3 de abril de 2006

Infância cada um tem a sua, a questão está em saber guardá-la, uma chance única para todos, eu me engruvinhava como um caramujo até ver passar a tempestade, meu pai exausto, o avô e os bôeres, Andréa com o meu umbigo vogando sobre as ondas, valsas e mais valsas, minha mãe desinteressada como se aquilo não dependesse mais dela, o útero fechado para balanço até o Dia do Juízo, até o dia seguinte pelo menos, quando me descobrisse a um canto com o meu resto de infância. O que valia eram os sonhos, e sobretudo o sonho, Aníbal e as Guerras Púnicas para salvar as aparências, Clara subindo descendo ladeiras no meu corpo sem sequer dar pela minha presença, a fórmula do azoto e a do bário, ou bem era anjo ou bem era pastora, não importa conquanto que seja Clara, a sempre distante, a carne da minha carne: a raiz cúbica e a raiz quadrada, eu é que sei das minhas raízes.

Campos de Carvalho. Trecho retirado do livro "A chuva imóvel".

2 comentários:

Claudio Eugenio Luz disse...

Meu caro, com a passar do tempo, estou cada dia mais convencido de que preciso correr atrás de outras leituras - como estas.

hábraços

claudio

whisner disse...

O Campos é um grande gênio da literatura brasileira. Teve seus momentos de glória nos anos 70, mas hoje voltou ao esquecimento, apesar do esforço de alguns. Morreu faz poucos anos, seus livros seguem na prateleira de menos leitores do que sua genialidade merecia.