Já disse aqui que o Cristovão Tezza escreveu o livro mais premiado do ano: levou também o Prêmio São Paulo de Literatura há algumas semanas. Mas a obra da Tatiana Salem Levy, que ganhou na categoria estreante, me chamou mais a atenção. Devo confessar que ainda estou nas primeiras páginas deste romance, mas já ganhou a minha confiança. Pena que esteja brigando com outro livro bem mais atraente para mim no momento: As cruzadas, de Zoé Oldenbourg, traduzido do francês por Vânia Pedrosa. Minha edição é antiga: Civilização Brasileira, 1968. Comprei ontem em um sebo e até onde sei não foi relançado não. Mas como normalmente eu digito aqui trechos de obras de ficção, vou inserir um trecho do livro da Levy.
[Você não imagina o alívio que acabo de sentir. Há quanto tempo está esparramada nessa cama, inamovível? Há quanto tempo lhe peço para se levantar?] Não sei, desconheço a resposta. Pode ser uma semana, um mês, um ano, ou mesmo uma vida. Sinto-me às vezes um bloco de cimento, às vezes uma nuvem diluída, não percebo sequer a minha forma, os meus contornos. Quero sair do lugar, mas ainda duvido se é essa a melhor escolha. [Não desanime. No início de uma partida, não existem escolhas melhores ou piores, apenas escolhas. É cedo para um julgamento.] Mas e se errar? Se me afundar ainda mais nesse poço de imprecisão e incerteza? Que garantia tenho de que não tropeçarei em mim mesma? [Não posso lhe garantir nada. Só posso prometer uma coisa: arrisque-se e estarei sempre pronta a lhe estender a mão.]
Vou transcrever a orelha do livro, escrita por Cíntia Moscovich:
Neta de judeus turcos, nascida em Lisboa, emigrada para o Brasil aos 9 meses de idade, a estreante Tatiana Salem Levy chega, neste A chave de casa, ao ponto que muitos almejam e bem poucos alcançam: condensar o jorro da memória e transformá-lo em literatura.
Concretizando o que denomina de "autoficção", a autora tece um romance de vozes diversas - como são as vozes da memória -, histórias que se complementam num tom de densa estranheza. Tudo se inicia quando a personagem-narradora recebe do avô a chave da casa da família deixada para trás, no tempo e na distância, em Esmirna. Rumo à Turquia, toca a ela procurar a herança passada, tarefa a que se entrega não sem medo e expectativa de modificar seu próprio presente.
Passando por temas como a morte da mãe e a relação com um homem violento - dores exploradas nos extremos do lirismo e da crueldade -, Tatiana demonstra grande pendor para o gênero a que se dedica. Escritora refinada, capaz de frases torneadas com precisão e de cortes e elipses nunca menos que exatos, o romance seduz pelo apelo sensorial, pela extrema competência narrativa e, em especial, por um alto sentido de humanidade.
Sobre os estilhaços da memória individual, Tatiana soube assentar as bases de uma literatura singular e vigorosa.
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