30 de novembro de 2005

Quando, numa segunda-feira de março, as mulheres da cidade amanheceram grávidas, Botão-de-Rosa sentiu que era um homem liquidado. Entretanto não se preocupou, absorto em pentear os longos cabelos.

Início do conto "Botão-de-Rosa", do livro "O convidado", de Murilo Rubião. O exemplar que eu tenho foi autografado pelo autor para o também escritor Orlando Bastos. "Para Orlando Bastos, agradecendo o seu excelente livro, o abraço do Murilo Rubião. Belo Horizonte, maio de 83."

29 de novembro de 2005

É preciso esperar contra a esperança
Esperar, amar, criar
contra a esperança
e depois desesperançar a esperança
mas esperar, enquanto
um fio de água, um remo,
peixes existem e sobrevivem
no meio dos litígios;
enquanto bater
a máquina de coser
e o dia dali sair
como um colete novo.

(Trecho do poema "Contra a esperança", de Carlos Nejar, que retirei do livro "50 poemas escolhidos pelo autor", editado pela Galo Branco, do Rio, a mesma que patrocinou o meu segundo livro, Coreografia dos Danados.)

27 de novembro de 2005

A gente acaba desanimando quando chega em uma livraria e dá de cara com um livro da Bruna Surfistinha na prateleira dos mais vendidos. 10 mil exemplares em duas semanas. Já é um fenômeno editorial. Depois não dá para encontrar um livro bom e barato. Isto é, complicado. Daí que eu achei o Don Quijote de la Mancha, editado pela Alfaguara, capa dura, edição comemorativa, por vinte e cinco reais! E não era promoção. Confira aí quem quiser no Submarino ou em outra livraria virtual. O livro foi patrocinado pela Asociación de Academias de la Lengua Española, está em espanhol atualizado e tem prefácio de Mario Vargas Llosa, mas e daí? Ainda há esperança.

23 de novembro de 2005

"Diz que é inútil? Mas o prazer é sempre útil, e um poderio selvagem, ilimitado, ainda que seja sobre uma mosca, constitui também uma forma de prazer." Um jogador, de Dostoiévski, traduzido por Boris Schnaiderman.

14 de novembro de 2005

De Ituiutaba/MG, cidade do contista Luiz Vilela e minha também, aviso: o livro Cidade devolvida já está a venda no site da 7Letras. O lançamento oficial será na Primavera dos Livros, em São Paulo, infelizmente sem minha presença. A partir do dia 21 de novembro o livro poderá ser encontrado nas livrarias.

11 de novembro de 2005

Simples não é trivial

Contos de Marcelo Carneiro banalizam as experiências sexuais

Atenta aos modismos e às tendências atuais do conto, grande parte dos escritores brasileiros opta pela narrativa fácil, refogada com abobrinhas e temas de fácil assimilação por parte do leitor mediano. É por isso que dezenas de caixas apinhadas de lançamentos são descarregadas diariamente nos estacionamentos dos shoppings, com literatura produzida para ocupar as disputadas vitrines.
Fica a equivocada impressão de que o Brasil está revivendo o boom dos anos 70, época em que surgiram dezenas de habilidosos contistas. Há uma diferença significativa entre o fenômeno daquela época e o de hoje: a qualidade. Jamais foi tão fácil escrever e publicar como atualmente.
Marcelo Carneiro da Cunha, em seu Simples, o amor nos anos 00, editado pela Record, se propõe a dissecar o relacionamento afetivo dos homens e mulheres neste século 21. Sob essa perspectiva, falha de maneira cabal. A contar pela ironia do título, espera-se que o tema tenha um tratamento à altura, o que não acontece. Certo de manipular um assunto complexo, Marcelo erra ao tratá-lo com linguagem, argumentos, narrativa e tramas tão comuns.
Simples é um livro de contos cujo tema central é o sexo nos dias correntes. Por ter sido escrito por um qüinquagenário, é pelo prisma de um homem de meia-idade que os relacionamentos são analisados. Mesmo com experiência no assunto e ainda que tenha conversado com diferentes pessoas em diferentes lugares, mesmo contando com a leitura e sugestões de escritores gabaritados, como depõe o próprio autor, Marcelo termina por retratar de forma ingênua e romântica as peripécias sexuais do homem contemporâneo.
Talvez por ser um escritor com tarimba na literatura infanto-juvenil Marcelo tenha errado tanto a mão nesta sua obra para adultos, deixando nela o mofo do didatismo e da linguagem trivial. Nos contos em que parece haver um desejo de transgressão formal e mesmo lingüística, percebe-se que a construção narrativa não funciona. É o caso de Caixa de entrada, uma longa e tediosa conversa virtual entre vários personagens.
Algumas vezes a ironia, intercalada com frases inteligentes, é muito bem aplicada, como no primeiro conto, Simples, uma espécie de prólogo no qual o autor, em um texto veloz, propõe uma aventura ao leitor. O segundo conto, Ódios, segue a mesma linha, mas acabam aí os momentos inspirados do livro. Depois se seguem narrativas inconstantes, que oscilam entre o lirismo e a pornografia sem criatividade. De vez em quando uma personagem de um conto dá o ar da graça em outro, mas de uma forma aleatória, sem motivo. E aí se findam também as transgressões.
Em sua maioria, os protagonistas são homens ou mulheres adentrando a meia-idade, financeiramente bem-sucedidos, que não conseguem aceitar que perderam o bonde desta nova revolução sexual, em que todas as manifestações e diversidades são aceitas e praticadas. Então tentam recuperar o tempo perdido experimentando sensações que não condizem com sua cultura e mesmo com sua idade. Mais veracidade é encontrada num diário de adolescente.
A inconstância dos textos reunidos em Simples demonstra que não é recomendável simplificar um tema intrincado como o do relacionamento entre os seres humanos. Sem pretender esgotar o assunto, Marcelo o restringe tanto que só consegue sugerir a sua banalização. (Whisner Fraga)

Resenha publicada no Jornal do Brasil, 11 de novembro de 2005.

10 de novembro de 2005

A resenha que escrevi sobre o livro Um amor anarquista, de Miguel Sanches Neto, publicada no jornal Estado de Minas pode ser lida também no site Verdes Trigos.

8 de novembro de 2005

chegarei à margem como de costume, estancarei meus passos diante do cruzamento: pronto: para a revanche, para a sua fúria prestes a verter venenos ousados, serei a mais sólida vontade, de concreto e aço, não, desde aquele dia que tenho coragem, enfrentei heroicamente meu medo, travamos injusta batalha: não venci, não era para ter triunfos ou derrotas: mas tendo subjugado a mim mesmo, exigiu meu cérebro um preço e a ele sou fiel até o fim: e a cidade? a cidade? a cidade? confusa geografia a me cuspir... (trecho do conto "o homem de meia cidade", do livro "a cidade devolvida", a ser lançado dia 20 próximo. foi publicado também na revista cult).

5 de novembro de 2005

"Acredito nisto: somente a prova sufocante, impossível, dá ao autor o meio de atingir a visão longínqua esperada por um leitor cansado dos limites próximos impostos pelas convenções" (Georges Bataille)

4 de novembro de 2005

"lá fora a escuridão se manchava de arrogância e aurora. se tateasse a espessura da noite corroída, incompleta, suspeitando da incerteza desse ventre escuro a envolver-me, se algo em sua natureza de esconderijo falhasse primeiro e para sempre, seria a claridade. ou quem sabe o nada rasgando essa névoa de azeviche, inserindo uma fatia de sua peçonha para contaminar de vácuo o resto de um latejamento preguiçoso, mas que ainda é vida. se comprovasse essa inexistência mesclando ao veneno a ansiedade de minha mão, demonstrando com o vestígio de meus dedos a sensação oca de suas vísceras, seria a possibilidade do fim. ou a lâmpada, holofote guiado às suas mãos, seivas indóceis respondendo à cólera da dona, palmas entulhadas de vontades de provas, a visão guiando a fé."
(Trecho do conto "insônia", do livro "A cidade devolvida", a ser lançado dia 20 de novembro na Primavera dos Livros. O texto foi publicado na revista Cult e premiado em Barueri por Roberto Piva, Carlos Figueiredo e Claudio Willer - este último um grande incentivador de minha obra).

3 de novembro de 2005

"Mas, por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços." (Rosa, Grande Sertão)

2 de novembro de 2005

Esclarecimento

Aí do lado está a capa do meu livro de contos, A cidade devolvida, editado pela 7Letras. Será lançado dia 20 de novembro, na Primavera dos Livros, em São Paulo. Estou com um romance engatilhado, As espirais de outubro, mas ainda não procurei editora. Demorei 6 anos pra escrever o danado, que já ganhou dois prêmios, seja lá o que isso queira dizer. Ano que vem fico por conta de editá-lo. Ou em 2007. Este ano só cidade.

1 de novembro de 2005

"Não dormira direito à noite por causa do calor, dos pernilongos sugando sangue e deixando em seu rastro um ritual de fogo, canção e vôo suicida." (Duílio Gomes, no conto Afonso Balsas regressando).
Neste final de semana eu li Simples, de Marcelo Carneiro da Cunha. Também Tangências, poemas da Sílvia Rubião (na verdade foi uma releitura este). E ontem Deus dos abismos, do genial contista mineiro Duílio Gomes. Isto, claro, entremeado com os Demônios do Dostoiévski. Recomendo Tangências e Deus dos abismos. Mas comentarei estes livros em resenhas. O livro do Duílio foi um presente que ele me mandou. Não encontramos os contos do mineiro em qualquer livraria não. As edições de suas obras estão quase todas esgotadas...