24 de dezembro de 2009

Dramaturgo e pianista


Pulp fiction. O termo se notabilizou graças ao filme homônimo de Tarantino. Sugere uma literatura barata, o que pode confundir o leitor. Barata no sentido de ser impressa em papel de baixa qualidade para diminuir custos. Não quer dizer, absolutamente, falta de qualidade. Aliás, há obras-primas entre esses livros. Lia uma matéria na Folha de São Paulo sobre os quatro tiros que o Mário Bortolotto levou em um boteco da Praça Roosevelt quando resolvi escrever este post. Na reportagem, a autora dizia que Bortolotto se inspirou no livro "Atire no pianista", de David Goodis para dar o título ao seu blog: "Atire no dramaturgo". Não conhecia nada da obra de Goodis, então corri atrás.
Na capa da obra, editada em 1984 pela Abril Cultural (lançado originalmente pela Gawcett Publications, em 1956), pode-se ler: "O lirismo da violência, da solidão e do terror". Perfeita descrição da obra. No livro é possível medir a densidade de sangue por página, há tiro em cada parágrafo, mas há também uma literatura envolvente, um lirismo a toda prova. David Goodis consegue prender o leitor. Eu mesmo não queria largar o livro antes do final.
A este respeito, andei lendo umas críticas negativas sobre o novo livro de António Lobo Antúnes. A justificativa: um livro difícil. Ora, parece que estão confundindo tudo. "Atire no pianista" é um livro fácil, fácil demais até e mesmo assim não é uma obra de baixa qualidade. Tem lá seus muitos méritos. A questão é: Goodis não quis fazer um livro difícil, quis escrever um romance que prendesse o leitor e ponto final. No meio disso, há frases de impacto, uma literatura bem feita, com uma história muito bem construída e ponto.
Na "Pulp fiction" sempre há crimes. Há um mocinho que tenta ficar com a mocinha, mas não vai conseguir, porque no final prefere o álcool, prefere a solidão ou esta inevitavelmente o persegue. Em "Atire no pianista" não é diferente - Eddie é um virtuose que trabalha em uma espelunca chamada "Taverna da Harriet". O que um sujeito desses faz num boteco tão sórdido? É o enigma do livro, que vai sendo decifrado pouco a pouco. E a explicação é plausível, comovente até.
A tradução não está lá essas coisas. Para dar um exemplo, em determinado parágrafo eu contei cinco verbos "ouvir" - dois deles na mesma frase. Imperdoável. Fui conferir no original "Down there" e não é nada disso. A elegância a que me referi está lá com todas as letras. É claro que o Bortolotto é um boêmio, assim como Eddie e tenta ressuscitar a Praça Roosevelt com seu talento e seus amigos artistas. No fundo é um sentimental, que não dá valor ao dinheiro, como Eddie. Talvez apenas por motivos diferentes. Li por aí que fez errado ao enfrentar os bandidos para proteger os amigos. Eu não sei, sinceramente não sei. Acho que buraco é mais fundo, só isso.
Em "Atire no pianista" há um negócio bem interessante: Goodis transcreve os pensamentos de Eddie, que são sempre conflituosos. O que ele pensa nunca é o que faz. Só por isso o romance já valeria a pena.

Um trecho da tradução de Ubirajara Forte:

"Fui eu?", perguntou Eddie a si mesmo. "Fui realmente eu? Sim, fui. Mas, não pode ser. Eu sou o Eddie. Eddie não faria uma coisa dessas. O homem capaz disso era aquele vagabundo, que já não existe há muito tempo, o selvagem, cuja bebida favorita era o próprio sangue, cujo prato favorito eram os vadios da Cozinha do Inferno, os desordeiros da rua Bowery, os arruaceiros de Greenpoint. Mas isso fazia parte de outra cidade, outro mundo. No mundo ao qual Eddie pertence, ele senta-se ao piano, toca sua música, indiferente a tudo. Então por que..."


PS:  Feliz Natal a todos. Deem livros de presente.

2 de novembro de 2009

Herta Müller




O mundo se perguntou quem era a escritora romena naturalizada alemã que venceu o Nobel de literatura este ano. Alguns afoitos arriscaram opiniões duvidosas. Daniel Piza foi ousado ao dizer que Müller é uma escritora de segunda. Analisou a escritora considerando apenas uma obra e - pior - uma tradução. Pior ainda: tradução de Lya Luft. Acusou seus leitores de não terem lido o único livro de Herta publicado no Brasil - O compromisso, editado pela Globo. Bobagem, foram os estertores da vaidade. O fato é que a tradução da Lya Luft é fraca. Não vou aborrecer meus poucos leitores com detalhes da tradução. Até porque não tive acesso ao livro inteiro em alemão, mas somente a partes. Entretanto, o título nos dá uma boa ideia das opções da tradutora. No original: Heute wär mir lieber nicht begegnet. Em português: O compromisso. Depois de analisar a baixa qualidade da tradução, resolvi tentar outra obra. Pesquisei em sebos e encontrei uma boa versão feita na terrinha. Mais: consegui uma versão em espanhol também. Ainda não me considero conhecedor da literatura de Herta Müller, mas vou avançando. Até porque encontrar os livros de Herta é tarefa complicada, seja em alemão, em português ou em outra língua. Entrei em contato com livrarias alemãs em São Paulo e nada.

O homem é um grande faisão sobre a terra.
Der Mensch ist ein groβer Fasan auf der Welt.
Já podemos visualizar nesta tradução um pouco do estilo enigmático e elíptico que faz desta obra de Herta Müller uma coisa única na literatura. Logo no início da obra, a explicação para o título, uma nota da tradutora (Maria Antonieta C. Mendonça): "O título reporta-se ao provérbio romeno 'O homem é um grande faisão sobre a terra', o qual pretende estabelecer a associação entre o voo desajeitado do faisão e os defeitos e a acção desastrosa do homem sobre o mundo que o rodeia." Não pude deixar de relacionar com o "Albatroz", de Baudelaire. É um livro bonito, cujo tema é caro à autora: a imigração. No caso a luta de uma família romena para se mudar para a Alemanha. O casal: Windisch e a mulher. A filha Amalie. As frases são curtas, o que facilita a leitura em alemão. Ao estilo de James Salter, a mesma elegância.
Windisch é um pai agoniado que tenta justificar a corrupção da filha, que usa o sexo para conseguir o passaporte: "'A minha filha', diz Windisch medindo mentalmente a frase, 'a minha Amalie também já não é virgem'. O guarda-nocturno olha para a nuvem vermelha. 'As barrigas das pernas da minha filha parecem melões', diz Windisch." Ao mesmo tempo, a vida na Romênia é insuportável. Há sim muito de autobiográfico, já que o livro foi escrito quando Herta Müller tentava o visto para se mudar para a Alemanha.
Todos sabem que a escola do vencedor do Nobel passa por questões políticas. Mas há literatura ali também, há uma escritora laureada e respeitada na Europa. Não é somente dizer que foi uma surpresa, que é uma escritora de segunda, que mereciam muito mais o Nobel Philip Roth, Claudio Magris, Amós Oz. Até acrescentaria outros aí nesta lista, principalmente António Lobo Antúnes e por que não Rubem Fonseca?
Um trecho da tradução para que vocês julguem:
"As crianças agrupam-se em semi-círculo, segundo o tamanho, em frente da secretária do professor. Comprimem as palmas das mãos sobre as coxas. Elevam o queixo. Os olhos tornam-se grandes e húmidos. Cantam em voz alta.
Os meninos e as meninas são soldadinhos. O hino tem sete estrofes.
Amalie pendura o mapa da Roménia na parede.
'Todos os meninos moram em blocos de apartamentos ou em casas', diz Amalie. 'Cada casa tem quartos. Todas as casas juntas formam uma grande casa. Esta grande casa é nossa terra. A nossa pátria.'
Amalie aponta para o mapa. 'Esta é a nossa pátria', diz ela. Com a ponta do dedo procura os pontos negros no mapa. 'Isto são cidades da nossa pátria', diz Amalie. 'As cidades são os quartos desta grande casa, da nossa terra. Nas nossas casas moram o nosso pai e a nossa mãe. São os nossos pais. Cada criança tem os seus pais. Tal como o nosso pai na cada em que nós vivemos é o pai, assim o camarada Nicolau Ceausescu é o pai da nossa terra. E tal como a nossa mãe na casa em que nós vivemos é a nossa mãe, assim a camarada Elena Ceausescu é a mãe da nossa terra. O camarada Nicolau Ceausescu é o pai de todas as crianças. E a camarada Elena Ceausescu é a mãe de todas as crianças. Todas as crianças amam o camarada e a camarada porque eles são os seus pais.'"

Aí está toda a ironia do livro: Amalie não ama seu pai e sua mãe, que usam a sua beleza para fugir do regime totalitário de seu país. É um livro muito bonito, escrito de maneira primorosa por uma grande escritora. Uma escritora de primeira. 

27 de setembro de 2009

Bukowski

Recordo-me de um amigo dos tempos da pós-graduação, que precisava traduzir um bom trecho de uma tese escrita em holandês. Só que ele não sabia nada dessa língua e não conhecia ninguém que soubesse. Então, conseguiu um dicionário em um sebo e foi traduzindo, intuindo, até chegar em frases que faziam certo sentido. Em uma semana traduziu uma página e meia, duas, no máximo. Mas aí ele já não era a mesma pessoa, era alguém que tinha uma leve noção do que era conhecer uma outra língua e sabia que dali pra frente traduzir seriauma tarefa cada dia mais fácil. Eis uma poesia de Bukowski, de que gosto muito:

the souls of dead animals

after the slaughterhouse
there was a bar around the corner
and I sat in there
and watched the sun go down
through the window,
a window that overlooked a lot
full of tall dry weeds.

I never showered with the boys at the
plant
after work
so I smelled of sweat and
blood.
the smell of sweat lessens after a while
but the blood-smell begins to fulminate
and gain power.

I smoked cigarettes and drank beer
until I felt good enough to
board the bus
with the souls of all those dead
animals riding with
me;
heads would turn slightly
women would rise and move away from
me.

when I got off the bus
I only had a block to walk
and one stairway up to my
room
where I'd turn on my radio and
light a cigarette
and nobody minded me
at all.

20 de setembro de 2009

Poetas




Estou distante deste blog porque me dedico há vários dias à obra completa de dois poetas: Bukowski e Cummings. O problema é que pouco há a dizer sobre eles e por isso meu silêncio. Pouco resta a dizer porque muito já foi dito. E meu silêncio expressa também a grandiosidade das obras. Frente aos versos, me sinto impotente, inútil. É como ouvir Mozart. O mínimo que devemos fazer é nos calar.


7 de setembro de 2009

Resenha de Silas Correa Leite




Fragrâncias e Ordenhas Historiais em “As Espirais de Outubro”, Romance de Whisner Fraga


“Mas não se preocupe, meu amigo/
Com os horrores que eu lhe digo/
A vida realmente é diferente/
Ao vivo é muito pior...”

Belchior

Aila, personagem principal narradora-memorialista do romance “As Espirais de Outubro”, ora no passado, ora no presente, ora no futural (o Nobel de Literatura brasileiro), ora um sem tempo ou tempo nenhum, o que dizer dela? Implicações, reinações, florações. Respigando. Paradoxos, ossos e ócios do oficio de ler-ser-escrever-ter-se (tecer-se). Brilhante romance como se fosse escrito a ferro e afago; escrito como uma espátula impressionista a arrancar fios, recalques, tiras, simulações, descaminhos, espirais – da vida-obra-livro: Aila ela mesma no fim do seu íntimo outonal.

Tantos personagens-páginas vão e voltam, estão e soam, dizem, costuram elementos-paisagens e assim compõem a estrutura narrativa do belo romance do Whisner Fraga, já autor de Coreografia dos Danados (Edições Galo Branco 2002), e A Cidade Devolvida (7 Letras, 2005). A intimidade devassada pela velha escritora em um apartamento no bairro do Botafogo, Rio de Janeiro. O nome do bairro já alude a um rasgo de incêndios revisitados pela ótica da narradora-personagem querendo assim alumiar resquícios de vida louca, personagem de si mesma em agonia a esperar um fim, sem ter se dado um fim em si mesmo, preferindo prolongar a agonia de viver no que escreve, mesmo negando isso. Nas reminiscências ficando a sua espécie assim de continuação... Como se ordenhasse as ovelhas das memórias recapituladas em prosa poética, mas com estilo, qualificação, ora desbunde, ora rancor, sempre o que foi (tem sido) naquilo que agora expropria entre erranças associadas, heranças historiais e inventários de si mesma no camarim das horas e honras indispostas. Penumbras.

A melhor obra é quando o próprio autor morre no final? Mortos acompanham a obra de Aila/Whisner. Um cortejo de palavras, tristices, corpos, danações. Fantasmas pontuando parágrafos como se querendo compor lidas adjacentes, a colocarem pingos em dáblios, não em is. O apartamento. A cidade. Tudo ali, vida em viço, o inicio, a composição de, depois o estado decrépito, erros e acertos, fragrâncias e decomposições. O câncer, o Nobel, o diário-romance (reinventando a vida em declínio?), lembrando aqui e ali Clarice Lispector, ora Hilda Hist, ora Lygia Fagundes Telles, mas sempre ele mesmo Whisner com talento e maestria levando a correção do livro e à corrosão de uma vida-personagem enlivrada. O diabo mora nos desfechos? Mergulhos em maldições. A coitada da vez tendo voz-escrita. Não tem como não se encantar com Aila. A mulher carregando a violência, quase incapaz de domá-la, no entanto com trejeitos peculiares costurando-a nas contações, domando, por fim, a ordenha de momentos, fragmentos, destilos, despojos, jorros narrativos da feia e fera se entregando de mão beijada. Tem um toque poético e um jeito que cutuca um enfoque meio Nelson Rodrigues em certas paragens-interpretações do sentimento ledor, da existência-monstro-poderoso com brincadeiras e perversidades. Ai de ti Botafogo!

A espera pela morte, da morte. Familiares reduzidos a momentos e sentenças. Amigos catados de escombros, e ainda assim dando alguns suportes afetivos. Personagens-relações transfigurados, compondo o cenário de amor, dor e de horror com reticências. Será o impossível? O ar abafadiço estaciona na memória requentada. Os vazios da rotina. O livro-filho-continuação. Presenças e ausências ressentidas. Janelas da alma no quarador de tantas implicações, alguma de fundo falso. Lugares fechados, sombrios. Pés enxofrados das palavras-libertações. O mesmo lugar, lugar nenhum, qualquer lugar em si mesmo.

Você, na correria estúpida da vida in Sampa também embrutecida, quer ler o livro do Whisner Fraga de supetão, não consegue. É corrompido a ler como um desgaste de ferrugens da alma da Aila, é levado a parar, truncar, ir e voltar, rever, como se arrancasse suas próprias espirais e tivesse que adentrar àquele mundo criado lento, devagar, aos poucos, na prosa poética que seduz, cativa, aponta dedos em faces que ora chegam, ora saem, entrecortando parágrafos como se tudo fosse uma balburdia literal de acasos, ocasos e pertencimentos querendo ser avaliados, feito desespelhos. Memórias sangram palavras. Não é fácil procurar culpados, pior, achá-los. Não se podendo parir um filho, poder parir um livro, não deixando um legado de horror-filho mas um legado de reconciliação-livro. Escrever continua sendo mais fácil do quem existir.

O pai, a mãe, Augusto, Catarina, Karina, Adriano, Fabrícia, todos (presenças arrebanhadas), a cara e a corrosão da autora-Aila em parecenças. Iguais diferentes? Cada um com sua cruz-crusoé, ilha-alheamento. Nós. Suicídio, indiferença, a faca da linguagem cegando, instantes-trevas. Vaidades antigas, corpo em desalinho, embriagações em memórias talvez inventadas. O ser-não-ser? Clandestinos amores, ecos, zelos, não há lógica na mortevida, no destino, apenas capitulações, vestígios de ausências, exercícios de perdas. A morte sendo preparada em livro. A freira, o homossexual, a vida boêmia, o Rio de Janeiro continua límpido. Entre sombras amealhando curtumes. O diário-monólogo, o último ato antes de. Qualquer coisa. Espirais. Maldições e coitados tendo voz. Por eles, por Aila mesmo, em recomposições a espera do final que certamente virá. Melancolia. Sentimento de esterilidade frente ao que passou, se passou (se passou?), foi, está, virá, é cruz-destino. A campainha. O telefone. A vida-fera e o recolhimento antes do último suspiro. Veias de comunicações in-terrompidas...

“...a cidade decadente, cinza, com suas baías comprometidas, fétidas, os rios acuados no meio de uma civilização agressiva, o mal que fizemos escancara-se por todos os lados” (Pg 36). Os poros da Aila ela mesma essa cidade que narra. Não pode sair de si, mas pode expandir-se no que corajosa destila, escreve, nomeia, delata, conta, romanceia na metalingüística de escrever sobre o que descreve. O desmanche de coisas que não quer que migrem para o vazio. Escrever é ficar de alguma maneira entre rascunhos e escritas-momentos?.

Carcaças agônicas preenchendo vazios. Não ser esperada e não esperar. Muito triste. Escreve para se ter consigo mesma. Ah o self.

“A morte se aproxima e polvilha sobre a minha cabeça todas as faltas arrebanhadas, exige um balanço final ou um prelúdio para o encontro fatal, quando me cobrarão erros” (Pg 52). A longevidade desastrosa, as situações obsessivas, conflitos, filtros de. Um romance sobre a escrita dele. Memórias vasculhadas. Rascunhos e originais. A preparação para o desfecho bendito/maldito. Os loucos são especiais pra Deus? Há um Deus? Viver é a qualquer custo? Sobreviver tem um preço, dói desatinadamente. E re-eescrever o subViver, feito mesmo assim um escreViver? Prazer Prozac de viver? A consciência do Zero.

“Essa palavra tão banalizada, nada pode acrescentar à história que não seja dúvida” (PG 108). Nomeações que seriam (foram) imprudentes. Pondo o dedo com indisfarçável rancor (negado) em feridas revisitadas. Consciência pesada e vaidade leve. O querer não querendo. O desdizer. O negar afirmando. Contundências. O desgosto de lembrar, pior, ter que lembrar para auditar (auditar?) o que foi real e o que deveria ter sido, poderia ter sido, só o é no que nomina sob disfarces e a expectativa do fim, no camarim da vida se extinguindo...

“Como explicar ao filho o mecanismo do patinete? A escolha do galho da goiabeira mais propício à construção do estilingue(...)” (Pg 122). O futuro na morte resgatando a obra que ficou... O filho que não teve (drumondeando) e fez-se livro?

Um Dia, pré-final: romance misturando descrições e evocações, imaginário e aventuroso, contradições, o alterego, licenças poéticas, tudo tirado do mesmo final. Feliz ou infeliz? Ler pra saber. Isso fica com a sensibilidade atiçada do leitor no envolvimento, ele também um reinventor do que lê, pelo que pensa, sente, aquilata, do que tem de bagagem e gosto por leituras de peso. O romance As Espirais de Outubro é sim, um clássico. Um esgotamento de sensibilidade depois das páginas-lágrimas, vidas-personagens, verdadeiros espirais do talento e da sensibilidade do Whisner Fraga, num trabalho também de edição de belíssima qualidade sob a Coordenação Editorial do Valentim Facioli. Leia e sofra. Leia e viva. Leia e grude. Leia e curta. Leia e sinta por você mesmo. Leia e deguste o final do romance que na verdade não se enquadra assim a priori em estilo nenhum, é um trabalho literário mágico falando das incongruências da vida levada a reboque. Dor e agonia. Criação e criatura. Ah que bom que, assim como o passado tem asas, o escritor tem uma linguagem edificante, toda própria. O fazer falando do fazer. Todo bom escritor é isso: esperar que o leitor de alguma forma e por um seu motivo também morra no final. Saí mais leve dessa leitura-vida-e-morte. Em algum lugar do passado, em algum lugar do presente, aqui no livro-lugar do futuro. Ah as espirais do tempo-rei...


Silas Correa Leite – Escritor, Jornalista Comunitário, Teórico da Educação, Conselheiro em Direitos Humanos, pós-graduado em Arte e Literatura na Comunicação (ECA/USP) - E-mail: poesilas@terra.com.br Blogue: www.portas-lapsos.zip.net Autor de “Campo de Trigo Com Corvos”, Contos, Editora Design, finalista do Prêmio Telecom, Portugal, à venda no site www.livrariacultura.com.br

29 de agosto de 2009

Thomas Wolfe


Primeiro e mais importante: não confundir Thomas Wolfe (1900 - 1938) com Tom Wolf (1931 - ). Este último um jornalista americano que escreveu o best seller "A fogueira das vaidades" (The bonfire of the vanities) e que adotou o pseudônimo em homenagem a um dos maiores escritores da literatura de língua inglesa. Sobre Thomas Wolfe escreveu o Chicago Daily Tribune: "Reading the work of this genius is like listening to Wagner or watching the aurora borealis. It is an experience beside which the mill run of most fiction seems trivial and insignificant." Não é exagero. Seus contos são obras-primas da concisão e da elegância.
Primeiro eu quero falar sobre um conto de Thomas Wolfe: The lost boy. Traduzido no Brasil como "O menino perdido", por Marilene Felinto, narra a história de Grover, um garoto inteligente que é enganado por um padeiro sovina. Permeando o argumento aparentemente simples, há uma sórdida e triste história de racismo. Este conto é narrado pelo Grover e o que é apresentado ao leitor é seu ponto de vista. Depois temos as opiniões da mãe, do irmão e da irmã de Grover a seu respeito e assim se constrói uma das mais belas histórias que já tive a oportunidade de ler.
No conto "Arnold Pentland" (Parente de sangue na tradução de Felinto, percebemos a arte de Wolfe ao descrever o fracassado Arnold, que decide mudar de nome e de destino para se vingar da família que não soube educá-lo. Deste conto destaco o trecho:

"Arnold Pentland was a man of thirty-six. He could have been rather smal of limb and figure had it not beem for his great soft shapeless fatness - a fatness pale and grimy that suggested animal surfeits of unwholesome food. He had lank, greasy hair of black, carelessly parted in the middle, his face, like all the rest of him, was pale and soft, the features blurred by fatness and further disfigured by a greasy smudge of beard. And from this fat, pale face his eyes, brown and weak, looked out on the world with a hysterical shyness of retreat, his mouth trembled uncertainly with a movement that seemed always on the verge of laughter and hysteria, and his voice gagged, worked, stuttered incoherently, or wrenched out desperate, shocking phrases with an effort that was almost as painful as the speech of a paralytic."

A tradução de Felinto:

"Arnold Pentland era um homem de trinta e seis anos. Seria um tanto pequeno de membros e compleição, não fosse por sua enorme obesidade amorfa - uma gordura pálida e encardida, que sugeria um empanturrar-se animalesco de comida insalubre. Tinha cabelo preto, escorrido e seboso, repartido no meio com desleixo; o rosto, como tudo nele, era pálido e mole, os traços encobertos pela gordura e ainda desfigurados por um borrão de barba. E sobre esse rosto pálido e obeso, seus olhos castanhos e doentios olhavam o mundo, refugiados numa timidez histérica; sua boca tremia insegura, num movimento que parecia sempre à beira da risada ou da histeria; e sua voz engasgava, debatia-se, gaguejava incoerente, ou soltava frases insensatas e chocantes, num esforço quase tão doloroso quanto o discurso de um paralítico."

Este pedaço do conto nos dá a certeza de uma personagem derrotada pela vida: as palavras "pale" e "fatness" aparecem com frequência na descrição de Arnold, levando-nos a compará-lo com um urso que resolveu hibernar, também por questão de sobrevivência, porque é incapaz de encarar o mundo. A mãe, ciente de que errou em algum momento, toma o máximo cuidado com tudo o que lhe diz:

"his mother, approaching him, spoke to him in the tender, almost pleading tone of a woman who is conscious of some past negligence in her treatment of her child and who is now, pitiably too late, truing to remedy it."

"a mãe, aproximando-se dele, falou-lhe no tom suave, quase suplicante, de uma mulher que está consciente de alguma antiga negligência no tratamento que dispensou ao filho e que agora, infelizmente tarde demais, tenta remediar."

O pai não consegue ignorar a fraqueza do filho e o humilha a todo instante. Thomas Wolfe descreve com tal elegância a história desta família que não conseguimos ter pena de Arnold, que escolheu a derrota como sua forma de revolta.

Os trechos traduzidos por Marilene Felinto foram tirados do livro "O menino perdido e outros contos", editado em 1989 pela Iluminuras. Os originais eu copiei do livro "The complete short histories of Thomas Wolfe", editado pela Collier Books em 1989.


17 de agosto de 2009

Sophie's choice




Nestes tempos em que todos tememos a gripe suína como o vírus que dizimará a raça humana, é triste recordar que o escritor William Styron (1925 - 2006) faleceu vitimado por uma pneumonia. Triste para mim, porque sempre sinto a morte de um artista de talento.
Poucos terão a coragem necessária para encarar as mais de seiscentas páginas de "A escolha de Sofia", do norteamericano Styron, publicadas em 1979. Para estas pessoas, há um filme razoável lançado em 1982, com Meryl Streep no papel principal. A película, é claro, não chega perto da beleza do romance, principalmente por causa da Meryl Streep. Considero-a uma boa atriz, mas imaginá-la no papel de Sofia é demais. Sofia é descrita no livro como possuidora de uma beleza selvagem e sublime, coisa difícil de se ver na Streep.
Se alguém for procurar por aí um resumo do livro, encontrará algo vagamente ilustrativo sobre um casal, um aspirante a escritor e o holocausto. Mas a história vai muito além disso. Alguns acharão algumas matérias mais profundas, que tentam explicar a escolha do título: também podem estar lendo informações incompletas.
Ao se aventurar pelo livro de Styron, o leitor deve ter em mente que se trata de um escritor norteamericano dos anos 50, o que quer dizer longas (embora não tediosas) descrições, diálogos precisos, embora igualmente compridos e uma narrativa que beira o jornalismo de Gay Talese. Nada disso é ruim, óbvio, é só uma maneira de escrever.
"A escolha de Sofia" narra a história do casal Nathan e Sofia, ele um jovem perturbado e ela uma polonesa católica, que amargou anos em campos de concentração e vai parar nos Estados Unidos numa tentativa de reconstruir sua vida. Para se juntar à história surge o sulista Stingo, alterego de Styron. Mas o fato é que naqueles anos eles não podem e de fato não transformam aquele relacionamento em um triângulo amoroso. Mas é explícita a incompreensão de Stingo quando se vê atraído por Nathan (embora nada se consuma a não ser em um sonho) e ainda mais explícita a descrição de uma cena de sexo entre Sofia e Stingo, quando afinal ela cede aos encantos do sulista, tem-se a impressão de que é muito mais por um sentimento materno e por uma dívida pelo amor que este nutre por ela.
Sofia é capturada por nazistas porque tenta contrabandear uns quilos de presunto, que levaria para a mãe moribunda. A polonesa vive um contundente sentimento de culpa, porque o pai era antissemita e porque a mãe morreu sem que recebesse a tão desejada carne. Além disso, quando Sofia é capturada está com os dois filhos, Jen e Eva. A escolha a fazer é a seguinte: um oficial nazista lhe explica que pelo fato de Sofia ser polonesa, ela tem de optar por um dos dois filhos, que seguirá para a câmara de gás. Mas a escolha não tem importância nenhuma do ponto de vista prático, pois seria apenas prolongar a existência. Todos que estavam ali tinham consciência que morreriam cedo ou tarde. Claro que isso não foi verdade, hoje sabemos que vários conseguiram escapar, mas pelo menos era o que todos aqueles judeus e poloneses tinham em mente. O fato é que se Sofia não escolhesse, ambos seriam levados imediatamente para a câmara.
Mas a escolha de Sofia é muito mais do que isso e é o que torna este um livro até certo ponto perturbador: percebemos que Sofia tem de viver com esse fardo de não poder ter tudo o que deseja jamais, então tem de escolher entre o amor por Nathan e a atração por Stingo. Tem de optar pela crença em um Nathan que pode ser curado de sua esquizofrenia e do uso abusivo de drogas ou pela lucidez de um mundo que não é esse conto de fadas. Parece-lhe que a Nova Iorque do final dos anos 40 é tão desumana quanto Auschwitz. Nesse meio tempo, não há como acreditar em Deus e Sofia sente que a única fuga que lhe é permitida vem por meio do sexo. E é por isso que Meryl Streep jamais poderia fazer algo que prestasse a esse respeito, porque ela pode até ser uma boa atriz, mas não dá para olhar para ela e sentir qualquer espécie de desejo nesta área.
Sofia sabe que não conseguirá descanso, porque está irremediavelmente marcada pelos traumas do campo de concentração, pela privação que passou durante anos e pelas doenças que quase a mataram. Há no livro esta sensação constante de erro: Sofia devia ter morrido, Nathan devia estar internado em um hospício e Styron devia se concentrar solitariamente na escrita do seu romance. Mas são esses equívocos de Deus (como descreve Styron) que preparam os homens para as tragédias.
O livro já foi acusado de auto-indulgente, mas olhar a obra sobre este prisma é diminuí-la. É claro que há muito de autobiográfico e o olhar que o autor lança sobre si mesmo é piedoso, o que não importa, já que é apenas um outro olhar e não o verdadeiro. A narrativa, os pontos de vista do narrador, as histórias selecionadas, a indulgência, tudo isso também é escolha. O romance não pode ser lido com olhos de hoje, quando tudo que podia ser escrito sobre os campos de concentração já foi escrito, na ficção e fora dela, sob pena de rotulá-lo de livro comercial, quando na verdade ele representa o ressurgimento da ficção estadunidense, ao mesmo tempo que sugere um novo tipo de narrativa, misturando elementos dos romances comerciais com um estilo quase nunca poético, mas pungente e preciso.

8 de agosto de 2009

Hócus-Pócus



As capas dos livros que comento aqui podem, às vezes, parecer estranhas. De fato talvez o sejam mesmo. Há uma explicação: eu mesmo as escaneio e embora o faça com muito carinho, não tenho muita paciência para retoques. O máximo que faço é diminuir o tamanho do arquivo para que não fique muito pesado na página.
Dito isto, vamos a Kurt Vonnegut: nasceu em 1922 em Indianápolis, nos Estados Unidos e morreu em 2007, em Nova Iorque, cidade onde morava desde 1970. Foi formado em Química e Antropologia e serviu na infantaria durante a Segunda Guerra Mundial. Provavelmente sua obra mais conhecida aqui no Brasil seja Matadouro 5 (Slaughterhouse-Five) e acho que por causa deste seu romance, ele é taxado de escritor de ficção-científica. O fato é que este "Hócus Pócus" é um livro e tanto e não tem nada de ficção-científica. Digo até com um certo preconceito, porque os livros de ficção se preocupam mais com a história e mais ainda com as ideias mirabolantes que devem fazer sentido e ter um embasamento teórico do que com a linguagem. Ray Bradbury tentou mudar isso trazendo lirismo para o estilo, mas ele já estava estigmatizado.
Hócus pócus é uma expressão que significa algo como truque ou fraude. Como chegou até aí ninguém sabe, porque em termos linguísticos, Hócus pócus não significa nada. Tem um jeitão de latim, mas é besteira: o próprio termo é uma fraude.
Kurt Vonnegut fala neste seu romance de um tema que sempre o perturbou: a guerra. E a guerra está presente o tempo todo, ora como realidade, quando o personagem principal do livro, o professor Eugene Debs Hartke, que é apresentado pelo autor logo no primeiro parágrafo do romance, resolve contar as pessoas que matou na Guerra do Vietnã, ora como uma inquietante sombra, que é o caso de um presídio gerenciado por japoneses que está sempre a um passo de uma rebelião.
A história: o professor Hartke se torna professor por um acaso - mandado para o exército pelo pai desejoso de um filho de sucesso, vai para West Point e depois para a guerra. Feito o que tinha de ser feito, o soldado retorna para os Estados Unidos sem saber o que será de seu futuro, até que um acaso o faz trombar com seu antigo oficial comandante, que então era diretor de um colégio e precisava de um professor de física.
Um rio separa o Colégio Tarkington e um presídio de segurança máxima com fins lucrativos gerenciado por japoneses. Era uma época em que os americanos começaram a preferir produtos vindos da terra do sol nascente. O Colégio Tarkington é uma dessas escolas para crianças ricas com problemas de aprendizagem.
Mulherengo, Eugene começa a sair com a esposa do diretor. Isso não poderia resultar em boa coisa. Colocam uma menina com um gravador escondido para seguir o professor por toda a escola. Uma maneira eficiente de conseguirem provas para dar um jeito no professor Hartke. Sem emprego e um pouco desesperado, consegue ficar amigo do diretor do presídio e começa a lecionar lá. Como ele é meio maluco, os prisioneiros se identificam com ele e adotam-no como um mentor, o que complica a sua vida, já que quando acontece o motim, ele é acusado de ser o guia dos presos. Com tuberculose e na cadeia, Eugene espera sobreviver neste estranho país que o recebeu de volta.
A qualidade da literatura de Vonnegut está justamente nesta crítica ao jeito americano de ser e na linguagem crua, extremamente crua e ácida.
Para encerrar, eu acho essa capa da Rocco perfeita, a metáfora de uma sociedade que já não funciona de forma correta há muito tempo.

Trecho de Hócus Pócus

Acho que William Shakespeare foi o homem mais sábio que existiu. Mas, para ser franco, isso não é grande coisa. Somos animais de uma vaidade impossível, e na verdade burros de doer. Pergunte a qualquer professor. Nem precisa perguntar a um professor. Pergunte a qualquer um. Cães e gatos são mais espertos do que nós.
Se eu digo que os Curadores do Colégio Tarkington eram Burros, e que as pessoas que nos meteram na Guerra do Vietnã eram burras, espero que fique claro ser eu mesmo o maior Burro de todos. Olhe aonde vim parar agora, e como dei duro só para chegar aqui, e não a outro lugar. Bingo!
E se acho que meu pai era uma besta quadrada e minha mãe era uma besta quadrada, o que posso eu ser se não outra besta quadrada? Pergunte aos meus filhos, legítimos ou não. Eles sabem.

(Tradução de Rubens Figueiredo para a Rocco, edição de 1993).


O trecho em inglês:

I think William Shakespeare was the wisest human being I ever heard of. To be perfectly frank, though, tht's not saying much. We are impossibly conceited animals, and actually dumb as heck. Ask any teacher. You don't even have to ask a teacher. Ask anybody. Dogs and cats are smarter than we are.
If I say that the Trustees of Tarkington College were dummies, and that the people who got us involved in the Vietnam War were dummies, I hope it is understood that I consider myself the biggest dummy of all. Look at where I am now, and how hard I worked to get here and nowhere else. Bingo!
And if I feel that my father was a horse's fundament and my mother was a horse's fundament, what can I be but another horse's fundament? Ask my kids, both legitimate and illegitimate. They know.

1 de agosto de 2009

Fome de rosas




Toda semana recebo alguns livros em casa - amigos com seus lançamentos, escritores em busca de novos leitores. Ganho muito mais livros do que consigo ler. Porque além destes que chegam até mim, ainda há os outros, que compro com o desejo de conhecer. Há uma pilha de obras aguardando minha leitura. Então, infelizmente, tive de adotar um critério: para que eu não tenha de simplesmente abandonar os livros que ganho em um canto, leio as três primeiras páginas de todos. Se resistirem à leitura, provando sua qualidade, sigo até o final.
Não tenho tempo sequer de agradecer a todos os que me enviam suas obras, que gastam tempo e dinheiro envelopando sua esperança e me destinando um alô. É uma questão de tempo sim, de forma que, como encaro a literatura como meu segundo trabalho, sou "obrigado" a ler de cem a duzentas páginas todos os dias. Mas o mesmo critério eu uso com os escritores consagrados: se eu não julgar que fizeram um bom trabalho, também não passo das três primeiras páginas. Se alguém me recomenda e a leitura engasga pela falta de qualidade, tento chegar até a décima página para ver se é só uma questão de tipo.
Uma história que me pegou de jeito foi a de "Fome de rosas", de Rosângela Vieira Rocha. Li três resenhas sobre este livro, publicadas em jornais e sites. Como não escrevo mais críticas literárias e estou correndo de jornal, vou tentar contar algo diferente sobre o romance. A respeito da escritora, quem quiser saber mais, digite o seu nome no Google e veja o que acontece.
Para ser honesto, o título não me incentivou muito e a capa também não me ajudou. Mas é uma questão de gosto, vejam bem: gosto. Porque tanto a capa quanto o título são muito coerentes com a mensagem que Rosângela pretende passar. Mas não me iludi - sou daqueles que acham que um texto não se vende pela capa ou por um título somente. Não me arrependi.
Vamos primeiro à história. Rosângela começou a trama no momento preciso para laçar o leitor: no enterro de um jovem e poderoso advogado, morto em um acidente de carro. Lisandro deixa mulher (Ariadne) e duas filhas (Letícia e Alice). Até aí tudo bem. O que não gostei muito nas críticas que li foi a atenção exacerbada que deram à personagem Alice. Ótimo, mas o livro é mais do que isso.
Letícia é uma jovem de vinte e um anos e Alice uma mimada garota-problema de 13. Com a morte do pai, Letícia vê-se obrigada a cuidar da família, que vivia confortavelmente em uma mansão, onde alienavam-se Ariadne e Alice. A filha mais velha decide que não quer esse fardo para si, abandona o curso de Direito no último ano e segue com o marido para a Alemanha, onde ele fará seu doutoramento e ela cuidará da casa. Rosângela trata de forma superficial da questão do imigrante, pois não é seu objetivo se aprofundar sobre isso, mas é muito feliz ao retratar de maneira poética a solidão em um novo país.
Alice é uma pré-adolescente que fica menstruada no dia da morte do pai - e é emblemática essa sutil união de sangues. Gordinha, decide perder peso sozinha, comprando dezenas de livros sobre dietas. Faz exercícios, controla a alimentação e em alguns meses se vê quinze quilos mais magra, ao custo de negligenciar a escola e de se tornar paranóica com o corpo. É um dos méritos do livro: discutir e apresentar de forma detalhada e certeira o processo de desenvolvimento de duas graves doenças: a bulimia e a anorexia. Alice tem em casa modelos de beleza: a mãe e a irmã e decide fazer o que está ao seu alcance para ficar como elas. Rosângela Vieira mostra o perigo da Internet sem fiscalização, os efeitos dos conselhos de amigos virtuais na disseminação de bobagens, as consequências do abandono, já que Ariadne decide, após anos se dedicando à família, cuidar um pouco de si e retomar um antigo relacionamento com um empregado de seu ex-marido.
É uma questão pessoal, mas achei muito interessante o aparecimento da cantora Karen Carpenter na narrativa. Carpenter foi um caso que ganhou a mídia do final dos anos 70, quando começou a emagrecer desenfreadamente e chegou a morrer em 1983, com problemas no coração, decorrentes da anorexia. É um assunto bastante atual, tendo-se em vista a exigência de modelos cada dia mais magras. Usuários do Protoshop criam ilusões, capas de revistas com mulheres perfeitas, sem celulite, sem estrias, com a barriguinha malhada e com um rosto sem marcas. Os recursos de luz e destreza fotográfica de antigamente me pareciam mais honestos.
O mérito de Rosângela está no seu modo de escrever, sem rodeios. Ela sabe contar uma história sem se posicionar criticamente sobre o tema, o que não quer dizer que o livro não trate a questão de maneira crítica, evidente. Ela simplesmente narra os fatos, o que é importante em se tratando de um ponto tão delicado. Se a autora tomasse um partido, o livro poderia descambar para a defesa gratuita de um preconceito.

Trecho

O cortejo deixa a capela. Não houve tempo para os convites, tudo aconteceu rapidamente. A última a sair é Alice, a filha mais nova do morto, de calça jeans e camiseta, pálida, apesar dos olhos secos. Elas nem parecem irmãs, de tão diferentes. A mais velha é alta, esbelta, morena, olhos azuis esverdeados. O luto não a impediu de preocupar-se com a aparência. Vestida com um discreto conjunto bege, de bolinhas marrons, sandálias de salto alto, cabelos bem assentados e uma maquiagem leve, Letícia já parece a dona do escritório de advocacia que herdará do pai, logo que terminar o curso. Flávio, o namorado, é um jovem juiz de direito cujas sentenças têm sido comentadas nas revistas especializadas e nos seminários jurídicos. Lisandro apreciava o futuro genro, dizia que tinha futuro, mas queria que a filha se formasse antes do casamento.

Fome de Rosas, Rosângela Vieira Rocha, Edições Dédalo, Brasília, 2009, 138 páginas.

30 de julho de 2009

Os estranhos




Há alguns anos escrevi o prefácio para um romance da Carla Dias, que me tocou profundamente. Sempre insisti para que ela o inscrevesse em algum certame e que o editasse logo. Então ela acabou ganhando um concurso importante aqui no estado de São Paulo e seu livro será lançado dia 22 de agosto próximo, na Livraria da Vila (Alameda Lorena, 1731), na capital. É uma boa oportunidade para conhecer a obra desta escritora que, eu tenho certeza, ainda ganhará muitos outros prêmios importantes.
Abaixo o release do livro da Carla.

Romance aborda a solidão presente na proximidade

Premiado pela Secretaria de Estado da Cultura, através do ProAc – Programa de Ação Cultural – o livro Os estranhos, da paulista Carla Dias, é o primeiro título da [sic] editorial. Por meio do cotidiano aparentemente simples, Carla tece a trama de personagens complexos.
Alice, a personagem central, tem um trabalho comum numa vida ainda mais comum. Nas horas vagas, gosta de  lmar depoimentos de pessoas atormentadas e com desequilíbrio emocional. Kalé, o outro protagonista do romance, é um escritor às voltas para  nalizar mais um livro. A proximidade dos dois acontece ao acaso, assim como a proposta abrupta de Kalé para ocupar um dos quartos da casa de Alice e dividir com ela as despesas. Mas o que une Alice e Kalé é a solidão que cada um à sua maneira cultua. E esta proximidade entre eles empurra-os para questionamentos e descobertas.
Afinal, até onde as pessoas podem ser estranhas mesmo estando próximas? Até onde a proximidade pode ser alento? Até onde pode machucar? Essas são algumas das muitas perguntas que Carla Dias faz brotar na cabeça do leitor já nas primeiras páginas do romance Os estranhos. Mas não espere resposta pronta. O talento de Carla é daqueles que instigam.
Para o escritor Whisner Fraga, que assina a apresentação de Os estranhos, o livro de Carla “é grande literatura. Aqui há solidão, desesperança, amizade, arte, intrigas, mas tudo permeado de uma ironia refinada, de dúvidas e da presença da cidade grande, esse mito aterrorizante que constrói individualidades asfixiadoras”.
Carla Dias é escritora, baterista e produtora de eventos. Em 1997, publicou O Azul, seu primeiro livro, uma coletânea de contos e poesias. Em 1998, participou com o conto Queda da antologia Encontros, organizada por Whisner Fraga. No mesmo ano, tornou-se colaboradora do site Crônica do Dia, no qual publica até hoje. Ficou em segundo lugar no III Concurso de Contos José Cândido de Carvalho promovido em 2001 pela ANE – Associação Nacional dos Escritores – com o conto Vôo cego.

28 de julho de 2009

O quarto de Jacob




Será que se não conhecêssemos a biografia de Virginia Woolf, saberíamos que o Jacob do livro é, na verdade, seu irmão Thoby? Será que se ela não escrevesse um diário narrando a confecção deste romance, saberíamos tanto sobre o livro, uma vez que a linguagem da obra é bastante rebuscada? Será que o fato de não relacionarmos a vida pessoal de Virginia Woolf com passagens e detalhes de sua obra diminuiria o nosso poder de interpretá-la?
Andei lendo uns artigos sobre este livro da Woolf e fiquei um pouco chateado porque dão muito valor à história do ponto e vírgula e da reticências, que ela usava muito. Mas ninguém foi mais fundo para saber o verdadeiro motivo. Acredito que as pessoas ainda têm muito medo de ler Virginia, mas acho ela bem mais acessível do que o TS Eliot. Os brasileiros têm muito medo de textos herméticos, por isso um Campos de Carvalho nunca foi mais adiante. E olha que Campos é dono de um estilo irresistível.

23 de julho de 2009

Um estrangeiro


Não tenho dúvida alguma que um grande livro é aquele que deixa o leitor confuso, que com uma linguagem requintada e cheia de lirismo vai além da trama, de encontro ao que poderia chamar de incômodo. E para alcançar esse objetivo, para desconcertar o leitor, o autor desta obra não pode ter medo de arriscar.
Guy Corrêa é um autor que não se deixa iludir pelo caminho fácil de um texto linear (ele se encaixa no tipo de escritor a que me referi no parágrafo acima, àquele que não subestima seu leitor) e seu romance "O hóspede perplexo" mereceu a minha atenção e preenche todos os requisitos de uma obra de arte.
O livro pode ser dividido em três tempos e há um tema a perpassar toda a história: a imigração. O próprio Guy, jornalista experimentado, já foi um imigrante em Portugal e na Inglaterra. A primeira parte narra um pesadelo que o personagem principal está tendo - e aí já se inicia o drama da imigração. Ao que parece, um homem tenta desesperadamente nadar em um mar inabalável, como se estivesse em uma difícil travessia clandestina, rumo ao sonho de uma vida melhor em uma praia de um país de primeiro mundo.
Na segunda parte conhecemos o narrador do sonho, Edgard, um bem-sucedido empresário, que não consegue se relacionar com pessoas, a menos que estas se portem como objetos e possam ser comercializadas. Assim, conhecemos suas idas e vindas em uma sociedade em que nada acontece além da busca pelo lucro e seu relacionamento mercantil com a esposa e os filhos.
Na última parte, Edgard cede seu espaço para um jovem de 30 anos, alterego de Guy, que chega a Lisboa e enfrenta todas as dificuldades de um estrangeiro em uma Europa cada dia mais xenófoba. A xenofobia é um tema que aparece todos os dias nos jornais e o crescimento dos grupos neonazistas nos deixa claro que ele está mais vivo do que nunca.
Um detalhe curioso sobre o livro é que eu o havia adquirido e não o tinha lido. Quando fui premiado com o PAC da Secretaria de Cultura do estado de São Paulo e estava procurando uma editora, recorri à uma leitura rápida do primeiro capítulo do romance, para me certificar que a Ficções tinha um certo critério de qualidade para suas publicações. Foi aí que tive a certeza que queria publicar por essa editora. No site da Ficções está publicado o primeiro capítulo do romance de Guy Corrêa.
Ah, sobre o título. Por que Hóspede perplexo? Nas palavras do próprio Guy, com quem troquei algumas mensagens para melhor compreender os objetivos de sua obra: "Os personagens têm mesmo esse caráter transitório, de hóspedes do mundo. O leitor também se hospeda nas páginas de livros." Não podemos nos esquecer também que um dos significados para "hóspede" é o de estrangeiro que visita ou viaja em um determinado país.

Trecho

Tinham partido havia menos de uma hora - a viagem carregava consigo a promessa de brevidade. Dois rapazes magriços, polarizados no meio da embarcação, faziam movimentos sincronizados com os remos, torvelinhando aquelas águas, transportando aquela gente sofrida, rumo a algum ponto remoto de uma praia, no lado oposto do estreito. Agiam esses remadores como profissionais e isso era mesmo verdade. Havia ainda um terceiro homem na proa do barco, motivado por alguma pequena quantia em dinheiro, que supervisionava o movimento dos dois; vestido com um conjunto safári bege e calçando um par de tamancos, ele libertava uma expressão rude e ainda vasculhava os 360 graus da porção de mar que os circundavam com o auxílio de um binóculo. A noite tinha se dissolvido, mas a claridade do dia não carregava consigo a almejada nitidez, pelo contrário, uma névoa foi se instalando com tamanha violência até conseguir alterar o semblante da tripulação que semanalmente fazia esse serviço.

10 de julho de 2009

Cavalos do amanhecer




Há um livro precioso de Mario Arregui chamado "Cavalos do amanhecer", que pode ser facilmente encontrado nas livrarias ou nos sebos. A nota bibliográfica da edição que eu tenho não dá dicas sobre qual livro do escritor uruguaio foi traduzido. Suponho que tenha sido seu primeiro, "Noche de San Juan y otros cuentos", de 1956. Arregui está tão esquecido que não consigo encontrar seus livros nem em espanhol em livraria nenhuma, inclusive do Uruguai. Aceito sugestões.

Os oito contos da obra são magníficos, são uma aula de literatura. É o tipo de leitura da qual nunca saímos sem pensar que o melhor é não escrevermos nada nunca mais. No conto de abertura, "Noite de São João", lemos a tradução de Sérgio Faraco:

Depois de muitos dias consumidos em tropeadas por campos e caminhos onde o outono semeava suas mil mortes, regressava Francisco Reyes ao povoado. Era um entardecer límpido e alto como a espada vitoriosa de um anjo, e cem fogueiras dispersas anunciavam o nascimento da noite de São João. Os cascos do cavalo golpeavam sonora e compassadamente a branca carreteira, e ele abria com avidez os olhos para os cordiais fogos dos homens e o balbuciar das primeiras estrelas. Seu peito também se abria, docemente se abria e se dilatava para antigas ternuras, recordações ainda palpitantes que o alcançavam desde o sítio onde se esconde a infância. Seu coração disparava como o de um menino.

É muito mais do que um relato sobre gaúchos, é um relato universal, no melhor sentido da palavra, a despeito do debate entre Atiq Rahimi e Bernardo Carvalho na Flip. Francisco Reyes remói a sua solidão entre os lençóis de uma prostituta, conhecida antiga. Ao sair da casa dessas mulheres da vida, Reyes conhece Ofélia:

Longos minutos permaneceram assim, como dois náufragos arrojados pelo destino na concavidade de uma mesma onda.

Em seguida vem o conto "Os contrabandistas". O contexto em que se passa a história foi muito bem explicado pelo jornalista Gilberto Pereira. Pouco depois, o notável "Cavalos do amanhecer", que narra a fuga de Martiniano, que já enfrentara duas guerras e não queria lutar a terceira. Percebemos o nervosimos e a covardia do herói:

Interrompeu-o a entrada de Correntino, com latidos que eram um único latido (ele saíra do rancho, recorrera as cercanias e voltava sobrecarregado de alarmas). Martiniano calou-o com um grito rouco e um pontapé, o cão refugiou-se debaixo do catre do garoto. Este despertou-se e ergueu-se.

Martiniano decide se esconder no poço ao lado de sua casa e deixa a mulher o filho se entenderem com os ginetes que se aproximam.

O próximo conto, "Diego Alonso", é dos que mais gostei. Conta a história de um conflito silencioso, suspenso por um um terror tênue e assustadiço, que qualquer sussurro poderia derrubar. Diego Alonso e o barbeiro estão enamorados pela mesma mulher. Quando Diego aparece na barbearia, percebe-se que é hora do confronto.

"Lua de outubro" é a próxima narrativa. Fala de Pedro Arzábal e de sua aventura na casa dos Lopes, com a menina Leonor.

O livro inteiro é permeado por um lirismo assustador, que faz com que sua leitura seja essencial e urgente.

7 de julho de 2009

FLIP de novo

Tem gente falando que o Tezza sumiu perto do Bellatin, tem gente comentando que o Bernardo Carvalho arrasou com o Atiq Rahimi, tem gente fofocando que o Chico disparou que o João Gilberto é maior do que Guimarães Rosa. Tudo bobagem.
O legal era ficar nas filas dos autógrafos. Ali conheci muita gente interessante e anotei várias dicas de livros. Nas filas eu já ficava sabendo dos comentários sobre todas as mesas.
Mas não vi ninguém lendo em nenhum lugar da cidade.
Este ano proibiram a venda de livros off-Flip. Mas muitos conseguiram vender assim mesmo. Eu tenho as provas: comprei alguns.
Um sujeito perguntou ao gerente da livraria exclusiva da Flip se podia colocar alguns marcadores de página pra darem aos clientes. Não, não podia. Algumas editoras, que patrocinavam alguma coisa, não permitiam.

6 de julho de 2009

Lobo


Caminhando por Paraty encontrei António Lobo Antunes, que foi muito simpático comigo. Eu o segui por dois quarteirões, na esperança de que fosse reconhecido, tietado e nada. À noite, porém, a coisa mudou, parecia uma estrela de cinema, um reboliço. Aí só assinou o livro para um número limitado de pessoas. Ao chegar na tenda dos autógrafos foi recebido por uma salva de palmas, quando olhou para aquela multidão e soltou um sorriso irônico. Finalmente acendeu o cigarro que agitou durante toda a uma hora e pouco na tenda dos autores.

29 de junho de 2009

Vídeos

Muito legais esses vídeos feitos pelo jornalista Michel Lacombe, durante a nona Feira do Livro de Ribeirão Preto.

26 de junho de 2009

Camus e Albatroz

Aprendi a língua francesa porque queria ler Albert Camus no original. Cheguei a traduzir "O estrangeiro", mas nunca pensei em publicar a tradução. Depois Baudelaire. "O albatroz" é um dos sonetos mais perfeitos que já se escandiram e não existe tradução, em nenhum idioma, que se aproxime dos versos escritos por Baudelaire. Uma grandiosa metáfora da solidão dos gênios. Os versos finais narram a aventura desta ave, que, por ter as asas desproporcionais em relação ao corpo, gigantes, possui um caminhar manco, feio. Por outro lado, quando voa, percebe-se a harmonia do conjunto e a profunda habilidade nos movimentos. Leiam o poema.

23 de junho de 2009

Jerusalém

Gonçalo Tavares é um escritor português de 36 anos que vem causando frisson em seu país natal com o livro "Jerusalém", tendo conseguido arrancar elogios até do conterrâneo José Saramago. O livro é realmente bonito, a trama consegue ser surpreendente em alguns momentos, mas o que conseguiu me prender foi a estranheza que as personagens nos causam: uma esquizofrênica que engravida em uma casa de recuperação e tem um filho deficiente. Ontem vi uma palestra do italiano Giovanni Ricciardi e ele, comentando um romance do Antônio Torres, Um táxi para Viena d'Áustria, diz que a principal característica desta obra é o fato de possuir um protagonista que vagueia sem motivo e sem razão por uma cidade. O mesmo pode ser dito das personagens de Tavares: elas perderam a conexão com a realidade, com a vida e com a própria verdade. É mais do que apatia, é uma falta aparentemente orgânica, há uma causa biológica nas ações. Incomodaram-me os "a nível de" e também os "há 5 anos atrás". Não sei se a regra da língua portuguesa em Portugal permite isso. Vou ver com o Pasquale no Twitter.

15 de junho de 2009

Pele calejada



O título original deste livro de Raymond Guérin é "La peau dure". Em português, em uma tradução literal, ficou muito mais poético. Como não consegui o livro em francês, vou comentar somente sobre a história.
O romance é dividido em três partes, cada uma narrando a respeito de uma mulher. Lá pelo meio da segunda parte é que descobrimos que as três mulheres são irmãs. Todas se acham espertas, mas o leitor vai perceber que são bastante tontas - embora, seja dito a favor das três, muito sensíveis ao sofrimento humano.
São elas: Clara, a doméstica perseguida pela polícia por ter feito um aborto, Jaquina, franzina e tuberculosa, que consegue ter dois filhos e é abandonada pelo marido, porque sua saúde requer investimentos muito altos e por fim Luísa, a libertina, que tem três amantes e é apaixonada pelo mais franzino deles, o Zé e tenta, umas vezes com sucesso, outras nem tanto, ajudar as duas irmãs, para não perceber que quem mais necessita de ajuda é ela própria.
Abaixo, um trecho da (elegante) tradução assinada por Luiza Neto Jorge para a Assírio e Alvim. Nesta altura, os Kubnec, que empregam a ingênua Clara, estão contentes porque conseguiram que a empregada fizesse sua primeira comunhão, aos vinte e três anos:

Os Kubnec, agora vejo, estavam realmente orgulhosos do que tinham feito. Gabavam-se por toda a parte. Estavam convencidos de que o bom Deus lhes levaria aquilo em conta, quando chegasse a altura. Mas como era Verão, isso não os impediu de pensarem nas férias. Para Pouliguen, era para onde eles iam todos os anos. Fica na Bretanha. O mar eu já conhecia. Tinha estado em Berck quando era pequena, por via de ter as pernas um bocado tortas. Estava tudo cheio de miúdas como eu, lá no hospital. Um hospital para gente necessitada. Era a expensas da Câmara Municipal de Paris, ao que parece. Perto de um ano que lá estive, e fez-me bem. Mas fiquei sempre um bocado fraca das pernas. Quem me vir, não dirá, porque tenho umas pernas de certo modo fortes. Mas se eu forço um pouco, é certo e sabido que fico cheia de dores nas articulações.

As três partes estão em primeira pessoa, o que torna a obra um tanto arriscada - dar voz a personagens marginais é sempre muito complicado para um escritor. Na tradução, o estilo dá a impressão de uma linguagem muito próxima da oral, tal a precisão da narrativa, mas precisaria ler o original para dizer se Raymond Guérin conseguiu o mesmo efeito em francês.

6 de junho de 2009

Sobre abismo





Vou reproduzir aqui a resenha que o jornalista Gilberto Pereira fez sobre Abismo poente. Um belo texto. Eu acharia o mesmo se ele descesse a lenha na obra, porque escreve com argumentos, com conhecimento de causa:

Ninguém lembra uma história inteira começando do dia ou da hora mais recente. É preciso cavar o tempo. E há sempre algo que ficou para trás e que se ligará com o que ainda está por vir. Uma lembrança, portanto, entrecortada de saudade ou não, é um vertiginoso subir e descer do sol no horizonte da memória.

O mais recente livro do escritor mineiro Whisner Fraga nos mostra a dimensão poética desse drama épico que existe em cada um de nós, que faz do homem um guardador de fantasmas, quando os projetos de vida não deram certo.

Abismo poente (Ficções, 2009, 112 páginas) é essa tonalidade suspensa que o leitor pode puxar e transformar num sussurro delirante ou num grito, marcados pelo ritmo da prece, da encenação dramática, massa forjadora de um novo amanhã, da esperança sustentada pelo vão de um mundo em ruínas.

Se considerarmos que a arte da narrativa é o instrumento de fusão entre nossa emoção e a beleza construída pelo autor do texto, Abismo poente está no rol do que existe de melhor da literatura brasileira dos últimos anos.

Whisner Fraga, aos 37 anos, faz parte da novíssima geração de escritores brasileiros, mas já se coloca entre os grandes. Quando digo ‘grandes’, refiro-me a nossos contemporâneos, Milton Hatoum, Wilson Bueno, João Ubaldo Ribeiro, Raimundo Carrero, todos já passados dos 50. Junta-se a outros, próximos de sua idade, um pouco mais velhos, que também se destacam e têm muito mais mídia, como Luiz Ruffato e Miguel Sanches Neto.

Não se trata de comparação de linguagem, do fazer literário, mas do nivelamento da qualidade autoral. Whisner Fraga já demonstrou sua capacidade de olhar para a miséria humana em trabalhos anteriores, sempre com títulos que trazem consigo o germe da beleza do texto, como Coreografia dos danados, A cidade devolvida e As espirais de outubro.

Com Abismo poente, ele demonstra habilidade para falar de uma miséria mais calada na alma, uma memória cheia de angústia, remorso, rancor e culpa. Este livro – que pode ser lido como romance ou contos (em que ambos os gêneros ficam indefinidos) – tem como fio condutor a figura de Helena, o amor de infância do Narrador, paixão que fracassou na formalidade, por ela ter sido prometida a outro, por ela ser de família árabe (libanesa) e não poder decidir seu próprio destino.

A luta para se ver livre desse compromisso firmado pelo pai, Youssef, custou caro a Helena. E ao Narrador também, que, por isso mesmo, lamenta a desgraça em que todos caíram, em que os dois foram forçados a marcar encontros na clandestinidade por sucessivos anos. Nos nove capítulos ou contos, as antenas do autor souberam captar, com sensibilidade, o drama humano, o nervo do sofrimento.

até a devastadora elegia do rumor de seus peitos bicando os enredos da seda, helena, até o arroio dos cabelos recortando a deformada geometria do ar, embebendo com sua volúpia o recato dos ombros, o sol gotejante nas caldas de suas pálpebras, até à ostentosa hierarquia da obediência – danadamente, helena, você foi a caçula e era seu encargo se submeter a todos os irmãos, mesmo a afif, um ano e pouco mais velho. que uso poderia maquinar uma criança de onze anos para semelhante autoridade?

A poesia e o eco

O Narrador é um personagem sombrio e evasivo. Fala muito mais dos outros do que de si mesmo, embora esteja presente em quase todas as cenas. Sabemos que é engenheiro, mas não é um brucutu, é culto, sensível e solitário. Mora sozinho numa chácara, onde encontrou “no álcool um pai.”

Viveu nos arredores da família de Youssef e tem uma idade próxima dos 40 anos, meia idade, portanto, um período da vida em que a crise existencial pode bater à porta e causar um estrago inimaginável. E é mais ou menos o que lhe acontece, ao desencadear as lembranças de Helena e do mundo ao redor em seu apelo.

No decorrer dessa súplica, o hino amargo em louvor a Helena, também vemos os desencontros do Narrador com outros amores e até outras pessoas, como os irmãos de sua amada, Afif, Astun e Wadiha. E é este fio apelativo que puxa as lembranças adjacentes e vem arrastando como forte correnteza os detritos da memória.

Em seu jogo de cena, o Narrador envolve o leitor e tem consciência disso. Ele registra e repete na memória sua súplica. É uma repetição do vivido, portanto, um eco, e ele sabe disso, ele quer que essa dor seja transmitida. “aceito o eco como o instrumento essencial da humanidade.”

Repete o amor malogrado, mas também a covardia e a culpa. Em duas ocasiões, ele testemunha a violência contra mulheres, mas não faz nada, e o resultado é a dor do remorso.

Abismo poente é uma perfeita simetria entre os gêneros prosa, poesia e teatro. Dá para imaginar as caras e bocas do Narrador no palco, ao falar mais das dores do que das flores, que também houve.

Dá para seguir a musicalidade em tom de súplica e as pegadas das frases como se fossem versos soltos, como se o Narrador fosse aedo de si mesmo, e dá para correr o olho, até se perder de vista, na teia formada pela prosa invulgar do autor.

um dilacerante cacarejar tentava colher a respiração da manhã, antes do sol, o calafrio da neblina gemia nos espasmos finais dos sonhos, o alarde da natureza a hipnotizar a ressaca dos músculos, o celulóide das nuvens soluçando entre um cinza persistente e um rubro desmaiado e interesseiro, um louvor de recompensas se espraiando pela frouxidão de um dia de trégua: era sábado.

Esta bela passagem é um exemplo da poeticidade que há no texto de Fraga. O Narrador não se contenta em descrever o dia de sábado amanhecendo, ele quer mais, quer despejar o encanto da palavra para provar que há beleza em meio à desgraça que carrega consigo.

Entre os procedimentos usados nesta técnica de narrar, a metáfora e a metonímia têm um lugar de destaque, como na frase usada para se referir ao sexo de Helena: “espaçoso e incógnito artefato de delícias”, e na aproximação do profano e do sagrado: “avistávamos o orgasmo como um atalho até deus.”

A memória como abismo

Toda a narrativa é um monólogo, recurso que aproxima o texto da linguagem teatral em função do apelo corporal implícito nas frases. A dinâmica desse monólogo se dá também pela captação de todas as esferas da realidade histórica e os matizes da cultura, mesclando com precisão os elementos pops e eruditos, como a inclusão dos nomes de Cid Moreira e David Hume, em diferentes contextos.

Outras cenas entram como pano de fundo: a readaptação das famílias árabes no Brasil, vindas do Líbano e da Síria (mas cujos membros eram chamados de turcos, porque usavam passaporte turco, por razões políticas) e os conflitos religiosos e de fé.

Esse pano de fundo também traz a lembrança do período militar e seu conflito com os movimentos de esquerda, até chegar aos dias de hoje, em que há “mascates com cds piratas” e “casas de massagens se espreguiçando, acordando suas meninas para as aulas nas universidades caça-níqueis, garotos bocejantes infeccionando os cursos de direito, administração, fisioterapia, turismo.”

A fala apelativa de Abismo poente, semelhante ao que se vê na poesia, aproxima o autor do estilo do português António Lobo Antunes. Aproxima, mas o livro de Fraga também apresenta uma voz própria, uma respiração sui generis.

Até mesmo a feitura homogênea da grafia remete o leitor a uma espécie de abismo. Neste caso, o autor mais uma vez busca o recurso poético. Caixa baixa, à la Cummings, do princípio ao fim, criando uma sensação de nivelamento.

A sensação é falsa, pois não há nivelamento. O que há é um abismo recorrente, porque em cada ponto, após o qual esperamos um início de frase com maiúscula, vem a palavra em minúscula. É como se caíssemos de um precipício verbal, algo como caminharmos num trilho onde o próximo passo seria um degrau acima, levantarmos o pé na altura programada, bem mais alto, mas o que temos embaixo é o mesmo chão de sempre.

O título Abismo poente empresta ao livro uma metáfora englobante. Além de se referir à migração libanesa, da dificuldade de readaptação em solo ocidental, onde o sol se põe, há a indubitável queda do ser, o fracasso amoroso, resultado de uma intransigência. Conforme o texto da epígrafe, o abismo é a memória de Helena. É a memória.

29 de maio de 2009

Festival

Ontem fiz leituras de poesias inéditas na Casa das Rosas. Hoje estou em São Francisco Xavier para acompanhar o Festival da Mantiqueira.

23 de maio de 2009

Bartleby, de Herman Melville


Vou transcrever o início do conto Bartleby, de Herman Melville, porque é um trecho maravilhoso:

I am a rather elderly man. The nature of my avocations for the last thirty years has brought me into more than ordinary contact with what would seem an interesting and somewhat singular set of men, of whom as yet nothing that I know of has ever been written: - I mean the law-copyists or scriveners. I have known very many of them, professionally and privately, and if I pleased, could relate divers histories, at which good-natured gentlemen might smile, and sentimental souls might weep. But I waive the biographies of all other scriveners for a few passages in the life of Bartleby, who was a scrivener of the strangest I ever saw or heard of. While of other law-copyists I might write the complete life, of Bartleby nothing of that sort can be done. I believe that no materials exist for a full and satisfactory biography of this man. It is an irreparable loss to literatura. Bartleby was one of those beings of whom nothing is ascertainable, except from the original sources, and in his case those are very small. What my own astonished eyes saw of Bartleby, that is all I know of him, except, indeed, one vague report which will appear in the sequel.

Quando procuro uma tradução razoável, prefiro as publicadas em Portugal. No Brasil, há pouco tempo que os editores vêm dando maior atenção às traduções, então muitos livros ainda não possuem versões à altura dos originais. As edições da Assírio & Alvim são as que recomendo:

Já tenho uma certa idade. A natureza das minhas ocupações, nos últimos trinta anos, pôs-me em contacto estreito com o que seria de considerar uma interessante e algo singular classe de homens, sobre a qual, que eu saiba, nada se escreveu ainda - quero dizer, os escrivães, ou copistas de foro. Conheci muitos deles, quer profissional quer particularmente, e, se me apetecesse, podia contar variadas histórias, acerca das quais os cavalheiros de boa índole ririam, ao passo que as almas sensíveis verteriam lágrimas. Mas eu ponho de lado as biografias de todos os outros, em troca de algumas passagens da vida de Bartleby, que era escrivão, o mais estranho que conheci ou de que ouvi falar. Enquanto de outros copitas do foro, eu poderia escrever a vida completa, acerca de Bartleby tal não é possível fazer-se. Creio não haver material existente de modo a fazer-se a biografia integral e capaz deste homem. É uma perda irreparável para a literatura. Bartleby era um desses seres acerca dos quais nada se pode concluir a não sser a partir de fontes originais, que, no seu caso, são mínimas. O que os meus próprios olhos, atónitos, viram de Bartleby, isso é tudo quanto sei dele, excepto, na verdade, determinado rumor, que aparecerá em devido tempo.


Sim, há problemas no trecho, que não chega a comprometer o resultado final, mas que poderiam ser evitados. Por exemplo, há dois "fazer-se" pertinhos um do outro. No original em inglês não há nada parecido. Uma boa revisão resolveria o caso. Entretanto, o tradutor, Gil de Carvalho, não é nenhum iniciante e prova isso lá no final do parágrafo, com uma solução elegante para a última frase, chegando a melhorar o estilo rebuscado de Melville: determinado rumor, que aparecerá em devido tempo. Perfeito!

Sobre a tradução, o próprio Gil de Carvalho se pronuncia:

Traduzir Melville, usar em português esta linguagem por vezes carregada, cruzada de várias tradições, tão alusiva, é problemático. O melhor mesmo é lê-lo no original.

Sim, é melhor mesmo. Bartleby é um conto de Herman Melville, publicado em 1853 e narra a história do escrivão Bartleby, um sujeito extremamente metódico, que trabalha todos os dias da semana, sem descanso e faz seu trabalho com extrema eficiência. Entretanto, se nega a realizar qualquer outra tarefa que não seja a de copiar, com o bordão "I would prefer not to do". Até que um dia ele realmente prefere não fazer mais nada e se põe estático no meio do escritório, recusando-se a deixar o local.

15 de maio de 2009

Bartleby




Quem é Bartleby? O leitor se lembrará primeiramente do personagem de Melville. Nas palavras de Enrique Vila-Matas:

Todos conocemos a los bartlebys, son esos seres en los que habita una profunda negación del mundo. Toman su nombre del escribiente Bartleby, ese oficinista de un relato de Herman Melville que jamás ha sido visto leyendo, ni siquiera un periódico; que, durante prolongados lapsos, se queda de pie mirando hacia fuera por la pálida ventana que hay tras un biombo, en dirección a un muro de ladrillo de Wall Street; que jamás ha ido a ninguna parte, pues vive en la oficina, incluso pasa en ella los domingos; que nunca ha dicho quién es, ni de dónde viene, ni si tiene parientes en este mundo; que, cuando se le pregunta dónde nació o se ele encarga un trabajo o se le pide que cuente algo sobre él, responde siempre diciendo:
- Preferiría no hacerlo.


Já conhecia o Vila-Matas, principalmente o seu "Viagem vertical", livro maravilhoso. Mas foi por causa do António Lobo Antúnes que cheguei até esta obra, "Bartleby y Compañía". O título do seu romance "Boa tarde às coisas aqui em baixo" surgiu graças ao companheiro Enrique Vila-Matas.

Bartleby y Compañia não é um romance, tampouco um livro de ensaios ou de contos. É uma brincadeira, sutil e inteligente. Uma obra-prima. Vila-Matas usa a figura deste escrevente para criar a metáfora da inutilidade da arte. Procura, em toda a história da literatura, os escritores que se negaram a escrever, os autores sem obras, aqueles que venceram a tentação da vaidade. Há uma parte muito interessante, dentre outras tão interessantes quanto, que é quando Vila-Matas fala do escritor suicida Chamfort:

Voy a hacer una tercera excepción con suicidas, voy a hacerla con chamfort. En una revista literaria, un artículo de Javier Cercas me ha puesto en la pista de un feroz partidario del No: el señor Chamfort, el mismo que decía que casi todos los hombres son esclavos porque no se atreven a pronunciar la palabra "no".
Como hombre de letras, Chamfort tuvo suerte desde el primer momento, conoció el éxito sin el menor esfuerzo. También el éxito en la vida. Le amaron las mujeres, y sus primeras obras, por mediocres que fueran, le abrieron los salones, ganando incluso el fervor real (Luis XVI y Mará Antonieta lloraban a lágrima viva al término de las representaciones de sus obras), entrando muy joven en la Academia Francesa, gozando desde el primer instante de un prestigio social extraordinario. Sin embargo, Chamfort sentía un desprecio infinito por el mundo que le rodeaba y muy pronto se enfrentó, hasta las últimas consecuencias, con las ventajas personales de las que disfrutaba. Era un moralista, pero no lo de los que estamos acostumbrados a soportar en nuestros tiempos, Chamfort no era un hipócrita, no decía que todo el mundo era horroroso para salvarse él mismo, sino que también se despreciaba cuando se miraba al espejo: "El hombre es un animal estúpido, si por mí se juzga."

Trecho de "Bartleby y compañía", de Enrique Vila-Matas (Barcelona, 1948).

10 de maio de 2009

Nós sabemos que muito raramente uma tradução consegue reproduzir a beleza do original (nem vamos discutir aqui sobre estilo).

He paused and gazed at her with his full, hazel eyes, almost hypnotic. "Now I consider," he added, "I can give a woman the darndest good time she can ask for, I think I can guarantee myself."

"And what sort of a good time?" asked Connie, gazing on him stillwith a sort of amazement, tha looked like Thrill; and underneath feeling nothing at all.

"Every sort of a good time, damn it, every sort! Dress, jewels up to a point, any nightclub you like, know anybody you want to know, live the pace... travel and be somebody wherever you go... Damn it, every sort of good time."

He spoke it almost in a brilliancy of triumph, and Connie lokked at him as if dazzled, and really feeling nothing at all. Hardly even the surface of her mind was tickled at he glowing prospects he offered her. Hardly even her most outside self responded, tha at any other time would have been thrilled. She just got no feeling from it, she couldn´t go off." She just sat and stared and looked dazzled, and felt nothing, only somewhere she smelt the extraordinarily unpleasant smell of the bitch-goddess.

A solução de Rodrigo Richter:

Calou-se, e encarou-a com os seus olhos cor de avelã, hipnotizantes.
- Pois bem: creio que posso dar a uma mulher toda a felicidade a que ela aspira. Serei o fiador de mim mesmo.
- Que felicidade? - perguntou Constance, sempre a olhá-lo com uma espécie de estupor que parecia paixão e não era nada.
- Toda a felicidade, todos os prazeres possíveis. Vestidos, jóias, todos os entretenimentos noturnos imagináveis, todas as relações que queira, todas as coisas da moda, viagens, situação social. Enfim, todas as felicidades, todos os prazeres.
Falava com uma espécie de eloquência triunfante que parecia fasciná-la e, no entanto, Constance nada sentia. Todas aquelas brilhantes promessas nem tocavam a superfície de seu ser. Nada nela reagia àspalavras de Mick. Não experimentava nenhum sentimento. Não podia "partir". Não se movia do lugar. Não experimentava sensação nenhuma - salvo a olfativa: o cheiro da deusa-cadela.

Lady Chatterley's lover foi escrito por D. H. Lawrence (1885 - 1930) e publicado em 1928. Dizem que a história é autobiográfica. De qualquer maneira, quem se interessar, pode lê-la aqui.

7 de maio de 2009

Carlos Fuentes não vem mais para a FLIP. Tomara que o Lobo Antunes não resolva cancelar na última hora também. Aqui, leitura de Martha Nowill e Christiane Tricerri.