11 de novembro de 2005

Simples não é trivial

Contos de Marcelo Carneiro banalizam as experiências sexuais

Atenta aos modismos e às tendências atuais do conto, grande parte dos escritores brasileiros opta pela narrativa fácil, refogada com abobrinhas e temas de fácil assimilação por parte do leitor mediano. É por isso que dezenas de caixas apinhadas de lançamentos são descarregadas diariamente nos estacionamentos dos shoppings, com literatura produzida para ocupar as disputadas vitrines.
Fica a equivocada impressão de que o Brasil está revivendo o boom dos anos 70, época em que surgiram dezenas de habilidosos contistas. Há uma diferença significativa entre o fenômeno daquela época e o de hoje: a qualidade. Jamais foi tão fácil escrever e publicar como atualmente.
Marcelo Carneiro da Cunha, em seu Simples, o amor nos anos 00, editado pela Record, se propõe a dissecar o relacionamento afetivo dos homens e mulheres neste século 21. Sob essa perspectiva, falha de maneira cabal. A contar pela ironia do título, espera-se que o tema tenha um tratamento à altura, o que não acontece. Certo de manipular um assunto complexo, Marcelo erra ao tratá-lo com linguagem, argumentos, narrativa e tramas tão comuns.
Simples é um livro de contos cujo tema central é o sexo nos dias correntes. Por ter sido escrito por um qüinquagenário, é pelo prisma de um homem de meia-idade que os relacionamentos são analisados. Mesmo com experiência no assunto e ainda que tenha conversado com diferentes pessoas em diferentes lugares, mesmo contando com a leitura e sugestões de escritores gabaritados, como depõe o próprio autor, Marcelo termina por retratar de forma ingênua e romântica as peripécias sexuais do homem contemporâneo.
Talvez por ser um escritor com tarimba na literatura infanto-juvenil Marcelo tenha errado tanto a mão nesta sua obra para adultos, deixando nela o mofo do didatismo e da linguagem trivial. Nos contos em que parece haver um desejo de transgressão formal e mesmo lingüística, percebe-se que a construção narrativa não funciona. É o caso de Caixa de entrada, uma longa e tediosa conversa virtual entre vários personagens.
Algumas vezes a ironia, intercalada com frases inteligentes, é muito bem aplicada, como no primeiro conto, Simples, uma espécie de prólogo no qual o autor, em um texto veloz, propõe uma aventura ao leitor. O segundo conto, Ódios, segue a mesma linha, mas acabam aí os momentos inspirados do livro. Depois se seguem narrativas inconstantes, que oscilam entre o lirismo e a pornografia sem criatividade. De vez em quando uma personagem de um conto dá o ar da graça em outro, mas de uma forma aleatória, sem motivo. E aí se findam também as transgressões.
Em sua maioria, os protagonistas são homens ou mulheres adentrando a meia-idade, financeiramente bem-sucedidos, que não conseguem aceitar que perderam o bonde desta nova revolução sexual, em que todas as manifestações e diversidades são aceitas e praticadas. Então tentam recuperar o tempo perdido experimentando sensações que não condizem com sua cultura e mesmo com sua idade. Mais veracidade é encontrada num diário de adolescente.
A inconstância dos textos reunidos em Simples demonstra que não é recomendável simplificar um tema intrincado como o do relacionamento entre os seres humanos. Sem pretender esgotar o assunto, Marcelo o restringe tanto que só consegue sugerir a sua banalização. (Whisner Fraga)

Resenha publicada no Jornal do Brasil, 11 de novembro de 2005.

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