10 de julho de 2009

Cavalos do amanhecer




Há um livro precioso de Mario Arregui chamado "Cavalos do amanhecer", que pode ser facilmente encontrado nas livrarias ou nos sebos. A nota bibliográfica da edição que eu tenho não dá dicas sobre qual livro do escritor uruguaio foi traduzido. Suponho que tenha sido seu primeiro, "Noche de San Juan y otros cuentos", de 1956. Arregui está tão esquecido que não consigo encontrar seus livros nem em espanhol em livraria nenhuma, inclusive do Uruguai. Aceito sugestões.

Os oito contos da obra são magníficos, são uma aula de literatura. É o tipo de leitura da qual nunca saímos sem pensar que o melhor é não escrevermos nada nunca mais. No conto de abertura, "Noite de São João", lemos a tradução de Sérgio Faraco:

Depois de muitos dias consumidos em tropeadas por campos e caminhos onde o outono semeava suas mil mortes, regressava Francisco Reyes ao povoado. Era um entardecer límpido e alto como a espada vitoriosa de um anjo, e cem fogueiras dispersas anunciavam o nascimento da noite de São João. Os cascos do cavalo golpeavam sonora e compassadamente a branca carreteira, e ele abria com avidez os olhos para os cordiais fogos dos homens e o balbuciar das primeiras estrelas. Seu peito também se abria, docemente se abria e se dilatava para antigas ternuras, recordações ainda palpitantes que o alcançavam desde o sítio onde se esconde a infância. Seu coração disparava como o de um menino.

É muito mais do que um relato sobre gaúchos, é um relato universal, no melhor sentido da palavra, a despeito do debate entre Atiq Rahimi e Bernardo Carvalho na Flip. Francisco Reyes remói a sua solidão entre os lençóis de uma prostituta, conhecida antiga. Ao sair da casa dessas mulheres da vida, Reyes conhece Ofélia:

Longos minutos permaneceram assim, como dois náufragos arrojados pelo destino na concavidade de uma mesma onda.

Em seguida vem o conto "Os contrabandistas". O contexto em que se passa a história foi muito bem explicado pelo jornalista Gilberto Pereira. Pouco depois, o notável "Cavalos do amanhecer", que narra a fuga de Martiniano, que já enfrentara duas guerras e não queria lutar a terceira. Percebemos o nervosimos e a covardia do herói:

Interrompeu-o a entrada de Correntino, com latidos que eram um único latido (ele saíra do rancho, recorrera as cercanias e voltava sobrecarregado de alarmas). Martiniano calou-o com um grito rouco e um pontapé, o cão refugiou-se debaixo do catre do garoto. Este despertou-se e ergueu-se.

Martiniano decide se esconder no poço ao lado de sua casa e deixa a mulher o filho se entenderem com os ginetes que se aproximam.

O próximo conto, "Diego Alonso", é dos que mais gostei. Conta a história de um conflito silencioso, suspenso por um um terror tênue e assustadiço, que qualquer sussurro poderia derrubar. Diego Alonso e o barbeiro estão enamorados pela mesma mulher. Quando Diego aparece na barbearia, percebe-se que é hora do confronto.

"Lua de outubro" é a próxima narrativa. Fala de Pedro Arzábal e de sua aventura na casa dos Lopes, com a menina Leonor.

O livro inteiro é permeado por um lirismo assustador, que faz com que sua leitura seja essencial e urgente.

Nenhum comentário: