Irmãos por irmãos, fico com os Paolo e Vittorio Taviani, que dirigiram o filme "Bom dia, Babilônia", lançado em 1987.
30 de dezembro de 2008
22 de dezembro de 2008
Um pouco de cinema
Muito se tem falado sobre os tais irmãos Coen, como se fossem dois gênios. Eu vi "Burn after reading", que acho que ficou como "Queime depois de ler" mesmo. Assisti a "Onde os fracos não têm vez" (No country for old men), "Paris, te amo" (Paris, Je t'aime), "O homem que não estava lá" (The man who wasn't there), "O grande Lebowski" (The big Lebowski), "Barton Fink" e se brincar algum outro. Venho vendo filmes desses caras porque sempre alguém me diz que eles são demais, que reinventaram o cinema e outras bobagens do tipo. Mas ainda não consegui me encantar com o trabalho dos dois.
Agora, já "O desprezo" (Le mépris), de Jean-Luc Godard, é magnífico.
16 de dezembro de 2008
Prêmios e livros
Já disse aqui que o Cristovão Tezza escreveu o livro mais premiado do ano: levou também o Prêmio São Paulo de Literatura há algumas semanas. Mas a obra da Tatiana Salem Levy, que ganhou na categoria estreante, me chamou mais a atenção. Devo confessar que ainda estou nas primeiras páginas deste romance, mas já ganhou a minha confiança. Pena que esteja brigando com outro livro bem mais atraente para mim no momento: As cruzadas, de Zoé Oldenbourg, traduzido do francês por Vânia Pedrosa. Minha edição é antiga: Civilização Brasileira, 1968. Comprei ontem em um sebo e até onde sei não foi relançado não. Mas como normalmente eu digito aqui trechos de obras de ficção, vou inserir um trecho do livro da Levy.
[Você não imagina o alívio que acabo de sentir. Há quanto tempo está esparramada nessa cama, inamovível? Há quanto tempo lhe peço para se levantar?] Não sei, desconheço a resposta. Pode ser uma semana, um mês, um ano, ou mesmo uma vida. Sinto-me às vezes um bloco de cimento, às vezes uma nuvem diluída, não percebo sequer a minha forma, os meus contornos. Quero sair do lugar, mas ainda duvido se é essa a melhor escolha. [Não desanime. No início de uma partida, não existem escolhas melhores ou piores, apenas escolhas. É cedo para um julgamento.] Mas e se errar? Se me afundar ainda mais nesse poço de imprecisão e incerteza? Que garantia tenho de que não tropeçarei em mim mesma? [Não posso lhe garantir nada. Só posso prometer uma coisa: arrisque-se e estarei sempre pronta a lhe estender a mão.]
Vou transcrever a orelha do livro, escrita por Cíntia Moscovich:
Neta de judeus turcos, nascida em Lisboa, emigrada para o Brasil aos 9 meses de idade, a estreante Tatiana Salem Levy chega, neste A chave de casa, ao ponto que muitos almejam e bem poucos alcançam: condensar o jorro da memória e transformá-lo em literatura.
Concretizando o que denomina de "autoficção", a autora tece um romance de vozes diversas - como são as vozes da memória -, histórias que se complementam num tom de densa estranheza. Tudo se inicia quando a personagem-narradora recebe do avô a chave da casa da família deixada para trás, no tempo e na distância, em Esmirna. Rumo à Turquia, toca a ela procurar a herança passada, tarefa a que se entrega não sem medo e expectativa de modificar seu próprio presente.
Passando por temas como a morte da mãe e a relação com um homem violento - dores exploradas nos extremos do lirismo e da crueldade -, Tatiana demonstra grande pendor para o gênero a que se dedica. Escritora refinada, capaz de frases torneadas com precisão e de cortes e elipses nunca menos que exatos, o romance seduz pelo apelo sensorial, pela extrema competência narrativa e, em especial, por um alto sentido de humanidade.
Sobre os estilhaços da memória individual, Tatiana soube assentar as bases de uma literatura singular e vigorosa.
[Você não imagina o alívio que acabo de sentir. Há quanto tempo está esparramada nessa cama, inamovível? Há quanto tempo lhe peço para se levantar?] Não sei, desconheço a resposta. Pode ser uma semana, um mês, um ano, ou mesmo uma vida. Sinto-me às vezes um bloco de cimento, às vezes uma nuvem diluída, não percebo sequer a minha forma, os meus contornos. Quero sair do lugar, mas ainda duvido se é essa a melhor escolha. [Não desanime. No início de uma partida, não existem escolhas melhores ou piores, apenas escolhas. É cedo para um julgamento.] Mas e se errar? Se me afundar ainda mais nesse poço de imprecisão e incerteza? Que garantia tenho de que não tropeçarei em mim mesma? [Não posso lhe garantir nada. Só posso prometer uma coisa: arrisque-se e estarei sempre pronta a lhe estender a mão.]
Vou transcrever a orelha do livro, escrita por Cíntia Moscovich:
Neta de judeus turcos, nascida em Lisboa, emigrada para o Brasil aos 9 meses de idade, a estreante Tatiana Salem Levy chega, neste A chave de casa, ao ponto que muitos almejam e bem poucos alcançam: condensar o jorro da memória e transformá-lo em literatura.
Concretizando o que denomina de "autoficção", a autora tece um romance de vozes diversas - como são as vozes da memória -, histórias que se complementam num tom de densa estranheza. Tudo se inicia quando a personagem-narradora recebe do avô a chave da casa da família deixada para trás, no tempo e na distância, em Esmirna. Rumo à Turquia, toca a ela procurar a herança passada, tarefa a que se entrega não sem medo e expectativa de modificar seu próprio presente.
Passando por temas como a morte da mãe e a relação com um homem violento - dores exploradas nos extremos do lirismo e da crueldade -, Tatiana demonstra grande pendor para o gênero a que se dedica. Escritora refinada, capaz de frases torneadas com precisão e de cortes e elipses nunca menos que exatos, o romance seduz pelo apelo sensorial, pela extrema competência narrativa e, em especial, por um alto sentido de humanidade.
Sobre os estilhaços da memória individual, Tatiana soube assentar as bases de uma literatura singular e vigorosa.
8 de dezembro de 2008
Juan José Millás
Vocês conhecem Juan José Millás? Ele á apresentado assim na orelha de um de seus livros: "Referência do jornalismo literário, Juan José Millás (Valência, 1946) é um dos romancistas espanhóis mais importantes e aclamados pelo público e pela crítica tanto na Espanha quanto nos outros quinze paíese onde sua obra está traduzida."
Sugiro dele: Cerbero son las sombras e La soledad era esto. Ambos são difíceis de achar aqui no Brasil. Não sei se foram traduzidos.
Então talvez fosse mais fácil se procurassem o "Laura e Julio", um livro bem interessante. O resumo da trama eu transcrevo da orelha da obra:
"Laura e Julio é um romance sobre a ausência. O jovem casal que dá título ao livro tem uma vida vazia, sem trocas, seja de palavras ou de afeto. Laura e Julio praticamente só conversam quando Manuel os visita. Novo morador do prédio, Manuel é um escritor que jamais escreveu um livro e que prefere vivenciar a história de Laura e Julio a colocá-la no papel. Para ele, os dois mais parecem personagens de ficção; não da vida real. Mas Manuel sofre um acidente que condena ao isolamento não apenas ele mesmo, mas também a dupla. E o inevitável finalmente acontece: laura pede a separação. Sem rumo, Julio refugia-se na casa desocupada do vizinho. O apartamento serve como uma espécie de vitrine por meio da qual passa a espionar a vida da ex-mulher, assim como Manuel deveria fazer quando morava ali. Pouco a pouco, Julio vai se apropriando dos objetos do vizinho e até de sua persona. Durante essa transformação, descobre que não é o único a viver uma mentira."
Um trecho aí do romance:
"Julio apagou a luz e sentou-se na cama, junto à cabeceira da menina, com quem trocou, já na penumbra, um olhar que o perturbou.
- Se quiser que eu durma, vai teer que me contar uma história - disse a menina.
- Eu não sei contar histórias - disse Julio.
- Então não vou dormir.
O adulto e a pequena permaneceram em silêncio alguns instantes, cada um à espera de que o outro resolvesse a situação. Finalmente, a menina cedeu.
- Você diz era uma vez e vai ver como sai sozinho.
- Era uma vez - disse Julio, e calou-se.
- Era uma vez um país - acrescentou a menina.
- Era uma vez um país...
Nesse instante, uma sombra causada por alguma atividade que vinha da rua atravessou a parede.
- Era um país - repetiu Julio - onde havia menos sombras que pessoas.
- Por quê?
- Porque a metade das pessoas nascia sem sombra.
- E como eram as pessoas sem sombra?
- Atordoadas.
- O que quer dizer atordoadas?
- Que pensavam pouco nas coisas.
- Que coisas?
- Todas as coisas. Prendiam os dedos nas portas; caíam pelas escadas; cortavam-se com as tesouras; queimavam-se com a sopa; engasgavam com a comida; deixavam as torneiras abertas e os cadarços dos sapatos desamarrados...
- Faziam xixi na cama?
- Também.
- Sabiam ler?
- Mal.
- E o que aconteceu?
- O governo desse país decidiu dividir as sombras existentes ao meio e distribuí-las entre os cidadãos para que todos tivessem pelo menos meia sombra."
Sugiro dele: Cerbero son las sombras e La soledad era esto. Ambos são difíceis de achar aqui no Brasil. Não sei se foram traduzidos.
Então talvez fosse mais fácil se procurassem o "Laura e Julio", um livro bem interessante. O resumo da trama eu transcrevo da orelha da obra:
"Laura e Julio é um romance sobre a ausência. O jovem casal que dá título ao livro tem uma vida vazia, sem trocas, seja de palavras ou de afeto. Laura e Julio praticamente só conversam quando Manuel os visita. Novo morador do prédio, Manuel é um escritor que jamais escreveu um livro e que prefere vivenciar a história de Laura e Julio a colocá-la no papel. Para ele, os dois mais parecem personagens de ficção; não da vida real. Mas Manuel sofre um acidente que condena ao isolamento não apenas ele mesmo, mas também a dupla. E o inevitável finalmente acontece: laura pede a separação. Sem rumo, Julio refugia-se na casa desocupada do vizinho. O apartamento serve como uma espécie de vitrine por meio da qual passa a espionar a vida da ex-mulher, assim como Manuel deveria fazer quando morava ali. Pouco a pouco, Julio vai se apropriando dos objetos do vizinho e até de sua persona. Durante essa transformação, descobre que não é o único a viver uma mentira."
Um trecho aí do romance:
"Julio apagou a luz e sentou-se na cama, junto à cabeceira da menina, com quem trocou, já na penumbra, um olhar que o perturbou.
- Se quiser que eu durma, vai teer que me contar uma história - disse a menina.
- Eu não sei contar histórias - disse Julio.
- Então não vou dormir.
O adulto e a pequena permaneceram em silêncio alguns instantes, cada um à espera de que o outro resolvesse a situação. Finalmente, a menina cedeu.
- Você diz era uma vez e vai ver como sai sozinho.
- Era uma vez - disse Julio, e calou-se.
- Era uma vez um país - acrescentou a menina.
- Era uma vez um país...
Nesse instante, uma sombra causada por alguma atividade que vinha da rua atravessou a parede.
- Era um país - repetiu Julio - onde havia menos sombras que pessoas.
- Por quê?
- Porque a metade das pessoas nascia sem sombra.
- E como eram as pessoas sem sombra?
- Atordoadas.
- O que quer dizer atordoadas?
- Que pensavam pouco nas coisas.
- Que coisas?
- Todas as coisas. Prendiam os dedos nas portas; caíam pelas escadas; cortavam-se com as tesouras; queimavam-se com a sopa; engasgavam com a comida; deixavam as torneiras abertas e os cadarços dos sapatos desamarrados...
- Faziam xixi na cama?
- Também.
- Sabiam ler?
- Mal.
- E o que aconteceu?
- O governo desse país decidiu dividir as sombras existentes ao meio e distribuí-las entre os cidadãos para que todos tivessem pelo menos meia sombra."
Assinar:
Postagens (Atom)