29 de março de 2007

Cena

Segura minha mão como quem encontra o fio-condutor para a alma. Os dedos naquele acarinhar os dedos do outro, sabe? Tez friccionada em vontades, e o desnudar-se de quase todas as máscaras. A boca entreaberta de tanto que a palavra tenta escapar, querendo como efeito da intensidade a captura da voz, só para desfiar a canção preferida. E os lábios, vias separadas pela palavra rebelada, e que decidiu valsar com a mudez só para contrariar o desejo que chega vendaval.
E sua língua invade meu universo de carências desditas, galgando o gosto do beijo prometido há tanto e que chega em tempo; e que suas mãos escorregaram pelo meu corpo, mantendo-me como se fossem a rede de segurança que evitará a queda provocada pelo bambear das pernas, depois de goles de torpor.
No meu dentro, ecoam frases ora tolas ora catárticas. “Devora-me aos poucos para saborear, em parceria, as sensações. Devora-me como a um gosto que não é alimento. É o ar. Respire-me, então”.
Meu amor esperado, aguardado no desconserto da solidão, disse-me que sou quem ele busca em todas as perfeições desmacaradas. Quer de mim o mapa da alma. Quer de mim o conforto da companhia. E refestela sua carne na minha. E ancas contorcendo-se em busca da trilha que dê no prazer desmedido. Pernas num entrelace de tecelão talentoso em criar complexidades. Meu amor também é amante dos vôos rasantes. Ele tira férias de estorvos, zombarias, intolerâncias. E sorri delicadezas.
Nossa canção geme em prosa e se descompassa em poesia. E meu amor esperado, aguardado no mistério da solidão, sussurrou no meu ouvido uma palavra em fascínio que ecoou a eternidade. Gritou silêncios dentro de mim. Versou afagos nos meus cabelos.

Carla Dias.

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