perto do Bellatin, tem gente comentando que o Bernardo Carvalho arrasou com o Atiq Rahimi, tem gente fofocando que o Chico disparou que o João Gilberto é maior do que Guimarães Rosa. Tudo bobagem.
O legal era ficar nas filas dos autógrafos. Ali conheci muita gente interessante e anotei várias dicas de livros. Nas filas eu já ficava sabendo dos comentários sobre todas as mesas.
Mas não vi ninguém lendo em nenhum lugar da cidade.
Este ano proibiram a venda de livros off-Flip. Mas muitos conseguiram vender assim mesmo. Eu tenho as provas: comprei alguns.
Um sujeito perguntou ao gerente da livraria exclusiva da Flip se podia colocar alguns marcadores de página pra darem aos clientes. Não, não podia. Algumas editoras, que patrocinavam alguma coisa, não permitiam.

6 de julho de 2009

Lobo


Caminhando por Paraty encontrei António Lobo Antunes, que foi muito simpático comigo. Eu o segui por dois quarteirões, na esperança de que fosse reconhecido, tietado e nada. À noite, porém, a coisa mudou, parecia uma estrela de cinema, um reboliço. Aí só assinou o livro para um número limitado de pessoas. Ao chegar na tenda dos autógrafos foi recebido por uma salva de palmas, quando olhou para aquela multidão e soltou um sorriso irônico. Finalmente acendeu o cigarro que agitou durante toda a uma hora e pouco na tenda dos autores.