31 de março de 2008

Esta dica é em especial para o Alexandre.

Se tem um livro que eu gosto do García Márquez e que eu acho que foi muito bem escrito, meticulosamente escrito, é "El otoño del patriarca". É um romance que a gente tem que ler várias vezes, a vida inteira.

"Durante el fin de semana los gallinazos se metieron por los balcones de la casa presidencial, destrozaron a picotazos las mallas de alambre de las ventanas y removieron con sus alas el tiempo estancado en el interior, y en la madrugada del lunes la ciudade despertó de su letargo de siglos con una tibia y tierna brisa de muerto grande y de podrida grandeza. Sólo entonces nos atrevimos a entrar sin embestir los carcomidos muros de piedra fortificada, como querían los más resueltos, ni desquiciar con yuntas de bueyes la entrada principal, como otros poponían, pues bastó con que alguien los empujara para que cedieran en sus goznes los portones blindados que en los tiempos heroicos de la casa habían resistido a las lombardas de William Dampier."


Em tradução de Remy Gorga Filho:

"Durante o fim de semana, os urubus meterem-se pelas sacadas do palácio presidencial, destroçaram a bicadas as malhas de arame das janelas e espantaram com suas asas o tempo parado no interior, e na madrugada da segunda-feira a cidade despertou de sua letargia de séculos com uma morna e terna brisa de morto grande e de apodrecida grandeza. Só então nos atrevemos a entrar sem investir contra os carcomidos muros de pedra fortificada, como queriam os mais decididos, nem arrombar com juntas de bois a entrada principal, como outros propunham, pois bastou que alguém os empurrasse para que cedessem em seus gonzos os portões blindados que nos tempos heróicos da casa haviam resistido aos canhões de William Dampier."

Na orelha escrita pelo tradutor, podemos ler:

"Toda a fauna que povoa estas 260 páginas, nada disto é tão fantástico e tão real (ao mesmo tempo) quanto a triste e solitária figura do Patriarca, um homem que tem uma idade indefinida ente os 107 e os 232 anos. Perdido nas troneiras da memória, dono de muitas vidas e muitas mortes, dele não se viam mais que os tristes olhos, os lábios pálidos, a mão pensativa dando adeusinhos. Como todo ditador, distante da realidade do seu povo, mal-informado, erra nas decisões, mas decide sempre no sentido de afirmar seu poder e de se perpetuar."

29 de março de 2008

Se você tem um livro do Guimarães Rosa autografado (não há necessidade de ser primeira edição), entre em contato comigo, que eu tenho interesse em comprar.

21 de março de 2008



The rabbit catcher

Ted Hughes

It was May. How had it started? What
Had bared our edges? What quirky twist
Of the moon's blade had set us, so early in the day,
Bleeding each other? What had I done? I had
Somehow misunderstood. Inaccessible In your dybbuk fury, babies
Hurled into the car, you drove. We surely
Had been intending a day's outing,
Somewhere on the coast, an exploration -
So you started driving.
What I remember
Is thinking: She'll do something crazy. And I ripped
The door open and jumped in beside you.
So we drove West. West. Cornish lanes
I remember, a simmering truce
As you stared, with iron in your face,
Into some remote thunderscape
Of some unworldly war. I simply
Trod accompaniment, carried babies,
Waited for you to come back to nature.
We tried to find the coast. You
Raged against our English private greed
Of fencing off all coastal approaches,
Hiding the sea from roads, from all inland.
You despised England's grubby edges when you got there.
That day belonged to the furies. I searched the map
To penetrate the farms and private kingdoms.
Finally a gateway. It was a fresh day,
Full May. Somewhere I'd bought food.

O caçador de coelhos

(Tradução de Paulo Henriques Britto)

Era maio. Como foi que começou? O que
Pôs a nu os nossos gumes? Que súbita virada
Da lâmina da lua nos levou nessa manhã, tão cedo,
A tirar sangue um do outro? O que fizera eu? Algum
Mal-entendido. Inacessível
Em sua fúria de dibuk, você jogou
No carro as crianças e partiu. Com certeza
Planejáramos algum passeio
A algum lugar na costa, uma viagem de família -
E assim você saiu com o carro.
Lembro
Pensar: Ela vai fazer uma loucura. À força
Abria porta e sentei-me ao seu lado.
Seguimos para o oeste. Oeste. Estradas estreitas
Da Cornualha, lembro, uma trégua tensa,
Você olhando fixamente, olhar de ferro,
Para alguma remota paisagem destruída
De alguma guerra imaginária. Eu simplesmente
A acompanhava, carregava crianças,
Esperava que você voltasse ao normal.
Tentamos encontrar a costa. Você
Deblaterava contra a ganância dos ingleses,
Mania de cercar todos os acessos à costa,
Escondendo o mar das estrelas, de todo o interior.
Chegando, execrou a imundície de nossas praias.
Aquele dia era das fúrias. Vasculhei o mapa,
Investigando fazendas e reinos privados.
Por fim, uma passagem. Era um dia limpo,
Em pleno maio. Eu comprara comida em algum lugar.


Estes são os versos iniciais da poesia "O caçador de coelhos", que está em "Cartas de aniversário". Este livro, Ted Hughes escreveu para sua primeira esposa, a poetisa Sylvia Plath, que se suicidou aos trinta anos, de uma forma que se tornou clássica: enfiando a cabeça no forno e ligando o gás. Hughes, com ou sem razão, não vem ao caso, foi perseguido pelas feministas da época. Depois que sua segunda esposa, Assia Wevill, se matou, a coisa pareceu piorar ainda mais. Nas palavras de Leonardo Fróes: "Ted Hughes, cujo destino amoroso foi ainda mais trágico que o de poetas ingleses de outras eras também sujeitos a grandes infortúnios, como o romântico Percy Bysshe Shelley ou o elizabetano Walter Ralegh, rompeu com 'Cartas de aniversário' um silêncio de 35 anos, para afinal admitir-nos à intimidade que aqui se descortina. Tinha sem dúvida essa necessidade que vemos - a de mostrar-se na maior inteireza para mostrar ao mesmo tempo que os amores humanos, por mais intensos que sejam, nem sempre dão muito certo. Diante de experiência tão forte e inusual, ouvir o depoente sem a tentação de julgá-lo é a postura mais sensata para quem se encontra hoje tão distante de tudo. Mas é impossível abstrair-se do enredo e percorrer este livro, 'apenas', como uma coleção de poemas. O romance que nele está contido nos envolve e arrasta a procurar verso a verso pelos fios da intriga."

20 de março de 2008

Primeiro o autor: Andrei Kurkov nasceu em 1961, na Ucrânica. É escritor, jornalista e roteirista. Autor de treze romances e novelas, cinco livros infantis e mais de vinte roteiros para filmes e documentários cinematográficos, foi editor da revista Dnipro. Na imprensa européia, é conhecido por retratar por um um viés ácido e com toques de nonsense o cotidiano colapsado de uma sociedade pós-União Soviética.
É o que se lê nas orelhas do livro "A morte de um estranho", lançado aqui no Brasil pela editora "A girafa", em 2006, traduzido do russo por Nivaldo Santos. O autor é best-seller, seu romance "Piquenique no gelo" vendeu mais de 150 mil exemplares. Mas isso não quer dizer nada. O livro "A morte de um estranho" é bom, é excelente, tem um humor sarcástico, bastante irônico. A trama é interessantíssima, eu recomendo.
Vai um trecho aí logo do início do romance:
"Noite. Cozinha. Escuridão. Simplesmente desligaram a eletricidade e a luz apagou. Na escuridão ouviam-se os passos do pingüim Micha; ele aparecera na casa de Viktor um ano atrás, no outono, quando o zoológico distribuíra animais famintos a todos que pudessem sustentá-los. Então Viktor pegara um pingüim real. Exatamente uma semana antes disso, sua namorada o havia deixado. Ele ficara sozinho, e o pingüim Micha trouxera consigo a sua própria solidão; agora, os dois solitários simplesmente completavam um ao outro, criando a impressão mais de interdependência do que de amizade."

10 de março de 2008

Nas orelhas do livro "O jovem Törless", de Robert Musil, editado em 1982 pela Editora Nova Fronteira, com tradução de Lya Luft, podemos ler:

"O jovem Törless (Die Verwirrungen des Zöglings Törless - As perturbações do aluno Törless) é o primeiro romance de Robert Musil. Lançado em 1906, nele já estão presentes as audaciosas análises psicológicas que logo depois se tornariam características do expressionismo alemão. Trata-se de um estudo da adolescência no qul Musil coloca sua própria experiência como ex-aluno de um colégio militar austríaco, e onde a matéria e a forma quase se retraem em favor da penetração poética na 'alma' dos personagens.
Além disso, com três décadas de antecedência, a história do jovem Törless pode se lida - e sobretudo pensada - como uma antecipação do nazismo e suas motivações psicológicas baseadas na violentação do indivíduo pelo sistema."

Assim, seleciono um trecho do romance:

"Pensou nos antigos quadros que vira em museus, sem entendê-los bem. Esperava alguma coisa, como sempre esperara diante daquelas pinturas... Algo que jamais acontecia... O quê? Algo surpreendente, jamais visto; uma visão monstruosa, da qual não tinha a menor idéia; uma terrível sensualidade animal, que o pegasse pelas unhas e o dilacerasse, começando pelos olhos; uma experiência que... devesse se ligar... de uma forma ainda muito imprecisa... aos vestidos sujos das mulheres, com suas mãos grossas e a miséria dos seus quartinhos, com a lama dos quintais... Não, não; não é tão ruim como as palavras o fazem parecer; é algo mudo... um nó na garganta... um pensamento quase imperceptível, que só brota quando a todo custo se quer dizê-lo em palavras; mas então seria parecido apenas de longe, como algo imensamente aumentado, onde não somente se vê tudo mais nítido, mas também se percebem coisas que sequer existem... Ainda assim, aquilo o envergonhava."

1 de março de 2008

Um motim de açucenas, um albergue
de peixes, uma espada
(se te moves) um largo meridiano
de painas e centelhas apresadas.
Um fio para que cantes, um silêncio
de mão jogada ao fruto, um vago, um livre
passeio de tendões rumo a si mesmos.

Ah, se te moves, que não buscas nada,
que não conquistas, colhes ou retomas,
que és tu, lançado e frio, êste motim
que imagino e alimento, contra mim.


Assim se inicia o livro "Cantata", de Walmir Ayala, Prêmio Olavo Bilac da Secretaria de Educação e Cultura do Rio de Janeiro em 1961. A comissão que julgou o certame foi composta por Manuel Bandeira, Ledo Ivo e Carlos Drummond de Andrade. Ayala nasceu em Porto Alegre, RS, em 1931 e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 1991.