25 de novembro de 2008

O filho eterno, de Cristovão Tezza, é a obra mais premiada este ano no Brasil. É um bom livro sim, mas não essa genialidade que andam divulgando por aí. Em breve vou postar alguns trechos do romance, cujo enredo é autobiográfico e versa sobre um pai que tem um filho com Síndrome de Down. Por enquanto recomendo a entrevista que o Tezza concedeu para o Jornal de Letras, de Portugal.

22 de novembro de 2008

Duas resenhas

Gostaria que lessem os seguintes textos: o primeiro, de Áurea Alves, sobre o livro de poesias de Zeh Gustavo e outro meu, tratando da mesma obra.

18 de novembro de 2008

Este calor, este calor, eu repetia sentado debaixo de uma sombra, nos arredores do terreiro de galos de rinha, enquanto passeavam em volta galinhas d'angola, preciosidades do dono do terreiro. Este calor, este calor, eu repetia ali, sentado, conforme vi em estampas da minha infância, com um pedaço de pau na mão, escarafunchando na terra, tendo ao lado um formigueiro medonhamente grande, o sol quem sabe em seu zênite, o caboclinho da estampa da minha infância talvez fosse mais feliz, havia aquele sorriso das estampas da infância, sorri também, resolvi entrar também nessa do sorriso, um sorriso esgazeado, um sorriso para tudo e para nada, e vi uma cobra serpenteando o formigueiro, me perfilei automático, mesmo sem me levantar me perfilei, e o sorriso ali, intacto, para tudo e para nada, para a cobra inclusive, pensei, este sorriso vai para a cobra também, para a cobra este sorriso vai, vai sim, vai para essa imensa cobra que pretende se aconchegar aos meus pés - súbito bati com aquele pedaço de pau na cobra, duas, três vezes, quatro, paulada e mais paulada, e a cobra se partiu em dois, três, quatro pedaços, e o sangue em torno era escuro, quase preto, e a terra ao redor de mim, a terra como eu nunca imaginara antes tremeu, tremeu sim, tremeu no duro, de verdade, um tremor de terra, e deu para perceber que alguma coisa no alto ia despencar em cima da minha cabeça, e depois disso não me perguntem mais nada, porque de nada adiantaria mentir que vi, que remexi, que aconteci.

João Gilberto Noll (1946 - ), em Harmada. O romance é tão bom quanto "A fúria do corpo". Não há uma história propriamente dita, mas vou transcrever o que está escrito na orelha: "Um ex-ator, escondido num asilo para mendigos, consola-se com o projeto de uma peça de teatro. Ele quer retornar a Harmada, a capital de seu país, mas se vê retido em uma paralisia na qual só a arte o ampara."

12 de novembro de 2008

Agendas 2009

Desde 2005 que esse pessoal publica minhas poesias nesta agenda, que já é bem conhecida de todo mundo. Quem estiver interessado em comprar, me mande uma mensagem que eu passo o contato de quem está vendendo. Além de mim, outros poetas da nova geração e clássicos.


10 de novembro de 2008

Minha pátria é onde os goiamuns
pressentindo o cair da noite
buscam as locas entre os mangues.

No meu país palustre
o peso das chuvas encurva os cajueiros
e o sol calcina lágrimas.

E uma espinha de carapeba
arranha a louça do dia
que a língua do mar lambe.

Entre casas de marimbondos
e caranguejeiras imóveis
a tarde me iluminava.

Eu soletrava a ferrugem
de navios sem nome que a lama
das lagoas mastigava.

Eu percorria as galáxias.
Fagulhas de estrelas caíam
nos coqueirais do tifo.

No chão das ilhas pegajosas
um planetário búzio avariado
guardava o aroma do mundo.

Minha pátria é a água negra
- a doce água cheia de miasmas -
dos estaleiros apodrecidos.

(Na cozinha, a boca alugada,
soprando carvões, fazia nascer
o fogo do dia.)

Quando eu estava dormindo
e chovia no meu sonho, nos vales
caíam trombas-d'água.

A manhã raiante se manchava
do sangue escuro da raposa
morta no chão memorável.

Minha terra é o novo caminho
que o homem abriu sem querer
no capim à beira do arrozal.

Entre lagartos e caga-sebos
vi as horas caírem sobre as cercas
que afrontavam os relâmpagos.

Foi na infância que aprendi a ver-te,
ó sol que me ilumina. E um arco-íris
abriu-se entre arraias do céu pálido.

Trecho da poesia "Minha terra", de Lêdo Ivo (1924 - ), retirado do livro "Poesia Completa", editado em 2004 pela Topbooks em parceria com a Braskem.

2 de novembro de 2008

A mesma situação de 1993. A diferença é que naquela época eu tinha 27 anos, meus pentelhos ainda não haviam embranquecido, e a vista era de frente para o mar.
Naquele final de ano eu acreditava na biologia. Tinha o tempo da espera e não havia me desencantado comigo mesmo. Um cara assim, nesta situação, digamos, de passaporte carimbado - agora entendo - está "apto" para amar e para acreditar nesse sentimento.
A situação em si mesma é um desastre consumado, e o termo "apto" é quase um xingamento, mas não encontro outro que comine ou conjugue melhor a expectativa do devir com a breguice genética de querer ser feliz. Portanto, acreditar na biologia era para mim acreditar no amor.

Primeiros parágrafos do romance "Animais em extinção", de Marcelo Mirisola, lançado em 2008 pela Editora Record.