27 de dezembro de 2005
Bertani - Leve o Sr. Robie até o Beach Club. O que está esperando? Faça o que lhe pedi. Rápido!
Danielle - Ok, Sr. Gato, vamos!
Robie - Danielle, por favor, não me chame assim.
Danielle - Só faço um favor por dia.
A cena está no filme "Ladrão de casaca" (To catch a thief), de Hitchcock, de 1955. Nos extras, caso alguém se interesse pelo DVD, uma interessante entrevista com a neta de Alfred, em que ela conta que o avô a ajudou a fazer um trabalho para a universidade, sobre seu filme e tirou apenas nota "C". Ao contar para Hitchcock, ele lhe respondeu: "Fiz o melhor que pude." Reza a lenda...
21 de dezembro de 2005
Cheyenne (Jason Robarts) levanta sua arma e a mostra a Harmonica: Até seis, se for preciso. E talvez mais rápido do que você.
Cena do filme "Era uma vez no Oeste", de 1968, dirigido por Sérgio Leone e com roteiro assinado por Bernardo Bertolucci.
19 de dezembro de 2005
Este é o primeiro parágrafo do livro "A ordem natural das coisas", de António Lobo Antunes.
14 de dezembro de 2005
João do Rio (1881 - 1921), no conto "O monstro".
12 de dezembro de 2005
Esta opinião aí é minha e foi utilizada na matéria feita por Carlos Herculano Lopes sobre a literatura produzida (e/ou editada) fora do mítico eixo Rio-SP.
9 de dezembro de 2005
8 de dezembro de 2005
No seu bangalô,
sob o viaduto,
uma estrela
nunca salpicou o chão.
As balas dos revólveres
furaram o zinco.
Só restaram o abandono,
em sua nudez,
e umas roupas
penduradas no varal.
Ali permanecem,
tesas e encardidas,
em meio à fumaça
dos escapamentos.
Não,
ninguém as reivindicou
como herança.
Donizete Galvão. Poesia retirada do livro "mundo mudo", lançado pela Nankin, em 2003.
Este poeta mineiro, na minha opinião (mais uma vez deixo isso mto claro), é a grande voz da poesia brasileira. Digamos assim: é um poeta maior. Não está na moda (embora vira e mexe se fale dele numa Cult, numa Folha de SP) e sabe fazer versos como poucos.
7 de dezembro de 2005
6 de dezembro de 2005
'Outro sol' reúne os versos enxutos e burilados de Júlio Polidoro
A poesia hoje parece carecer de um suporte teórico que, além de explicá-la, a qualifique. A afinidade pessoal com certa dicção não deve ser o único norteador na análise artística. Os acadêmicos e estudiosos não conseguiram ou não quiseram acompanhar a literatura contemporânea, deixando a especulação por conta de escritores, o que desaguou num imenso hiato, representado pela carência de uma autêntica teoria literária atual. Verdade que avanços ocorreram: hoje não se considera a análise artística objeto puramente científico, mas também metafísico.
Com que então lida o crítico de poesia? Que material é este que vem sendo produzido, que difere tanto das tentativas de renovação conceitual e formal perpetradas após o movimento modernista de 22, como o poema-piada, a poesia concreta, o poema-processo, a poesia práxis, os versos semióticos? Há de fato algo novo sendo produzido no cenário da poesia contemporânea que mereça consideração? São questões ainda sem resposta.
Ao poeta, num campo em que a transgressão é quase uma exigência imposta pelos cânones da cultura, interessa o estudo das tendências já consagradas. Mas como reconhecer um transgressor? Quando é que essa infringência não passa de mera especulação? Há na poesia de Júlio Polidoro sinais desses questionamentos. Reunindo sua produção poética de 1979 a 2003 em um único volume intitulado Outro sol, com o aval da Funalfa Edições e a chancela da Nankin Editorial, Polidoro constrói versos enxutos, burilados. Nota-se a evolução do poeta de Treze poemas essenciais, o primeiro livro que integra a antologia, até A superfície do abismo, o último.
Há o homem em conflito com seu ambiente, com sua situação, como no poema Anoitece (''Sazonado/ - que verdura é o dia? -/ cão bêbado/ abotoa os cílios/ do crepúsculo''); a jornada do tempo (''posso ouvir o realejo/ de memória'', ''o futuro é essa história/ que não terei/ a quem contar'') e desde o início a pequenez do poeta, sua inutilidade frente às urgências da vida, como no poema O símbolo (''o arquiteto/ não contou esse momento/ em que me sinto inexpressivo/ sem forças para clamar/ contra o vazio''). Que força tem a poesia em um mundo tão carente de sensibilidade, mais afeito ao mercado que ao lirismo ou ao pensamento?
É um grito pertinente e inquiridor que ecoa da poesia de Polidoro, como se constata nesses versos pungentes: ''persigo da fala a plena expressão/ da sala nunca aberta o corredor/ que nos conduza ao Verbo sem autor/ e que traduza as coisas do porão'', um afronte à Palavra que tudo originou, a busca pela construção definitiva, sem ao menos saber se ela é possível.
Polidoro não se esquece do ritmo, tentando domar o verbo tanto quanto possível, como lembra Carlos Nejar, na orelha do livro: ''domina todos os ritmos com a qualidade silenciosa de se deixar também guiar por eles''. É o escritor autêntico o que conduz os versos, mas também é conduzido. O que retrata e é retratado.
Antes de tudo, Polidoro é um poeta completo, que sabe passear por diversos estilos e que encontrou sua própria voz, um ser humano que compreende a urgência da palavra. E também da vida.
Whisner Fraga, Jornal do Brasil, 06 de dezembro de 2005.
5 de dezembro de 2005
3 de dezembro de 2005
Em seguida, de repente, como o raio, invadindo, ou melhor irrupção instantânea da memória, porque a alucinação propriamente dita não é outra coisa - para mim, pelo menos. É uma doença da memória, um afrouxamento do que ela encobre. As imagens escapam de você como torrente de sangue. Parece que tudo o que está na cabeça explode duma vez como os mil foguetes de um fogo de artifício, e não há tempo de olhar essas imagens internas que desfilam com fúria. Em outras circunstâncias, isto começa com uma só imagem que cresce, desenvolve-se e acaba por cobrir a realidade objetiva, como por exemplo, uma faísca que volteia e torna-se um grande fogo flamejante.
Estas são palavras de Gustave Flaubert, sobre o que ele considerava "visão poética", em correspondência para seu amigo Hippolyte Taine (Correspondance, 1859-1871). A tradução do trecho foi retirada do livro Universo da Criação Literária, que saiu em 1993 pela Edusp. O prefácio da obra é de Alfredo Bosi e trata, basicamente, da crítica genética.
1 de dezembro de 2005
Trecho do romance "As duas águas do mar", do português Francisco José Viegas. A Record, que lançou o livro aqui no Brasil rotulou o livro de Policial. Só por isso eu jamais o compraria. Mas a editora me mandou um exemplar de cortesia e eu descubro que é um baita dum livro. Vai muito, mas muito além dos clichês do gênero. Um detetive e um assassinato são meros detalhes em meio a tanta poesia. Importante: a edição foi apoiada pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Não entendo por que aqui no Brasil nenhuma instituição nem o governo dão a mínima para o fato de nossa literatura ser desconhecida no resto do mundo. Não se iludam, nem Rosa nem Clarice nem Machado foram tão traduzidos assim. E nos países em que foram, ocuparam (ainda ocupam) o limbo das livrarias e poucas prateleiras de intelectuais.
30 de novembro de 2005
Início do conto "Botão-de-Rosa", do livro "O convidado", de Murilo Rubião. O exemplar que eu tenho foi autografado pelo autor para o também escritor Orlando Bastos. "Para Orlando Bastos, agradecendo o seu excelente livro, o abraço do Murilo Rubião. Belo Horizonte, maio de 83."
29 de novembro de 2005
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperançar a esperança
mas esperar, enquanto
um fio de água, um remo,
peixes existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater
a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.
(Trecho do poema "Contra a esperança", de Carlos Nejar, que retirei do livro "50 poemas escolhidos pelo autor", editado pela Galo Branco, do Rio, a mesma que patrocinou o meu segundo livro, Coreografia dos Danados.)
27 de novembro de 2005
23 de novembro de 2005
14 de novembro de 2005
11 de novembro de 2005
Contos de Marcelo Carneiro banalizam as experiências sexuais
Atenta aos modismos e às tendências atuais do conto, grande parte dos escritores brasileiros opta pela narrativa fácil, refogada com abobrinhas e temas de fácil assimilação por parte do leitor mediano. É por isso que dezenas de caixas apinhadas de lançamentos são descarregadas diariamente nos estacionamentos dos shoppings, com literatura produzida para ocupar as disputadas vitrines.
Fica a equivocada impressão de que o Brasil está revivendo o boom dos anos 70, época em que surgiram dezenas de habilidosos contistas. Há uma diferença significativa entre o fenômeno daquela época e o de hoje: a qualidade. Jamais foi tão fácil escrever e publicar como atualmente.
Marcelo Carneiro da Cunha, em seu Simples, o amor nos anos 00, editado pela Record, se propõe a dissecar o relacionamento afetivo dos homens e mulheres neste século 21. Sob essa perspectiva, falha de maneira cabal. A contar pela ironia do título, espera-se que o tema tenha um tratamento à altura, o que não acontece. Certo de manipular um assunto complexo, Marcelo erra ao tratá-lo com linguagem, argumentos, narrativa e tramas tão comuns.
Simples é um livro de contos cujo tema central é o sexo nos dias correntes. Por ter sido escrito por um qüinquagenário, é pelo prisma de um homem de meia-idade que os relacionamentos são analisados. Mesmo com experiência no assunto e ainda que tenha conversado com diferentes pessoas em diferentes lugares, mesmo contando com a leitura e sugestões de escritores gabaritados, como depõe o próprio autor, Marcelo termina por retratar de forma ingênua e romântica as peripécias sexuais do homem contemporâneo.
Talvez por ser um escritor com tarimba na literatura infanto-juvenil Marcelo tenha errado tanto a mão nesta sua obra para adultos, deixando nela o mofo do didatismo e da linguagem trivial. Nos contos em que parece haver um desejo de transgressão formal e mesmo lingüística, percebe-se que a construção narrativa não funciona. É o caso de Caixa de entrada, uma longa e tediosa conversa virtual entre vários personagens.
Algumas vezes a ironia, intercalada com frases inteligentes, é muito bem aplicada, como no primeiro conto, Simples, uma espécie de prólogo no qual o autor, em um texto veloz, propõe uma aventura ao leitor. O segundo conto, Ódios, segue a mesma linha, mas acabam aí os momentos inspirados do livro. Depois se seguem narrativas inconstantes, que oscilam entre o lirismo e a pornografia sem criatividade. De vez em quando uma personagem de um conto dá o ar da graça em outro, mas de uma forma aleatória, sem motivo. E aí se findam também as transgressões.
Em sua maioria, os protagonistas são homens ou mulheres adentrando a meia-idade, financeiramente bem-sucedidos, que não conseguem aceitar que perderam o bonde desta nova revolução sexual, em que todas as manifestações e diversidades são aceitas e praticadas. Então tentam recuperar o tempo perdido experimentando sensações que não condizem com sua cultura e mesmo com sua idade. Mais veracidade é encontrada num diário de adolescente.
A inconstância dos textos reunidos em Simples demonstra que não é recomendável simplificar um tema intrincado como o do relacionamento entre os seres humanos. Sem pretender esgotar o assunto, Marcelo o restringe tanto que só consegue sugerir a sua banalização. (Whisner Fraga)
Resenha publicada no Jornal do Brasil, 11 de novembro de 2005.
10 de novembro de 2005
8 de novembro de 2005
5 de novembro de 2005
4 de novembro de 2005
(Trecho do conto "insônia", do livro "A cidade devolvida", a ser lançado dia 20 de novembro na Primavera dos Livros. O texto foi publicado na revista Cult e premiado em Barueri por Roberto Piva, Carlos Figueiredo e Claudio Willer - este último um grande incentivador de minha obra).
3 de novembro de 2005
2 de novembro de 2005
Aí do lado está a capa do meu livro de contos, A cidade devolvida, editado pela 7Letras. Será lançado dia 20 de novembro, na Primavera dos Livros, em São Paulo. Estou com um romance engatilhado, As espirais de outubro, mas ainda não procurei editora. Demorei 6 anos pra escrever o danado, que já ganhou dois prêmios, seja lá o que isso queira dizer. Ano que vem fico por conta de editá-lo. Ou em 2007. Este ano só cidade.
1 de novembro de 2005
29 de outubro de 2005
28 de outubro de 2005
Zeh Gustavo canta as pequenezas e as modéstias em belo livro de poemas
Augusto dos Anjos (1884-1914) chocou os poetas de sua geração ao publicar, pouco antes de sua morte, uma antologia de poemas intitulada Eu, legando a si mesmo, na contramão do vazio bem-comportado dos parnasianos, o papel principal em sua obra. O modernismo, em suas principais vertentes, confirmou este individualismo, substituído, no pós-modernismo, pelos versos abstratos e egocêntricos dos novos poetas. A forma ganha poder no concretismo, em detrimento do conteúdo. De um lado, o medo da exposição, e de outro o endeusamento fantasista da própria ignorância.
Zeh Gustavo, em seu Idade do zero, recém-lançado pela editora Escrituras, tenta resgatar em seus versos este Eu, lírico e deslocado, que se desviou de sua base, travestindo-se de crueza e mesquinhez, retrato do capitalismo acirrado, da globalização generalizante e de todas as transformações econômicas e políticas dos últimos anos.
Influenciado pelo poeta mato-grossense Manoel de Barros, Zeh Gustavo canta as pequenezas e as modéstias: ''Desencontrei quem gostasse demais do que eu/ de improduzir./ Tenho desencanto de grandes feituras''. Familiarizado com a sonoridade das palavras, o poeta e músico carioca, veterano do extinto Festival Xerox/ Livro Aberto, compõe versos de olho em boas canções: ''desespaço: vou assim;/ ar nenhum,/ sombra muita,/ carregado''.
Como todo bom poeta, Zeh Gustavo é também um experimentador, vê nas palavras não as amarras das regras, mas a possibilidade da transgressão. Ao alterar a transitividade de alguns verbos, o poeta carioca suprime a ação deste Eu retomado, tornando-o passivo na observação (ou encantamento) do mundo: ''Eu namoro com fantasmas/ Eles me brigam''. Nesta poesia, as palavras não são alheias à existência das coisas insignificantes.
Ao demonstrar suas opções de não ser, de não produzir, não comercializar, não se render, lembra da inutilidade da poesia (e a poesia deve ter alguma serventia?) para a sociedade contemporânea: ''Optei: não ser./ Seria um descalabro,/ uma piada''. E paradoxalmente o poeta não pode se calar. Ainda que lhe faltem interlocutores, o próprio egocentrismo é maior do que seu silêncio e ele quer se eternizar: ''E eu restarei, livrinho da silva''. É a injusta guerrilha que o artista encontra em seu cotidiano: a inutilidade da arte e a sua permanência, a sobrevivência de seu nome em detrimento de si próprio.
É a idade pós-humana, defendida por Edgar Franco em tese na Unicamp, que detecta a falência da criação, sugerindo novas simbioses, máquina-homem, arte-sistema produtivo, nas quais o ser humano, num esforço para inventar o novo e superar o medo, teria seu corpo transmutado e transformado em arte (concretizando assim a inutilidade da vida). Ou nas palavras de Zeh Gustavo: ''Meu corpo será meu verbo''. É preciso recuperar a atenção aos pequenos fatos, é aí que se encontra a saída para a condição humana: ''O homem:/ Sorria despretensões/ Jantava depois os sorrisos gastos/ Dormia antes''.
Zeh Gustavo semeia a poesia da negação. A síntese do livro pode ser encontrada no verso: ''Represento um EU negativo''. Com isto o poeta reafirma seu pacto com a inquietação, apresentando o seu individualismo (aqui representando exclusão) como um aliado no questionamento das ordens vigentes nas sociedades. Idade do zero narra uma nova gênese, a da reconstrução do ''Eu'', poeta e homem, diante de um mundo atocaiado por aqueles que o habitam. (Whisner Fraga)
Publicado no Jornal do Brasil, 28 de outubro de 2005.