17 de setembro de 2006

(...) Fiquei pensando, agora de propósito, em Gertrudis; a querida Gertrudis de pernas longas; a Gertrudis com uma velha cicatriz esbranquiçada no ventre; a Gertrudis calada de olhos pestanejantes, que às vezes engolia a raiva feito saliva; a Gertrudis com uma roseta de ouro no peitilhodos vestidos de festa; Gertrudis, conhecida de cor.
Quando a voz da mulher ressurgiu pensei na tarefa de encarar sem mágoa a nova cicatriz que Gertrudis iria ter no peito, redonda e complicada, com nervuras de um rubro ou de um rosa que o tempo talvez viesse a transformar numa trama pálida, da cor daquela outra, tênue e sem relevo, ágil como um assinatura, que Gertrudis tinha no ventre e que eu reconhecera tantas vezes com a ponta da língua.


Trecho do romance A vida breve, de Juan Carlos Onetti, em tradução de Josely Vianna Baptista.

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