Ou poderia escrever um pouco sobre o caloroso debate que acabei de assistir, entre Daniel Galera e Santiago Nazarian.
Mas resolvi recorrer a um antigo miniconto que escrevi:
A dor
Alimentei-te com o sumo do meu desgosto: eis como te nutri, criança, com essa ironia cândida e belicosa que sugamos do peito alheio por não termos capacidade de gerá-la para nós próprios. Aí surgem os laços, estreitados ou não no decorrer das necessidades. Olhos e coragem de culpa para confessar-te que sou assassino: do mesmo amálgama com que forjei a tua vida, esculpi a morte, dois lados de um mesmo egoísmo, este pleno senhor de todos os devaneios do espírito e sandices da carne. Daí, do teu trono infante, erija um complexo parlatório de desculpas e, do alto: grite, brade, rogue quantas pragas já tiver aprendido, mas saiba que (nenhum desvio te salvará) não há outro caminho que o da desintegração e o da miséria. És um adubo que o tempo começa a curtir. Prevejo que serás outra presa a sucumbir ao paradoxo: ao mesmo tempo em que tentarás encontrar um significado para a tua geralmente longuíssima e tediosa cruzada, não quererás se render jamais aos achaques do corpo ou à cobiça da morte.
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