29 de agosto de 2009
Thomas Wolfe
Primeiro e mais importante: não confundir Thomas Wolfe (1900 - 1938) com Tom Wolf (1931 - ). Este último um jornalista americano que escreveu o best seller "A fogueira das vaidades" (The bonfire of the vanities) e que adotou o pseudônimo em homenagem a um dos maiores escritores da literatura de língua inglesa. Sobre Thomas Wolfe escreveu o Chicago Daily Tribune: "Reading the work of this genius is like listening to Wagner or watching the aurora borealis. It is an experience beside which the mill run of most fiction seems trivial and insignificant." Não é exagero. Seus contos são obras-primas da concisão e da elegância.
Primeiro eu quero falar sobre um conto de Thomas Wolfe: The lost boy. Traduzido no Brasil como "O menino perdido", por Marilene Felinto, narra a história de Grover, um garoto inteligente que é enganado por um padeiro sovina. Permeando o argumento aparentemente simples, há uma sórdida e triste história de racismo. Este conto é narrado pelo Grover e o que é apresentado ao leitor é seu ponto de vista. Depois temos as opiniões da mãe, do irmão e da irmã de Grover a seu respeito e assim se constrói uma das mais belas histórias que já tive a oportunidade de ler.
No conto "Arnold Pentland" (Parente de sangue na tradução de Felinto, percebemos a arte de Wolfe ao descrever o fracassado Arnold, que decide mudar de nome e de destino para se vingar da família que não soube educá-lo. Deste conto destaco o trecho:
"Arnold Pentland was a man of thirty-six. He could have been rather smal of limb and figure had it not beem for his great soft shapeless fatness - a fatness pale and grimy that suggested animal surfeits of unwholesome food. He had lank, greasy hair of black, carelessly parted in the middle, his face, like all the rest of him, was pale and soft, the features blurred by fatness and further disfigured by a greasy smudge of beard. And from this fat, pale face his eyes, brown and weak, looked out on the world with a hysterical shyness of retreat, his mouth trembled uncertainly with a movement that seemed always on the verge of laughter and hysteria, and his voice gagged, worked, stuttered incoherently, or wrenched out desperate, shocking phrases with an effort that was almost as painful as the speech of a paralytic."
A tradução de Felinto:
"Arnold Pentland era um homem de trinta e seis anos. Seria um tanto pequeno de membros e compleição, não fosse por sua enorme obesidade amorfa - uma gordura pálida e encardida, que sugeria um empanturrar-se animalesco de comida insalubre. Tinha cabelo preto, escorrido e seboso, repartido no meio com desleixo; o rosto, como tudo nele, era pálido e mole, os traços encobertos pela gordura e ainda desfigurados por um borrão de barba. E sobre esse rosto pálido e obeso, seus olhos castanhos e doentios olhavam o mundo, refugiados numa timidez histérica; sua boca tremia insegura, num movimento que parecia sempre à beira da risada ou da histeria; e sua voz engasgava, debatia-se, gaguejava incoerente, ou soltava frases insensatas e chocantes, num esforço quase tão doloroso quanto o discurso de um paralítico."
Este pedaço do conto nos dá a certeza de uma personagem derrotada pela vida: as palavras "pale" e "fatness" aparecem com frequência na descrição de Arnold, levando-nos a compará-lo com um urso que resolveu hibernar, também por questão de sobrevivência, porque é incapaz de encarar o mundo. A mãe, ciente de que errou em algum momento, toma o máximo cuidado com tudo o que lhe diz:
"his mother, approaching him, spoke to him in the tender, almost pleading tone of a woman who is conscious of some past negligence in her treatment of her child and who is now, pitiably too late, truing to remedy it."
"a mãe, aproximando-se dele, falou-lhe no tom suave, quase suplicante, de uma mulher que está consciente de alguma antiga negligência no tratamento que dispensou ao filho e que agora, infelizmente tarde demais, tenta remediar."
O pai não consegue ignorar a fraqueza do filho e o humilha a todo instante. Thomas Wolfe descreve com tal elegância a história desta família que não conseguimos ter pena de Arnold, que escolheu a derrota como sua forma de revolta.
Os trechos traduzidos por Marilene Felinto foram tirados do livro "O menino perdido e outros contos", editado em 1989 pela Iluminuras. Os originais eu copiei do livro "The complete short histories of Thomas Wolfe", editado pela Collier Books em 1989.
17 de agosto de 2009
Sophie's choice
Nestes tempos em que todos tememos a gripe suína como o vírus que dizimará a raça humana, é triste recordar que o escritor William Styron (1925 - 2006) faleceu vitimado por uma pneumonia. Triste para mim, porque sempre sinto a morte de um artista de talento.
Poucos terão a coragem necessária para encarar as mais de seiscentas páginas de "A escolha de Sofia", do norteamericano Styron, publicadas em 1979. Para estas pessoas, há um filme razoável lançado em 1982, com Meryl Streep no papel principal. A película, é claro, não chega perto da beleza do romance, principalmente por causa da Meryl Streep. Considero-a uma boa atriz, mas imaginá-la no papel de Sofia é demais. Sofia é descrita no livro como possuidora de uma beleza selvagem e sublime, coisa difícil de se ver na Streep.
Se alguém for procurar por aí um resumo do livro, encontrará algo vagamente ilustrativo sobre um casal, um aspirante a escritor e o holocausto. Mas a história vai muito além disso. Alguns acharão algumas matérias mais profundas, que tentam explicar a escolha do título: também podem estar lendo informações incompletas.
Ao se aventurar pelo livro de Styron, o leitor deve ter em mente que se trata de um escritor norteamericano dos anos 50, o que quer dizer longas (embora não tediosas) descrições, diálogos precisos, embora igualmente compridos e uma narrativa que beira o jornalismo de Gay Talese. Nada disso é ruim, óbvio, é só uma maneira de escrever.
"A escolha de Sofia" narra a história do casal Nathan e Sofia, ele um jovem perturbado e ela uma polonesa católica, que amargou anos em campos de concentração e vai parar nos Estados Unidos numa tentativa de reconstruir sua vida. Para se juntar à história surge o sulista Stingo, alterego de Styron. Mas o fato é que naqueles anos eles não podem e de fato não transformam aquele relacionamento em um triângulo amoroso. Mas é explícita a incompreensão de Stingo quando se vê atraído por Nathan (embora nada se consuma a não ser em um sonho) e ainda mais explícita a descrição de uma cena de sexo entre Sofia e Stingo, quando afinal ela cede aos encantos do sulista, tem-se a impressão de que é muito mais por um sentimento materno e por uma dívida pelo amor que este nutre por ela.
Sofia é capturada por nazistas porque tenta contrabandear uns quilos de presunto, que levaria para a mãe moribunda. A polonesa vive um contundente sentimento de culpa, porque o pai era antissemita e porque a mãe morreu sem que recebesse a tão desejada carne. Além disso, quando Sofia é capturada está com os dois filhos, Jen e Eva. A escolha a fazer é a seguinte: um oficial nazista lhe explica que pelo fato de Sofia ser polonesa, ela tem de optar por um dos dois filhos, que seguirá para a câmara de gás. Mas a escolha não tem importância nenhuma do ponto de vista prático, pois seria apenas prolongar a existência. Todos que estavam ali tinham consciência que morreriam cedo ou tarde. Claro que isso não foi verdade, hoje sabemos que vários conseguiram escapar, mas pelo menos era o que todos aqueles judeus e poloneses tinham em mente. O fato é que se Sofia não escolhesse, ambos seriam levados imediatamente para a câmara.
Mas a escolha de Sofia é muito mais do que isso e é o que torna este um livro até certo ponto perturbador: percebemos que Sofia tem de viver com esse fardo de não poder ter tudo o que deseja jamais, então tem de escolher entre o amor por Nathan e a atração por Stingo. Tem de optar pela crença em um Nathan que pode ser curado de sua esquizofrenia e do uso abusivo de drogas ou pela lucidez de um mundo que não é esse conto de fadas. Parece-lhe que a Nova Iorque do final dos anos 40 é tão desumana quanto Auschwitz. Nesse meio tempo, não há como acreditar em Deus e Sofia sente que a única fuga que lhe é permitida vem por meio do sexo. E é por isso que Meryl Streep jamais poderia fazer algo que prestasse a esse respeito, porque ela pode até ser uma boa atriz, mas não dá para olhar para ela e sentir qualquer espécie de desejo nesta área.
Sofia sabe que não conseguirá descanso, porque está irremediavelmente marcada pelos traumas do campo de concentração, pela privação que passou durante anos e pelas doenças que quase a mataram. Há no livro esta sensação constante de erro: Sofia devia ter morrido, Nathan devia estar internado em um hospício e Styron devia se concentrar solitariamente na escrita do seu romance. Mas são esses equívocos de Deus (como descreve Styron) que preparam os homens para as tragédias.
O livro já foi acusado de auto-indulgente, mas olhar a obra sobre este prisma é diminuí-la. É claro que há muito de autobiográfico e o olhar que o autor lança sobre si mesmo é piedoso, o que não importa, já que é apenas um outro olhar e não o verdadeiro. A narrativa, os pontos de vista do narrador, as histórias selecionadas, a indulgência, tudo isso também é escolha. O romance não pode ser lido com olhos de hoje, quando tudo que podia ser escrito sobre os campos de concentração já foi escrito, na ficção e fora dela, sob pena de rotulá-lo de livro comercial, quando na verdade ele representa o ressurgimento da ficção estadunidense, ao mesmo tempo que sugere um novo tipo de narrativa, misturando elementos dos romances comerciais com um estilo quase nunca poético, mas pungente e preciso.
8 de agosto de 2009
Hócus-Pócus
As capas dos livros que comento aqui podem, às vezes, parecer estranhas. De fato talvez o sejam mesmo. Há uma explicação: eu mesmo as escaneio e embora o faça com muito carinho, não tenho muita paciência para retoques. O máximo que faço é diminuir o tamanho do arquivo para que não fique muito pesado na página.
Dito isto, vamos a Kurt Vonnegut: nasceu em 1922 em Indianápolis, nos Estados Unidos e morreu em 2007, em Nova Iorque, cidade onde morava desde 1970. Foi formado em Química e Antropologia e serviu na infantaria durante a Segunda Guerra Mundial. Provavelmente sua obra mais conhecida aqui no Brasil seja Matadouro 5 (Slaughterhouse-Five) e acho que por causa deste seu romance, ele é taxado de escritor de ficção-científica. O fato é que este "Hócus Pócus" é um livro e tanto e não tem nada de ficção-científica. Digo até com um certo preconceito, porque os livros de ficção se preocupam mais com a história e mais ainda com as ideias mirabolantes que devem fazer sentido e ter um embasamento teórico do que com a linguagem. Ray Bradbury tentou mudar isso trazendo lirismo para o estilo, mas ele já estava estigmatizado.
Hócus pócus é uma expressão que significa algo como truque ou fraude. Como chegou até aí ninguém sabe, porque em termos linguísticos, Hócus pócus não significa nada. Tem um jeitão de latim, mas é besteira: o próprio termo é uma fraude.
Kurt Vonnegut fala neste seu romance de um tema que sempre o perturbou: a guerra. E a guerra está presente o tempo todo, ora como realidade, quando o personagem principal do livro, o professor Eugene Debs Hartke, que é apresentado pelo autor logo no primeiro parágrafo do romance, resolve contar as pessoas que matou na Guerra do Vietnã, ora como uma inquietante sombra, que é o caso de um presídio gerenciado por japoneses que está sempre a um passo de uma rebelião.
A história: o professor Hartke se torna professor por um acaso - mandado para o exército pelo pai desejoso de um filho de sucesso, vai para West Point e depois para a guerra. Feito o que tinha de ser feito, o soldado retorna para os Estados Unidos sem saber o que será de seu futuro, até que um acaso o faz trombar com seu antigo oficial comandante, que então era diretor de um colégio e precisava de um professor de física.
Um rio separa o Colégio Tarkington e um presídio de segurança máxima com fins lucrativos gerenciado por japoneses. Era uma época em que os americanos começaram a preferir produtos vindos da terra do sol nascente. O Colégio Tarkington é uma dessas escolas para crianças ricas com problemas de aprendizagem.
Mulherengo, Eugene começa a sair com a esposa do diretor. Isso não poderia resultar em boa coisa. Colocam uma menina com um gravador escondido para seguir o professor por toda a escola. Uma maneira eficiente de conseguirem provas para dar um jeito no professor Hartke. Sem emprego e um pouco desesperado, consegue ficar amigo do diretor do presídio e começa a lecionar lá. Como ele é meio maluco, os prisioneiros se identificam com ele e adotam-no como um mentor, o que complica a sua vida, já que quando acontece o motim, ele é acusado de ser o guia dos presos. Com tuberculose e na cadeia, Eugene espera sobreviver neste estranho país que o recebeu de volta.
A qualidade da literatura de Vonnegut está justamente nesta crítica ao jeito americano de ser e na linguagem crua, extremamente crua e ácida.
Para encerrar, eu acho essa capa da Rocco perfeita, a metáfora de uma sociedade que já não funciona de forma correta há muito tempo.
Trecho de Hócus Pócus
Acho que William Shakespeare foi o homem mais sábio que existiu. Mas, para ser franco, isso não é grande coisa. Somos animais de uma vaidade impossível, e na verdade burros de doer. Pergunte a qualquer professor. Nem precisa perguntar a um professor. Pergunte a qualquer um. Cães e gatos são mais espertos do que nós.
Se eu digo que os Curadores do Colégio Tarkington eram Burros, e que as pessoas que nos meteram na Guerra do Vietnã eram burras, espero que fique claro ser eu mesmo o maior Burro de todos. Olhe aonde vim parar agora, e como dei duro só para chegar aqui, e não a outro lugar. Bingo!
E se acho que meu pai era uma besta quadrada e minha mãe era uma besta quadrada, o que posso eu ser se não outra besta quadrada? Pergunte aos meus filhos, legítimos ou não. Eles sabem.
(Tradução de Rubens Figueiredo para a Rocco, edição de 1993).
O trecho em inglês:
I think William Shakespeare was the wisest human being I ever heard of. To be perfectly frank, though, tht's not saying much. We are impossibly conceited animals, and actually dumb as heck. Ask any teacher. You don't even have to ask a teacher. Ask anybody. Dogs and cats are smarter than we are.
If I say that the Trustees of Tarkington College were dummies, and that the people who got us involved in the Vietnam War were dummies, I hope it is understood that I consider myself the biggest dummy of all. Look at where I am now, and how hard I worked to get here and nowhere else. Bingo!
And if I feel that my father was a horse's fundament and my mother was a horse's fundament, what can I be but another horse's fundament? Ask my kids, both legitimate and illegitimate. They know.
1 de agosto de 2009
Fome de rosas
Toda semana recebo alguns livros em casa - amigos com seus lançamentos, escritores em busca de novos leitores. Ganho muito mais livros do que consigo ler. Porque além destes que chegam até mim, ainda há os outros, que compro com o desejo de conhecer. Há uma pilha de obras aguardando minha leitura. Então, infelizmente, tive de adotar um critério: para que eu não tenha de simplesmente abandonar os livros que ganho em um canto, leio as três primeiras páginas de todos. Se resistirem à leitura, provando sua qualidade, sigo até o final.
Não tenho tempo sequer de agradecer a todos os que me enviam suas obras, que gastam tempo e dinheiro envelopando sua esperança e me destinando um alô. É uma questão de tempo sim, de forma que, como encaro a literatura como meu segundo trabalho, sou "obrigado" a ler de cem a duzentas páginas todos os dias. Mas o mesmo critério eu uso com os escritores consagrados: se eu não julgar que fizeram um bom trabalho, também não passo das três primeiras páginas. Se alguém me recomenda e a leitura engasga pela falta de qualidade, tento chegar até a décima página para ver se é só uma questão de tipo.
Uma história que me pegou de jeito foi a de "Fome de rosas", de Rosângela Vieira Rocha. Li três resenhas sobre este livro, publicadas em jornais e sites. Como não escrevo mais críticas literárias e estou correndo de jornal, vou tentar contar algo diferente sobre o romance. A respeito da escritora, quem quiser saber mais, digite o seu nome no Google e veja o que acontece.
Para ser honesto, o título não me incentivou muito e a capa também não me ajudou. Mas é uma questão de gosto, vejam bem: gosto. Porque tanto a capa quanto o título são muito coerentes com a mensagem que Rosângela pretende passar. Mas não me iludi - sou daqueles que acham que um texto não se vende pela capa ou por um título somente. Não me arrependi.
Vamos primeiro à história. Rosângela começou a trama no momento preciso para laçar o leitor: no enterro de um jovem e poderoso advogado, morto em um acidente de carro. Lisandro deixa mulher (Ariadne) e duas filhas (Letícia e Alice). Até aí tudo bem. O que não gostei muito nas críticas que li foi a atenção exacerbada que deram à personagem Alice. Ótimo, mas o livro é mais do que isso.
Letícia é uma jovem de vinte e um anos e Alice uma mimada garota-problema de 13. Com a morte do pai, Letícia vê-se obrigada a cuidar da família, que vivia confortavelmente em uma mansão, onde alienavam-se Ariadne e Alice. A filha mais velha decide que não quer esse fardo para si, abandona o curso de Direito no último ano e segue com o marido para a Alemanha, onde ele fará seu doutoramento e ela cuidará da casa. Rosângela trata de forma superficial da questão do imigrante, pois não é seu objetivo se aprofundar sobre isso, mas é muito feliz ao retratar de maneira poética a solidão em um novo país.
Alice é uma pré-adolescente que fica menstruada no dia da morte do pai - e é emblemática essa sutil união de sangues. Gordinha, decide perder peso sozinha, comprando dezenas de livros sobre dietas. Faz exercícios, controla a alimentação e em alguns meses se vê quinze quilos mais magra, ao custo de negligenciar a escola e de se tornar paranóica com o corpo. É um dos méritos do livro: discutir e apresentar de forma detalhada e certeira o processo de desenvolvimento de duas graves doenças: a bulimia e a anorexia. Alice tem em casa modelos de beleza: a mãe e a irmã e decide fazer o que está ao seu alcance para ficar como elas. Rosângela Vieira mostra o perigo da Internet sem fiscalização, os efeitos dos conselhos de amigos virtuais na disseminação de bobagens, as consequências do abandono, já que Ariadne decide, após anos se dedicando à família, cuidar um pouco de si e retomar um antigo relacionamento com um empregado de seu ex-marido.
É uma questão pessoal, mas achei muito interessante o aparecimento da cantora Karen Carpenter na narrativa. Carpenter foi um caso que ganhou a mídia do final dos anos 70, quando começou a emagrecer desenfreadamente e chegou a morrer em 1983, com problemas no coração, decorrentes da anorexia. É um assunto bastante atual, tendo-se em vista a exigência de modelos cada dia mais magras. Usuários do Protoshop criam ilusões, capas de revistas com mulheres perfeitas, sem celulite, sem estrias, com a barriguinha malhada e com um rosto sem marcas. Os recursos de luz e destreza fotográfica de antigamente me pareciam mais honestos.
O mérito de Rosângela está no seu modo de escrever, sem rodeios. Ela sabe contar uma história sem se posicionar criticamente sobre o tema, o que não quer dizer que o livro não trate a questão de maneira crítica, evidente. Ela simplesmente narra os fatos, o que é importante em se tratando de um ponto tão delicado. Se a autora tomasse um partido, o livro poderia descambar para a defesa gratuita de um preconceito.
Trecho
O cortejo deixa a capela. Não houve tempo para os convites, tudo aconteceu rapidamente. A última a sair é Alice, a filha mais nova do morto, de calça jeans e camiseta, pálida, apesar dos olhos secos. Elas nem parecem irmãs, de tão diferentes. A mais velha é alta, esbelta, morena, olhos azuis esverdeados. O luto não a impediu de preocupar-se com a aparência. Vestida com um discreto conjunto bege, de bolinhas marrons, sandálias de salto alto, cabelos bem assentados e uma maquiagem leve, Letícia já parece a dona do escritório de advocacia que herdará do pai, logo que terminar o curso. Flávio, o namorado, é um jovem juiz de direito cujas sentenças têm sido comentadas nas revistas especializadas e nos seminários jurídicos. Lisandro apreciava o futuro genro, dizia que tinha futuro, mas queria que a filha se formasse antes do casamento.
Fome de Rosas, Rosângela Vieira Rocha, Edições Dédalo, Brasília, 2009, 138 páginas.
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