All'uomo più imprendibile del Giappone, al padrone di tutto ciò che il mondo riusciva a portare via da quell'isola, Hervé Joncour provò a raccontare chi era. Lo fece nella propria lingua, parlando lentamente, senza sapere con precisione se Hara Kei fosse in grado di capire. Istintivamente rinunciò a qualsiasi prudenza, riferendo senza invenzioni e senza omissioni tutto ciò che era vero, semplicemente. Allineava piccoli particolari e cruciali eventi con voce uguale e gesti appena accennati, mimando l'ipnotica andatura, malinconica e neutrale, di un catalogo di oggetti scampati a un incendio.
Hara Kei ascoltava, senza che l'ombra di un'espressione scomponesse i tratti del suo volto. Teneva gli occhi fissi sulle labbra di Hervé Joncour, come se fossero le ultime righe di una lettera d'addio. Nella stanza era tutto così silenzioso e immobile che parve un evento immane ciò che accadde all'improvviso, e che pure fu un nulla.
D'un tratto,
senza muoversi minimamente,
quella ragazzina,
aprì gli occhi.
Hervé Joncour non smise di parlare ma abbassò istintivamente lo sguardo su di lei e quel che vide, senza smettere di parlare, fu che quegli occhi non avevano un taglio orientale, e che erano puntati, con un'intensità sconcertante, Su di lui: come se fin dall'inizio non avessero fatto altro, da sotto le palpebre. Hervé Joncour girò lo sguardo altrove, con tutta la naturalezza di cui fu capace, cercando di continuare il suo racconto senza che nulla, nella sua voce, apparisse differente. Si interruppe solo quando gli occhi gli caddero sulla tazza di te, posata per terra, davanti a lui. La prese con una mano, la portò alle labbra, e bevve lentamente. Ricominciò a parlare, mentre la posava di nuovo davanti a sé.
Ao homem mais inexpugnável do Japão, ao dono de tudo o que o mundo conseguisse levar daquela ilha, Hervé Joncour tentou contar quem era. Falou em seu próprio idioma, lentamente, sem saber com certeza se Hara Kei podia entender. Instintivamente renunciou a qualquer prudência, informando sem invenções e sem omissões tudo aquilo que era verdadeiro, simplesmente. Alinhava pequenos detalhes e acontecimentos cruciais com voz igual e gestos apenas esboçados, areemedando o hipnótico ritmo, melancólico e neutro, de um catálogo de objetos salvos de um incêndio. Hara Kei escutava, sem que nenhuma sombra de expressão alterasse os traços de seu rosto. Mantinha os olhos fixos nos lábios de Hervé Joncour, como se fossem as últimas linhas de uma carta de adeus. No cômodo tudo estava tão silencioso e imóvel, que pareceu desmedido o que ocorreu de súbito e que, no entanto, foi um nada.
De repente,
sem movimento algum,
a menina
abriu os olhos.
Hervé Joncour não parou de falar, mas baixou instintivamente o olhar para ela, e o que viu, sem parar de falar, foi que aqueles olhos não tinham o corte oriental e estavam apontados, com uma intensidade desconcertante, para ele: como se desde o início não tivessem feito outra coisa, sob as pálpebras. Hervé Joncour virou o olhar para outra parte, com toda a naturalidade de que foi capaz, tentando continuar sua narrativa sem que nada, em sua voz, parecesse diferente. Interrompeu-se só quando seus olhos baixaram para a xícara de chá, no chão, diante dele. Pegou-a com uma das mãos, levou-a aos lábios e bebeu lentamente. Recomeçou a falar, enquanto a punha de novo diante de si.
Trecho do romance "Seta" (Seda), do italiano Alessandro Baricco. Em português a tradução de Léo Schlafman, para a editora Companhia das Letras (2007). Na orelha da versão brasileira: Baricco nasceu em 1958, em Turim, onde mora ainda hoje. Estreou na literatura aos 33 anos, e é considerado um dos principais escritores contemporâneos da Itália. Seda foi traduzido para dezesseis idiomas e virou filme de François Girard.
20 de abril de 2008
14 de abril de 2008
Aqui, uma resenha que escrevi sobre o livro "O diário escarlate", do americano Louis Auchincloss, em tradução de Rafael Mantovani, lançado pela editora "A girafa", em 2005.
8 de abril de 2008
Há um personagem do Alphonse Daudet, que anda esquecido aqui no Brasil. É o Tartarin.
O romance "Tartarin de Tarascon" começa assim:
"Ma première visite à Tartarin de Tarascon est restée dans ma vie comme une date inoubliable ; il y a douze ou quinze ans de cela, mais je m’en souviens mieux que d’hier. L’intrépide Tartarin habitait alors, à l’entrée de la ville, la troisième maison à main gauche sur le chemin d’Avignon. Jolie petite villa tarasconnaiseavec jardin devant, balcon derrière, des murs très blancs, des persiennes vertes, et sur le pas de la porte une nichéede petits Savoyards jouant à la marelle ou dormant au bon soleil, la tête sur leurs boîtes à cirage."
Em tradução de Ondina Ferreira:
"A primeira visita que fiz a Tartarin de Tarascon permaneceu na minha vida como data inesquecível; isso aconteceu há cerca de dez ou quinze anos, mas dela me lembro melhor do que do dia de ontem. O intrépido Tartarin morava, então, à entrada da cidade, na terceira casa à esquerda, no caminho de Avinhão. Bonita vivendazinha tarasconesa com jardim na frente, terraço aos fundos, paredes muito brancas, persianas verdes, e, nos degraus à soleira da porta, uma ninhada de pequenos saboianos brincando de amarelinha, ou dormindo ao sol, com a cabeça pousada nas suas caixas de engraxates."
O romance "Tartarin de Tarascon" começa assim:
"Ma première visite à Tartarin de Tarascon est restée dans ma vie comme une date inoubliable ; il y a douze ou quinze ans de cela, mais je m’en souviens mieux que d’hier. L’intrépide Tartarin habitait alors, à l’entrée de la ville, la troisième maison à main gauche sur le chemin d’Avignon. Jolie petite villa tarasconnaiseavec jardin devant, balcon derrière, des murs très blancs, des persiennes vertes, et sur le pas de la porte une nichéede petits Savoyards jouant à la marelle ou dormant au bon soleil, la tête sur leurs boîtes à cirage."
Em tradução de Ondina Ferreira:
"A primeira visita que fiz a Tartarin de Tarascon permaneceu na minha vida como data inesquecível; isso aconteceu há cerca de dez ou quinze anos, mas dela me lembro melhor do que do dia de ontem. O intrépido Tartarin morava, então, à entrada da cidade, na terceira casa à esquerda, no caminho de Avinhão. Bonita vivendazinha tarasconesa com jardim na frente, terraço aos fundos, paredes muito brancas, persianas verdes, e, nos degraus à soleira da porta, uma ninhada de pequenos saboianos brincando de amarelinha, ou dormindo ao sol, com a cabeça pousada nas suas caixas de engraxates."
4 de abril de 2008
Escrevi um pequeno comentário sobre o livro "A morte de um estranho", do ucraniano Andrei Kurkov. Leia aqui.
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