Irmão, por trás de seus pensamentos e sentimentos se encontra um soberano poderoso, um sábio desconhecido que se chama Eu Mesmo. Vive em seu corpo e é seu corpo.
Trecho de "Assim falou Zaratustra".
23 de março de 2006
21 de março de 2006
Ontem choveu muito em São Paulo. A cidade um caos. O trânsito idem. Talvez por isso o Nelson de Oliveira, o Claudio Willer, o Álvaro Alves de Faria não puderam ir. Aliás, foi muito pouca gente no lançamento de meu livro. Carla Dias, a escritora, por lá. O poeta Arino Peres e sua gentil esposa, a Nicia Ogawa e alguns outros gatos pingados. Dei prejuízo pra FNAC, tenho certeza. Acredito que quem não compareceu ao lançamento ainda tenha tempo de adquirir o livro em alguma loja da FNAC, ou em outras tantas nas quais o livro está sendo vendido. Minha fama de escritor maldito está cada vez mais forte, tenho de puxar mais o saco dos "grandes" contemporâneos, dos noventa. Ou dar um tempo com os lançamentos nos próximos vinte anos...
17 de março de 2006
Inquietações ancestrais
Com 'A cidade devolvida', Whisner Fraga traz novo alento à prosa brasileira
Ronaldo Cagiano
Desde sua estréia com Seres e sombras (1999), seguido pelo premiado Coreografia dos danados (2002), o contista Whisner Fraga vem dando continuidade a um projeto de rastreamento das angústias existenciais. Os contos recentes de A cidade devolvida (Ed. 7Letras, Rio, 104 págs. 2005, R$ 24) chamam a atenção para esse jovem autor, engenheiro e professor, mineiro de Ituiutaba, vivendo atualmente no interior de São Paulo.
Em seu novo trabalho, Fraga aprofunda de maneira radical, tanto nos temas quanto na forma, as inquietações ancestrais, projeções dos desertos interiores de seus personagens. Deparamo-nos com protagonistas vivendo situações-limite, gente que vaga entre as solidões urbanas, os fracassos individuais, a inviabilidade dos relacionamentos desgastados, os dilemas frente às impossibilidades materiais e afetivas ou às insolúveis dores espirituais.
O conto que dá título ao livro, por exemplo, é uma relato pungente de um indivíduo estrangeiro em sua própria geografia, incapaz de localizar-se no seu território físico, porque perdido em seus labirintos psicológicos, sem um fio de Ariadne que o reconduza à realidade. Acuado pela sua própria vida, não dá mais conta de ultrapassar a simples linha divisória que traçou dentro de sua cidade. Tudo perdeu o sentido e ele se torna um estranho no ninho social, um ser que renuncia à sociabilidade e vive, intensamente, seu processo de auto-reclusão no limiar da loucura.
Esses contos metaforizam a própria vida contemporânea, seja na urbis ou nos minúsculos mas vulcânicos escaninhos domésticos, onde ressoam nossas fraquezas. As vísceras expostas da solidão humana, o individualismo, os desajustes sociais, a inadaptabilidade aos fetiches do consumismo, os conflitos familiares e os fracassos coletivos são tratados pelo autor com toda sua carga de tensão.
Há uma verdadeira catarse, na tentativa de exorcizar fantasmas pessoais e soltar o grito submerso de uma geração desiludida, que perdeu seus referenciais humanos e estéticos e não tem mais por que lutar. O vai-e-vem de emoções e desencontros perceptíveis em cada conto retrata uma ambientação claustrofóbica. Mas nem por isso o autor deixa se seduzir por uma linguagem escatológica e, paradoxalmente, traduz os condicionamentos e a secura do caos moderno mitigando a sua confecção literária com a necessária poesia. Não aquela que é fruto de obviedades líricas e concessões sentimentais, mas a que nasce do imprevisível, como uma rosa que brota, solitária, num pântano.
O que reverbera o grito do personagem - ''e a cidade? a cidade? a cidade? confusa geografia a me cuspir'' - é uma denúncia de labirintos reais ou projeções delirantes de um ser deslocado, atmosfera recorrente em quase todos os contos, porque são histórias de inadaptabilidade, isolamento, insularidade, solidão e aspereza.
O autor capta os dramas individuais e coletivos, desnudando as asperezas do cotidiano. E, com isso, cutuca as feridas, dá um soco no estômago e mergulha num universo dialético, o que provoca um susto no leitor e nos instiga a um questionamento sobre a nossa condição.
A linguagem agreste, não linear, entremeada de fragmentos, recortada de alusões e citações, interrompida pelo fluxo de consciência/ monólogo interior, resulta de uma fina artesania e reproduz com fidelidade não só a destreza e a versatilidade narrativa do autor, mas acima de tudo o desmantelamento emocional, o desvario e o deslugar de seus personagens.
Antenado com as emergências de seu tempo e as demandas da literatura atual, Whisner Fraga consolida seu processo criativo e se insere no rol dos autores que trazem um novo alento à prosa brasileira.
Jornal do Brasil, 17 de março de 2006.
Com 'A cidade devolvida', Whisner Fraga traz novo alento à prosa brasileira
Ronaldo Cagiano
Desde sua estréia com Seres e sombras (1999), seguido pelo premiado Coreografia dos danados (2002), o contista Whisner Fraga vem dando continuidade a um projeto de rastreamento das angústias existenciais. Os contos recentes de A cidade devolvida (Ed. 7Letras, Rio, 104 págs. 2005, R$ 24) chamam a atenção para esse jovem autor, engenheiro e professor, mineiro de Ituiutaba, vivendo atualmente no interior de São Paulo.
Em seu novo trabalho, Fraga aprofunda de maneira radical, tanto nos temas quanto na forma, as inquietações ancestrais, projeções dos desertos interiores de seus personagens. Deparamo-nos com protagonistas vivendo situações-limite, gente que vaga entre as solidões urbanas, os fracassos individuais, a inviabilidade dos relacionamentos desgastados, os dilemas frente às impossibilidades materiais e afetivas ou às insolúveis dores espirituais.
O conto que dá título ao livro, por exemplo, é uma relato pungente de um indivíduo estrangeiro em sua própria geografia, incapaz de localizar-se no seu território físico, porque perdido em seus labirintos psicológicos, sem um fio de Ariadne que o reconduza à realidade. Acuado pela sua própria vida, não dá mais conta de ultrapassar a simples linha divisória que traçou dentro de sua cidade. Tudo perdeu o sentido e ele se torna um estranho no ninho social, um ser que renuncia à sociabilidade e vive, intensamente, seu processo de auto-reclusão no limiar da loucura.
Esses contos metaforizam a própria vida contemporânea, seja na urbis ou nos minúsculos mas vulcânicos escaninhos domésticos, onde ressoam nossas fraquezas. As vísceras expostas da solidão humana, o individualismo, os desajustes sociais, a inadaptabilidade aos fetiches do consumismo, os conflitos familiares e os fracassos coletivos são tratados pelo autor com toda sua carga de tensão.
Há uma verdadeira catarse, na tentativa de exorcizar fantasmas pessoais e soltar o grito submerso de uma geração desiludida, que perdeu seus referenciais humanos e estéticos e não tem mais por que lutar. O vai-e-vem de emoções e desencontros perceptíveis em cada conto retrata uma ambientação claustrofóbica. Mas nem por isso o autor deixa se seduzir por uma linguagem escatológica e, paradoxalmente, traduz os condicionamentos e a secura do caos moderno mitigando a sua confecção literária com a necessária poesia. Não aquela que é fruto de obviedades líricas e concessões sentimentais, mas a que nasce do imprevisível, como uma rosa que brota, solitária, num pântano.
O que reverbera o grito do personagem - ''e a cidade? a cidade? a cidade? confusa geografia a me cuspir'' - é uma denúncia de labirintos reais ou projeções delirantes de um ser deslocado, atmosfera recorrente em quase todos os contos, porque são histórias de inadaptabilidade, isolamento, insularidade, solidão e aspereza.
O autor capta os dramas individuais e coletivos, desnudando as asperezas do cotidiano. E, com isso, cutuca as feridas, dá um soco no estômago e mergulha num universo dialético, o que provoca um susto no leitor e nos instiga a um questionamento sobre a nossa condição.
A linguagem agreste, não linear, entremeada de fragmentos, recortada de alusões e citações, interrompida pelo fluxo de consciência/ monólogo interior, resulta de uma fina artesania e reproduz com fidelidade não só a destreza e a versatilidade narrativa do autor, mas acima de tudo o desmantelamento emocional, o desvario e o deslugar de seus personagens.
Antenado com as emergências de seu tempo e as demandas da literatura atual, Whisner Fraga consolida seu processo criativo e se insere no rol dos autores que trazem um novo alento à prosa brasileira.
Jornal do Brasil, 17 de março de 2006.
15 de março de 2006
Li o seu comentário no Blog do Whisner, e concordo com o que disse a respeito do livro dele. Estou lendo A cidade devolvida; e também Tablados, do Luis Brandão. Se não conhece este último, recomendo. Uma experiência interessante.
Quanto ao tema do Whisner, acho-o fascinante. E percebo que ele, o autor, de certa maneira, simula na linguagem certos volteios labirínticos (como você mesmo percebeu) que parecem conduzir o leitor à confusão, dispersividade. Nisso, uma necessidade de rever roteiros a que se achar. Lembra-me, n'O Céu que nos protege, a idéia que Bowles sugere para se achar dentro de uma cidade: é antes preciso perder-se dentro dela. A partir desse centro vazio, da perda, uma recondução de coordenadas, que construam ordem ao caos, ou, se não ordem, aparatos perceptivos para reconhecer este caos com um olhar familiar (de que fala Ponty, em O Olho e o Espírito). Mas mesmo assim, perigosa e arriscada essa aposta, pois exige um leitor disposto e paciente. Aliás, perigo e risco corre quem se aventura a de fato conhecer uma cidade. O título é interessante também, a cidade é devolvida, como um refluxo de movimentos de expansão e contração cosmopoéticas que acabam devolvendo excessos (via linguagem ou imagens) encarregados por formar o próprio material de que todas as cidades são construídas (ou mesmo destruídas). "
Continuo com a leitura.
Um grande abraço: Assionara Souza
Mensagem da escritora Assionara Souza para a também escritora Carola Saavedra.
Quanto ao tema do Whisner, acho-o fascinante. E percebo que ele, o autor, de certa maneira, simula na linguagem certos volteios labirínticos (como você mesmo percebeu) que parecem conduzir o leitor à confusão, dispersividade. Nisso, uma necessidade de rever roteiros a que se achar. Lembra-me, n'O Céu que nos protege, a idéia que Bowles sugere para se achar dentro de uma cidade: é antes preciso perder-se dentro dela. A partir desse centro vazio, da perda, uma recondução de coordenadas, que construam ordem ao caos, ou, se não ordem, aparatos perceptivos para reconhecer este caos com um olhar familiar (de que fala Ponty, em O Olho e o Espírito). Mas mesmo assim, perigosa e arriscada essa aposta, pois exige um leitor disposto e paciente. Aliás, perigo e risco corre quem se aventura a de fato conhecer uma cidade. O título é interessante também, a cidade é devolvida, como um refluxo de movimentos de expansão e contração cosmopoéticas que acabam devolvendo excessos (via linguagem ou imagens) encarregados por formar o próprio material de que todas as cidades são construídas (ou mesmo destruídas). "
Continuo com a leitura.
Um grande abraço: Assionara Souza
Mensagem da escritora Assionara Souza para a também escritora Carola Saavedra.
9 de março de 2006
Se o senhor tivesse de ir para uma ilha ou passar dois anos no Tibete, teria de levar apenas alguns livros e não a sua biblioteca inteira. Quais livros levaria?
Eu levaria alguns livros do Machado de Assis e do Guimarães Rosa, como literatura brasileira, e como literatura estrangeira eu levaria Proust. Mas isso é uma preferência pessoal e não é exclusiva. A literatura estrangeira é um mundo. É muito difícil de escolher um apenas, mas eu acho que o Proust é um escritor extraordinário, tanto que há, hoje, na literatura do século 20 os proustianos e os joyceanos. Eu comecei a ler o Joyce em francês porque a tradução decodifica muita coisa e ela foi acompanhada pelo Joyce. Depois eu li em inglês e depois em português, na tradução do Houaiss. Mas, até agora pelo menos, não tive a empatia que tive com Proust. Eu li Em Busca do Tempo Perdido cinco vezes com dez anos de intervalo, e cada leitura é diferente e melhor.
José Mindlin, em entrevista à Revista E, do SESC, fevereiro de 2006.
Eu levaria alguns livros do Machado de Assis e do Guimarães Rosa, como literatura brasileira, e como literatura estrangeira eu levaria Proust. Mas isso é uma preferência pessoal e não é exclusiva. A literatura estrangeira é um mundo. É muito difícil de escolher um apenas, mas eu acho que o Proust é um escritor extraordinário, tanto que há, hoje, na literatura do século 20 os proustianos e os joyceanos. Eu comecei a ler o Joyce em francês porque a tradução decodifica muita coisa e ela foi acompanhada pelo Joyce. Depois eu li em inglês e depois em português, na tradução do Houaiss. Mas, até agora pelo menos, não tive a empatia que tive com Proust. Eu li Em Busca do Tempo Perdido cinco vezes com dez anos de intervalo, e cada leitura é diferente e melhor.
José Mindlin, em entrevista à Revista E, do SESC, fevereiro de 2006.
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