11 de abril de 2012

Anatomia, de Daniela Lima

Quando eu leio um livro realmente bom, eu penso na utilidade da minha literatura. Da minha, bem entendido. Após a leitura, um pouco de desânimo, uma pitada de prostração e eu descambo para a depressão, algumas vezes. Então eu recebo este "Anatomia", de Daniela Lima. Um livro de estreia e isso significa muita coisa, para o bem e para o mal e eu não vou repetir aqui. O fato é que a experiência nos alerta e esperamos uma obra insegura, uma prosa vacilante, alguns clichês e outros escorregões. Mas não é isso que acontece, de jeito nenhum. E posso acrescentar que o caminho que Daniela escolheu é o pior, porque parece que as pessoas não precisam mais desse tipo de arte. A literatura precisa, mas as pessoas não.
É uma obra fragmentada, tanto no espaço quanto no tempo, e só isso bastaria para ganhar a minha atenção, porque gosto de experimentos. Só que ela vai ainda mais longe, pois nos entrega uma história bonita, misteriosa, ambígua, embrulhada em um estilo lírico, suave. Não foi à toa que citei a depressão ali atrás. Logo no início do romance (?), acompanhamos o "sim" de Laetitia, em seu casamento. Sabemos, por meio da narrativa, que ela chegou até ali menos por impulso do que por preguiça de ponderar. Vamos nos casar? Sim, por que não? E assim, como se fosse um golpe de autopiedade, alimenta a sua depressão com decisões apressadas.
Notamos em cada palavra, em cada linha, o exorcismo da autora, como alguém que tenta se livrar da própria tristeza encarando-a, enfrentando-a. Escrever é sempre esse ato autobiográfico, disso não tenho dúvida nenhuma, mesmo que tentem me convencer do contrário. O que mais há na trama? Há muito de humano, de dejetos humanos, sangue, lágrima, suor, como se a essência do homem pudesse ser traduzida por aquilo que se joga fora, pelo descartável. E, lógico, sabemos que tudo é descartável, por mais que nos apeguemos a qualquer esperança.
Há também o ambiente asséptico, tudo é muito branco, como se as pessoas fossem essa aparência, que também pode machucar. Os relacionamentos são experiências conduzidas por indivíduos que desejam descobrir o limite do outro ou o seu próprio e isso, lógico, passa a ser um jogo de vale-tudo.
E é humilhando o próximo (e quanto mais próximo, melhor) que tentaremos nos livrar de qualquer coisa que pode representar expectativa e é um excelente alimento para a melancolia. Alguns capítulos são curtíssimos, uma linha. Isso é bom, nos deixa respirar um pouquinho, embora eu ache que tanto faz, quando estou lendo eu quero mesmo é perder o fôlego. Vi por aí que o foco do romance é o erotismo, mas acho bobagem. Não achei isso em passagem nenhuma. Para mim é uma história de amor. O maior amor que já existiu e que sempre existirá, que é aquele que alguém pode ter por ele mesmo. É a história do amor que Laetitia sente por ela própria.

Serviço: o livro foi editado pela Multifoco e pode ser encontrado no site da editora e nas boas livrarias a 32 reais.

Trecho:


Se eu soubesse fazer da palavra instrumento, ainda que rudimentar; se soubesse agir como alguém que não tem nada, mataria você. Seria um único grito. E: o fruto arrancado: a memória perdida amadurecendo sobre a mesa da sala. Finalmente, eu me afogaria na certeza de que nenhuma semente desta memória vingaria.