Não escrevo resenhas há três anos e as observações que farei aqui não podem ser consideradas crítica literária, mas somente comentários baseados em minhas leituras. Muito do que vem a seguir pode ser aplicado a qualquer obra de Luiz Vilela, embora eu esteja tratando, especificamente, de Perdição, seu romance recém-lançado.
- Nos textos de Vilela, o narrador não é onipresente - ele sempre sabe de algo porque viu ou porque alguém lhe contou. Ele, portanto, repassa ao leitor a sua mensagem, que, evidente, pode estar corrompida. Isso gera um efeito interessante: nunca se sabe o que é verdade e o que é invenção.
- Os diálogos são o ponto principal da obra de Luiz Vilela. Mas diálogo é algo complicado na literatura. Então, o escritor tem de fazer uma escolha: ou ele transcreve a fala das pessoas, imitando-a em seus menores detalhes como ela é ou considera a fala algo diferente da escrita e por isso adota a norma culta para os diálogos. Luiz Vilela escolhe a segunda opção. Assim, pode parecer estranho que um feirante utilize o pretérito maisque-perfeito, mas não é, pois o diálogo é somente uma representação escrita do que foi dito oralmente, de uma outra maneira, mas com o mesmo significado. Como o narrador não é onipresente, a "transcrição" dos diálogos não precisa ser fidedigna. E mesmo se em alguns casos ele está presente durante o diálogo, não é neste momento que ele passa para o papel o que ouviu.
- A força e a precisão dos diálogos está na voz própria de cada personagem - um padre tem seus cacoetes linguísticos, um pescador idem.
- Para dar um caráter informal e também para amenizar e ao mesmo tempo aumentar a tensão, há piadas, muitas piadas e também ditos populares. De amenidade em amenidade, o leitor prende a respiração, se prepara para a fisgada, pois sabe que a qualquer instante a conversa pode tomar um rumo inesperado.
- A história principal é simples e curta: um pescador se torna pastor, vai para a capital, ganha muito dinheiro com os fiéis e se crê acima de tudo, poderoso. Leva um tombo e se decepciona com o mundo. Só que não se pode escrever 400 páginas sobre isso. Daí que o livro traz muitas personagens secundárias, muitas histórias paralelas.
- Um clássico.
29 de dezembro de 2011
14 de novembro de 2011
O sol nas feridas
Onde estava Deus,
quando Hitler avançou
com seus coturnos, suas bombas
seus campos de concentração
sobre toda a humanidade?
Em outro poema, "Ad nauseam", ainda sobre o mesmo tema das religiões:
Quando alguém vem falar de Deus
dou-lhe as costas
e abro um livro.
Mas não é somente denúncia, é também recordação. A sua Cataguases, sempre mítica e inalcançável em sua pequenas de província também está neste livro:
Quando nasci, uma parteira,
dessas que nos inauguram
na febre dos dias, disse:
Vai, menino! ser alguém no mundo,
e saia de Cataguases
para não ficares menor que ela.
Ao falar de si, de suas provações, de suas dores, Cagiano é mais incisivo, como no poema "Despedida":
No agosto em que meu pai morreu
a vida tornou-se uma pátria incompreensível
e o mundo um albergue de inverdades.
No leito em que dormitavam com ele
todas suas dores e
falhavam as energias
eu depositava décadas de silêncios
e olhares mudos.
Aquele que encarar os mais de sessenta poemas pode ter certeza de que não sairá impune da empreitada. "O sol nas feridas" é para corajosos, para esses leitores cada vez mais raros.
25 de outubro de 2011
As certezas e as palavras, Carlos Henrique Schroeder
Os dezenove contos deste livro de Schroeder tratam da única certeza que todos temos: a de estarmos sós. Assim, os relacionamentos não funcionam, nenhum tipo deles, pois o homem parece sempre em busca de algo que não poderá ter jamais. Esse sentimento de impotência é muito bem retratado na literatura de Schroeder, muito por causa de um lirismo às vezes impertinente, que surge quase por acaso em um parágrafo ou outro.
E há também a violência, o despudor. O maniqueísmo não tem mais lugar no mundo de hoje, “meus heróis morreram de overdose”, cantaria Cazuza. “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, sentenciaria Augusto dos Anjos. Mas essa violência nunca é gratuita, é uma face da solidão e Schroeder sabe disso, essa Geração zero zero, à qual pertence, sabe disso.
Ao mesmo tempo, o leitor perceberá que não há explicação para nada. Há a tentativa de explicação – as palavras, que, se chegam até o homem, não o humanizam. A muleta das palavras, como diz o próprio autor em uma das epígrafes do livro. Uma muleta capenga, que não ajeita o passo de ninguém, apenas ampara, de uma maneira limitada, mas eficiente. A muleta necessária, mas não suficiente.
Há vários contos que me agradam muito, como “As certezas e as palavras”, em que uma das personagens é viciada na palavra “opróbio” e fica criando textos em cima dela, exercitando a sua própria solidão. Ou então “O tempo que resta”, sobre uma rodovia que tira vidas, um conto melancólico, em que nada parece acontecer, como se todo o texto fosse apenas a descrição de uma fome e de um medo, um medo comum a todos, um medo alimentado pela certeza da solidão e da morte. Gosto também do erotismo romântico do conto “Não diga noite”, em que a imagem se torna mais importante do que o sentimento, ou então que o sentimento só pode ser compreendido pela imagem. O que faz todo o sentido, pois atravessamos uma época em que tudo nos chega primeiramente pela visão. Outro dia comecei um texto me perguntando sobre a tarefa do escritor nos dias de hoje, em que, no câmbio cultural, precisamos de mil palavras para comprar uma imagem. Schroeder sabe disso, ele sabe que a palavra não muda mais nada, que a palavra está em desuso, que a palavra não chega a mais ninguém, porque os homens estão caminhando para seu destino de máquinas (novamente parafraseio uma epigrafe de “A certeza e as palavras”).
E os contos têm muitas citações, muitas homenagens, mas elas nunca parecem excessivas, pois fazem parte do contexto, estão ali para ajudar o roteiro. Além disso, sabemos que o leitor não está acostumado a ler Paul Auster, Maurice Blanchot, Alan Pauls ou Dylan Thomas, o que significa que as passagens escolhidas por Carlos Henrique Schroeder têm a função de apresentar estes autores, de fazer com que o leitor se apaixone por estes grandes pensadores, que o leitor Para contrabalançar, há muitas menções pops, principalmente pinçadas do rock. Legião Urbana, Joy Division e assim por diante, o que nos deixa, nós que estamos chegando aos quarenta, mais à vontade. Ouvir Joy Division hoje ainda é possível. Gravar Joy Division e The National num mesmo pen drive é possível.
Eu recomendo este livro porque é bom, é fruto de um autor maduro e quem ler os contos que foram reunidos nesta obra pode ter a certeza que passará bons momentos em companhia de uma literatura forte, que não deixa e nem quer deixar nada a dever a nada ou a ninguém.
15 de outubro de 2011
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