Minha pátria é onde os goiamuns
pressentindo o cair da noite
buscam as locas entre os mangues.
No meu país palustre
o peso das chuvas encurva os cajueiros
e o sol calcina lágrimas.
E uma espinha de carapeba
arranha a louça do dia
que a língua do mar lambe.
Entre casas de marimbondos
e caranguejeiras imóveis
a tarde me iluminava.
Eu soletrava a ferrugem
de navios sem nome que a lama
das lagoas mastigava.
Eu percorria as galáxias.
Fagulhas de estrelas caíam
nos coqueirais do tifo.
No chão das ilhas pegajosas
um planetário búzio avariado
guardava o aroma do mundo.
Minha pátria é a água negra
- a doce água cheia de miasmas -
dos estaleiros apodrecidos.
(Na cozinha, a boca alugada,
soprando carvões, fazia nascer
o fogo do dia.)
Quando eu estava dormindo
e chovia no meu sonho, nos vales
caíam trombas-d'água.
A manhã raiante se manchava
do sangue escuro da raposa
morta no chão memorável.
Minha terra é o novo caminho
que o homem abriu sem querer
no capim à beira do arrozal.
Entre lagartos e caga-sebos
vi as horas caírem sobre as cercas
que afrontavam os relâmpagos.
Foi na infância que aprendi a ver-te,
ó sol que me ilumina. E um arco-íris
abriu-se entre arraias do céu pálido.
Trecho da poesia "Minha terra", de Lêdo Ivo (1924 - ), retirado do livro "Poesia Completa", editado em 2004 pela Topbooks em parceria com a Braskem.
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