Qui manducat meam carnem, et bibit meum sanguinem, in me manet, et ego in illo. Quem come o meu corpo, e bebe o meu sangue (diz Cristo) está em mim, e eu estou nele. Se perguntarmos aos Intérpretes o entendimento destas palavras, todos respondem que significam uma união real e verdadeira, com que por meio da comunhão ficamos unidos a Cristo. Isto dizem os Expositores e os Teólogos comumente; mas eu, com licença sua, tenho para mim, que neste mistério não há só uma união, senão duas, e essas mui diferentes: uma união, com que Cristo nos quis unir consigo; e outra união, com que nos quis unir conosco. O efeito da primeira união, é estarmos unidos com Cristo: o efeito da segunda união, é estarmos unidos entre nós. Pnderemos o nosso texto: Qui manducat meam carnem, et bibit meum sanguinem: Quem come o meu corpo, e bebe o meu sangue. In me manet, et ego in illo: está em mim, e eu estou nele. Reparo muito nesta duplicação de termos: ele em mim, e eu nele. Se Cristo na comunhão pretendera somente unir-se conosco, um destes termos bastava, e o outro era supérfluo. Provo. Porque para estas duas mãos estarem unidas, basta que a direita esteja na esquerda, ou a esquerda na direita. Da mesma maneira para Cristo e nós estarmos unidos, basta que nós estejamos em Cristo: In me manet: ou que Cristo esteja em nós: Et ego in illo. Pois se para explicar a união que há entre Cristo e o que comunga, bastava qualquer destes termos; porque os dobra e multiplica Cristo? Por isso mesmo. Dobra Cristo e multiplica os termos, porque também a união se dobra e se multiplica. Se a união fora uma só, bastava dizer: In me manet ou et ego in illo, mas diz: in me manet et ego in illo duplicadamente, para significar as duas uniões que obra aquele mistério: uma união imediata com que nos unimos a Cristo, e outra união mediata, com que mediante Cristo nos unimos entre nós. Notai os termos destas uniões, e vereis como são distintas. Uma união se termina de nós a Cristo: In me manet e outra união se termina de Cristo a nós: et ego in illo. Pela união que se termina de Cristo a nós, fica Cristo unido a cada um de nós, e como dividido de si: pela união que se termina de cada um de nós a Cristo, ficamos todos unidos com Cristo, e todos unidos entre nós.
Trecho do "Sermão do Santíssimo Sacramento", de Antonio Vieira. Há uma bela edição da Hedra, de 2003, em dois volumes, organizada pelo estudioso Alcir Pécora, com os principais sermões do padre.
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