18 de junho de 2008

O Carlos Nejar prosador é tão bom quanto o Nejar poeta. Leiam o trecho inicial de seu livro "O poço dos milagres":

A noite ficou cega de nascença para as estrelas nos verem - pensei. E ao raiar, a luz não caía bem aquela hora em Pontal de Orvalho, junto ao rio Eufrates, que se mantinha correndo, por não poder parar, como o tempo. E as letras estão todas na foz com as ervas e o limo. Talita, aos onze anos, fazia seu dever de casa. Desajeitada, distraída, simpática e gentil, com algumas sardas no lado esquerdo do rosto. Por certa displicência e desinteresse no vestir, escutou de sua mãe: - Tens roupas novas e não usas. - Fazia que nem ouvia. Desde cedo gostava de ler e seu mundo era mágico. O que é mágico existe sozinho. Solta-se a palavra e ela se inventa. Nada pode embaciá-la. É como se enfia a cara na lua. Ou na luz. E a luz é tão inocente como o lugar onde troveja. Por ser mágico e inóspito. Inventa-se o que não se conhece. E o que se inventa não carece nem de nome, mas de verdade. Não está só quem se inventa e por isso Talita se achava povoada.

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