24 de agosto de 2007

Álvaro,

tira o demônio de dentro
e fica vazio como um poço.

Corta o cabelo
e deixa crescer mais a barba
sem motivo nenhum.

Retira o avião do céu da tua boca
e deixa calar a nuvem de teu nascimento.

Corta o celulóide da tua pele
e inventa outro mundo para viver.

Cala o calafrio da tua cara
e permanece imóvel
dentro de teu paletó.

Afasta a sombra de teus dedos
e faz o tempo parar para sempre.

Morre todos os instantes
e caminha pela rua invisível de teu ser.

Tira de ti o ferimento do grito
e pára diante da fenda do olho
onde dormem os duendes.

Fica dentro de ti,
onde não existes mais
onde te feres
e te deixas,
onde não estás.

Cala as aves
nos alpendres da manhã
entre operários feridos
a cantar o hino nacional.

Reinventa o espelho do rosto
e costura a cicatriz mais funda
para redescobrir o sangue.

Não procures
esse tesouro dos homens,
mas o anel da infância
que se perdeu.

Força a busca de ti
onde não te encontras
nem te fazes nos labirintos
em que te perdes absoluto.

Destrói o sonho
que antes sonhavas
e que não tens mais
em teu armário.

Depois acorda
e mata as palavras
para que tudo volte ao normal.

Versos de Álvaro Alves de Faria, retirados do livro "À noite, os cavalos". Álvaro teve sua obra reunida em livro pela Editora Escrituras em 2003. Desde então publicou mais dois livros em Portugal.

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