15 de junho de 2009

Pele calejada



O título original deste livro de Raymond Guérin é "La peau dure". Em português, em uma tradução literal, ficou muito mais poético. Como não consegui o livro em francês, vou comentar somente sobre a história.
O romance é dividido em três partes, cada uma narrando a respeito de uma mulher. Lá pelo meio da segunda parte é que descobrimos que as três mulheres são irmãs. Todas se acham espertas, mas o leitor vai perceber que são bastante tontas - embora, seja dito a favor das três, muito sensíveis ao sofrimento humano.
São elas: Clara, a doméstica perseguida pela polícia por ter feito um aborto, Jaquina, franzina e tuberculosa, que consegue ter dois filhos e é abandonada pelo marido, porque sua saúde requer investimentos muito altos e por fim Luísa, a libertina, que tem três amantes e é apaixonada pelo mais franzino deles, o Zé e tenta, umas vezes com sucesso, outras nem tanto, ajudar as duas irmãs, para não perceber que quem mais necessita de ajuda é ela própria.
Abaixo, um trecho da (elegante) tradução assinada por Luiza Neto Jorge para a Assírio e Alvim. Nesta altura, os Kubnec, que empregam a ingênua Clara, estão contentes porque conseguiram que a empregada fizesse sua primeira comunhão, aos vinte e três anos:

Os Kubnec, agora vejo, estavam realmente orgulhosos do que tinham feito. Gabavam-se por toda a parte. Estavam convencidos de que o bom Deus lhes levaria aquilo em conta, quando chegasse a altura. Mas como era Verão, isso não os impediu de pensarem nas férias. Para Pouliguen, era para onde eles iam todos os anos. Fica na Bretanha. O mar eu já conhecia. Tinha estado em Berck quando era pequena, por via de ter as pernas um bocado tortas. Estava tudo cheio de miúdas como eu, lá no hospital. Um hospital para gente necessitada. Era a expensas da Câmara Municipal de Paris, ao que parece. Perto de um ano que lá estive, e fez-me bem. Mas fiquei sempre um bocado fraca das pernas. Quem me vir, não dirá, porque tenho umas pernas de certo modo fortes. Mas se eu forço um pouco, é certo e sabido que fico cheia de dores nas articulações.

As três partes estão em primeira pessoa, o que torna a obra um tanto arriscada - dar voz a personagens marginais é sempre muito complicado para um escritor. Na tradução, o estilo dá a impressão de uma linguagem muito próxima da oral, tal a precisão da narrativa, mas precisaria ler o original para dizer se Raymond Guérin conseguiu o mesmo efeito em francês.

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